Sara da Costa @ Braga Ciclável
Publicado em 28/09/2024 às 7:00
Temas: Opinião 31 de Janeiro Avenida 31 de Janeiro Bicicleta efeito pedalada mudança Sara da Costa
O “efeito pedalada” refere-se a um conceito em que uma pequena ação inicial pode encadear uma série de efeitos cumulativos maiores, semelhante ao efeito dominó ou ao efeito borboleta. No âmbito da mobilidade sustentável, o “efeito pedalada” sugere que a decisão de uma única pessoa de mudar a maneira como se desloca, como por exemplo trocar o carro pela bicicleta, pode inspirar outras pessoas a fazerem o mesmo, levando a um impacto colectivo significativo.
Sabemos que é necessário que as pessoas se sintam seguras para poderem experimentar modos de transporte mais sustentáveis. Sabemos também que políticas públicas precisam ser tomadas, investindo não só na criação de infra-estrutura mas também na sensibilização. No entanto, a transformação não é apenas responsabilidade dos governos ou corporações, a verdade é que cada um de nós desempenha um papel essencial na construção de um futuro mais sustentável.
O que podemos fazer, como indivíduos, para impulsionar uma mudança?
Comecemos por repensar as nossas escolhas diárias de transporte, talvez em certos dias e para distâncias curtas possa começar por, em vez de utilizar o carro, experimentar ir a pé ou de bicicleta ou até tentar perceber se seria possível utilizar algum transporte público. Cada vez que escolhemos uma opção mais verde, estamos a contribuir para a redução de emissões de gases de efeito de estufa, para a diminuição do tráfego e para a melhoria da qualidade do ar na nossa cidade. Parece uma mudança pequena mas que pode ser suficiente para desencadear uma transformação maior.
Juntar-se e apoiar movimentos e associações locais que se preocupam com estas questões também é uma boa forma de contribuir para a mudança porque juntos conseguimos falar mais alto e assim criar uma massa crítica que pode incentivar as autoridades a investir em melhorar a infraestrutura e reorganizar o espaço público.
A responsabilidade de cada um é o alicerce que pode sustentar a eficácia das soluções de mobilidade sustentável. Gestos simples, multiplicados por muitos, desenham a mudança no horizonte coletivo.
Agora, o verdadeiro desafio é converter essa consciência em ação. Não basta entender o que precisa ser feito, é preciso agir com propósito e integrar-se a uma crescente força coletiva que anseia transformar a maneira como nos deslocamos na cidade.
Cada passo dado, cada escolha feita em direção à sustentabilidade, é um avanço para todos nós!
paulofski @ na bicicleta
Publicado em 26/09/2024 às 10:32
Temas: marcas do selim a caminho do Romeu amigo Couto Azibo bicicleta boas pedaladas Canyon cicloturismo ciclovia ciclovias combóio Ecopista Ecopista do Tua fotografia fotopedaladas gravel história Linha do Tua longas pedaladas Macedo de Cavaleiros Maneirinha Mirandela mobilidade motivação Natureza outras coisas Podence Portugal Romeu viagem
Antes de entrar no tema que me traz de volta, devo reforçar a minha opinião pessoal sobre o aproveitamento da adaptação dos abandonados canais de linha ferroviária em vias pedonais e cicláveis. A forma como nas décadas de 80 e 90 do século passado foram encerradas muitas linhas de bitola estreita, meramente pelo quero, posso e mando político, sem dar cavaco aos interesses do povo, e que foi bastante prejudicial em termos sociais e económicos para as populações e para o comércio que do comboio se servia, foi crime de lesa pátria. Nesses anos os governos cavaquistas arrasaram por completo a maior parte das infraestruturas ferroviárias do país, argumentando com interesses economicistas, o que permitiu a delapidação do património ferroviário pelos interesseiros da clientela de pacotilha.
Evidentemente que seria necessária uma restruturação e modernização da rede ferroviária nacional face ao investimento e desenvolvimento de infraestruturas rodoviárias, associada à lentidão do comboio perante o concorrente rodoviário, mas temos de admitir que alguns encerramentos foram injustos e funestos para as populações, no combate à interioridade e no desenvolvimento económico dessas regiões. Parece haver agora alguma vontade política para reverter alguns desses erros e reabrir algumas linhas, como tem sido a eterna promessa de recolocar os carris, reconstruir as estações e apeadeiros degradados, abrir as pontes deixadas ao abandono, da antiga Linha do Douro, no troço entre o Pocinho e Barca d’Alva! Só que nada de concreto se tem feito.
O percurso da Ecopista do Tua, desenvolve-se pelo canal da antiga Linha Ferroviária do Tua, que em Foz-Tua fazia a ligação com a Linha do Douro e dali levava os passageiros em linha estreita para o interior transmontano. Em 1887 foi inaugurado o primeiro troço até Mirandela e em 1906 foram completados os seus 133 kms de extensão até Bragança. No seguimento dos encerramentos unilaterais de muitas linhas férreas deste país, em 1991 o troço entre Bragança e Mirandela foi definitivamente encerrado. Os carris e o material circundante foram sendo retirados, mesmo perante a oposição e os protestos das populações. Em 1995 foi reaberto o troço entre Mirandela e Carvalhais para o Metropolitano de Superfície, sendo a exploração do serviço de passageiros realizada pela empresa “Metro de Mirandela”, serviço que já foi desactivado. A circulação ferroviária manteve-se entre Mirandela e Foz-Tua, entrando sucessivamente em declínio, resultando em graves acidentes ocorridos entre 2007 e 2008. Os carris são então arrancados e é iniciada a construção da barragem de Foz-Tua, o que leva ao encerramento definitivo desta linha de comboios, considerada por muitos (infelizmente nunca a percorri) como uma das mais belas do mundo.
A reconversão em ecopistas, ecovias e ciclovias destes antigos canais ferroviários é uma forma dos municípios aproveitarem e preservarem parte deste património abandonado. O investimento para fins recreativos e turísticos permite ao novo utilizador conhecer o remanescente património paisagístico e arquitectónico das antigas linhas de comboio. Desta forma pode-se conhecer, ou recordar, quase à mesma velocidade das viagens do passado, o traçado serpenteante destes canais rasgados pela força do Homem. Contemplar paisagens magníficas sobre os vales escarpados dos rios. Conhecer a riqueza cultural, a natural e das populações. Visitar recantos deste património da humanidade entre socalcos e serras. Divulgar a cultura de um Portugal profundo e que era tão bem servido por este magnifico meio de transporte.
Nesta epopeia de três dias, o cicerone Manuel Couto e este que se fez convidado viajamos com as nossas companheiras de duas rodas no comboio Miradouro ao longo do rio Douro para, no Pocinho, iniciarmos a pedalada, tendo como destino final a pequena aldeia transmontana de Romeu. Ao invés da primeira vez que lá fui, e que percorremos de bicicleta o que resta da antiga Linha Ferroviária do Corgo entre a Régua e Vila-Real, desta vez aproveitando o asfalto da EN102, em lugar de reviver o gradual esplendor panorâmico da Ecopista do Sabor, encurtamos de sobremaneira a pedalada, sem, no entanto, acumularmos um bom esforço para lá chegar.
O primeiro contacto que tive com a ciclovia da antiga Linha do Tua foi no curto troço asfaltado dentro da cidade de Macedo de Cavaleiros. No centro, a antiga estação foi remodelada e reparei no cuidado que tiveram em construir uma espécie de “estação de serviço” para os ciclistas, com biciparques, ponto de carregamento para e-bikes e uma estação para lavagem e pequenas reparações. Ponto negativo que tenho a apontar são os inúteis balizamentos existentes ao longo da ciclovia. Certamente que estruturas deste tipo se justificam para a segurança dos ciclistas, sobretudo no cruzamento com as estradas, mas no caso, muitas delas não se justificam e só dificultam a passagem dos ciclistas, especialmente aqueles que viajam em modo bikepacking com alforges laterais nas bicicletas. Depois, o ciclista mais afoito para evitar entrar nestas “ratoeiras” passa à volta em algumas delas!
Após o jantar, e de iluminação ligada pela estrada afora, fomos dormir a Romeu para continuarmos a jornada no dia seguinte.
(aqui o registo “stravico” da jornada)
Antes de darmos ao pedal, juntou-se o Joel e assim se formou um trio ciclocurioso, um numa bêtêtê pura, outro numa espécie de motocross a pilhas e eu numa aspirante a gravel bike e que se fez grande. Seguindo a primeira sugestão do Couto, fomos revisitar e dar a conhecer ao Joel as memórias de Clemente Menéres, industrial portuense que nos finais do século XIX revolucionou a região, especialmente na exploração da cortiça. Abandonámos as bicicletas no mato e subimos a fraga granítica onde se tem um dislumbre mágico da Natureza envolvente.
Pelo caminho confirmou-se estar aberto à circulação o ultimo troço recuperado do antigo canal ferroviário da Linha do Tua e assim se decidiu rumar a Macedo de Cavaleiros. O traçado em gravilha está inserido na mata do Quadrassal, uma extensa mancha natural de sobreiros e bosques de sobreiro e zimbro. Território integrado na Rede Natura 2000, uma área protegida tutelada pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, que abrange a União de Freguesias de Avantos e Romeu, as freguesias de Cedães e de Vale de Asnes, no concelho de Mirandela, e a freguesia de Cortiços, no concelho de Macedo de Cavaleiros.
Depois de um reforço calórico decidimos ir pedalar junto às calmas águas da Albufeira do Azibo, por um trilho suave, local de grande beleza e importância turística, mas sobretudo ecológica. Depressa chegamos à famosa praia fluvial, onde nos detivemos para um bom almoço e dali traçarmos os objectivos para o resto do dia, antes do regresso à aldeia de Romeu para o repasto no Restaurante Maria Rita.
Ficou logo decidido que iriamos fazer o trilho em “loop” de 25km à volta da albufeira, mas ainda antes dessa aventura, e para se fazer uma boa digestão, demos uma saltada a Podence para algumas tropelias. A aldeia estava muito mais calma, tendo em conta a última vez que por lá andei, e depois de umas fotos e explorações, os caretos não quiseram saber de nós, e nós descemos de novo à praia, para o inevitável mergulho antes da boa da suadela.
Ainda envolvidos pela serenidade das águas azuis da albufeira e pelas margens arborizadas que a rodeiam, aos poucos a rota tornou-se desafiante. O trilho sai das margens e à passagem junto à aldeia de Santa Combinha dá-se o inicio a um sobe e desce sem misericórdia. A minha Maneirinha não se fez rogada, nem aos declives e muito menos ao terreno inóspito para uma bicicleta com pneus de 30mm! Claro que, para o meu bem-estar físico, respeitei o terreno e apeei nos pontos mais complicados do percurso, especialmente quando tinha demasiada areia e pedras soltas.
À medida que fomos explorando uma das joias naturais de Portugal, deixamos de vislumbrar as águas e ficamos embrenhados pela mata de sobreiros, pela solidão e pela vida selvagem. Consultando o traçado no GPS, mergulhados na beleza da natureza e desfrutando de vistas deslumbrantes, descemos de novo à tranquilidade das águas da albufeira e a um céu repleto de nuvens lenticulares. Por alturas da barragem do Azibo seguimos por estrada para Vale da Porca, onde após um lanchinho e pedalada mais rápida, junto ao antigo apeadeiro de Castelãos retomamos o alcatrão da Ecopista. Deste local em diante, na direcção de Bragança, o antigo troço da Linha do Tua permanece abandonada e à espera da reconversão. Recolocamos os pneus no asfalto da ciclovia e mais à frente a terra batida da Ecopista em direcção a Romeu.
Definitivamente esta rota é perfeita para caminhantes e amantes da natureza, para o lazer de um dia em família, para ciclistas de todos os níveis de habilidade usufruírem de uma experiência agradável, que tanto pode ser um passeio tranquilo ou uma aventura deslumbrante.
(aqui o registo “stravico” da jornada)
No terceiro dia da nossa jornada, com o bacalhau do Maria Rita bem digerido mas com a mousse de chocolate com azeite ainda no pensamento, arrumadas as trouxas fizemo-nos à estrada e retomamos o troço de Ecopista que ainda faltava percorrer, de Romeu para Mirandela. Antes disso, o Couto levou-me a um dos pontos altos da, também conhecida como, aldeia das rosas: o Santuário de Nossa Senhora de Jerusalém, pequena capela rodeada de olivais e que fica bem no alto, de onde se pode desfrutar de uma paisagem sublime.
A história de Jerusalém do Romeu está intimamente ligada à história da família Menéres, ao fundador e descendentes que aqui investiram na agricultura e criaram postos de trabalho e condições à fixação dos seus trabalhadores e famílias. O fundador Clemente Menéres foi também o grande impulsionador da construção do caminho de ferro, principalmente para o escoamento da cortiça. Velho edifícios, como a antiga escola primária, os armazéns da Quinta do Romeu e a abandonada estação de comboios, são construções que resistiram ao tempo e preservam o passado. Outro local de muita e surpreendente história, que juntamente com o Restaurante Maria Rita atraia visitantes, era o Museu das Curiosidades, que duplamente tive a oportunidade de visitar mas que infelizmente foi encerrado.
Passada a antiga passagem de nível, onde se atravessa a EN15, uns metros mais à frente, temos a primeira interrupção na progressão pela Ecopista. A antiga ponte ferroviária de Jerusalém do Romeu ainda não foi restaurada, fazendo com que para se retomar a pista da outra banda do vale, o cicloturista ter de fazer um pequeno desvio, primeiro com uma suave descida, para, posteriormente, enfrentar a correspondente e exigente subida.
A partir deste ponto da Ecopista, a paisagem muda radicalmente, fazendo com o que o ciclista cruze terrenos agrícolas e vinhedos. O trilho segue ao lado da estrada nacional até que, após passar ao lado da povoação de Vale de Lerda, volta a ver interrompida a passagem por outra ponte ferroviária com a data de restauro em suspenso. Novo desvio e novo cruzamento numa desactivada passagem de nível, a Ecopista da extinta Linha do Tua segue agora a EN15 pela berma esquerda até ao cruzamento/rotunda para Carvalhais. A partir deste ponto para se entrar em Mirandela o ciclista poderá recorrer às faixas cicláveis desenhadas no asfalto, enquanto pode ir observando o troço agora abandonado do antigo Metro de Mirandela até à estação de comboios no centro da cidade.
Preparados para forrar os estômagos com o tradicional rancho à transmontana, com os bilhetes comprados para o autocarro das 18 e tal, fomos de barriga cheia fazer uma sesta para a relva refrescante da praia fluvial de Mirandela. Entretanto, e na incerteza quanto às exigências de transporte de bicicletas pelas transportadoras rodoviárias diz respeito, fizemos uma tourné ciclística pela cidade, visitando lojas dos chineses à procura dos maiores sacos de lixo do mercado. À hora marcada, na estação rodoviária, chegava o autocarro da FlixBus proveniente de Bragança e com destino ao Porto, abordamos o simpático motorista que, exibindo a sua proeminente barriguita, nos convidou a colocar as bicicletas sem requisitos no porão do autocarro. Depois disse-nos que também ele, em tempos, havia pedalado bicicletas!
(aqui o registo “stravico” da jornada)
Obrigado pelo convite amigo Couto. Venha a proxima aventura.
Zé Gusman @ Braga Ciclável
Publicado em 14/09/2024 às 7:00
Temas: Opinião ciência livros mitos Richard Feynman The Guardian
Richard Feynman foi um dos mais brilhantes físicos do século XX, foi laureado com o Prémio Nobel da Física em 1695. Tinha uma personalidade muito especial e as suas aulas eram altamente concorridas, ainda hoje os vídeos dessas aulas têm milhões de visualizações no Youtube. Entre os vários livros que escreveu encontra-se o “Está a brincar Sr. Feynman!” (editado em Portugal pela Gradiva), um livro escrito num estilo bastante descontraído onde Feynman se dedica a contar vários episódios da sua vida e que vale muito a pena ler. Num desses episódios é contada uma conversa entre o autor e uma princesa da Dinamarca aquando da cerimónia de entrega do Prémio Nobel, onde ela lamenta não poder falar com ele sobre física pois não sabia nada sobre o assunto. Ao lamento R.Feynman respondeu com algum humor: “As coisas que podemos discutir são aquelas sobre as quais ninguém sabe nada.”
Veio-me recentemente esta história à cabeça enquanto lia nas redes sociais algumas opiniões inflamadas acerca dos diversos temas quentes relacionados com a mobilidade na cidade de Braga. A discussão é feita normalmente com base em três ou quatro ideias simplistas pré-feitas já há muito postas em causa pela evidência científica. Entre o cardápio de argumentos estão ideias como: “tirar espaço ao carro piora o trânsito”, “tirar lugares de estacionamento destrói o comércio local”, “colocar semáforos piora o trânsito” ou “o trânsito resolve-se fazendo mais estradas”. Em 2019 o The Guardian desmistificou algumas destas e de outras ideias do mesmo tipo, confrontando-as com a evidência científica “Ten common myths about bike lanes – and why they’re wrong”.
Serve isto para dizer que seria bom que as discussões sobre estes temas fossem feitas com base mais em factos e menos com base em achismos. Aos poderes públicos compete decidir políticas públicas em diálogo com os cidadãos, explicá-las e definir objetivos e metas que permitam que essas políticas sejam avaliadas. Aos cidadãos compete participar nesse diálogo e exigir que essas políticas sejam avaliadas. O que não deve acontecer é que este diálogo seja feito de forma desinformada, ao sabor de algoritmos e esperando que toda a gente esteja de acordo.
paulofski @ na bicicleta
Publicado em 21/08/2024 às 13:57
Temas: bicicleta 1 carro a menos até Santiago bêtêtê bicicletas bué de fixes bike bike to home bike to work bikeporn BTT Lousada Caminho Canyon carbono cicloturismo dos malucos das biclas voadoras estrada fotografia gravel longas pedaladas Maneirinha motivação outras coisas Rafael Ride Your Workout Roadlite
A proporção de bicicletas que possuímos é, como todos sabemos, N + 1, onde N é o número de bicicletas que temos e o +1 é aquela que sonhamos vir a ter. A simples troca de bicla não se aplica aqui.
Esta ânsia de encontrar uma boa justificação para ter mais uma bicicleta é evidente na mente da maioria dos ciclistas.
Longe vão os dias quando uma bicicleta servia para todas as ocasiões. Usada e abusada, no processso de aprendizagem, nas voltinhas ao bairro com os amigos, compartilhada entre os irmãos, passada de pais para filhos.
Hoje em dia o mercado é cada vez mais variado e as bicicletas são mais especializadas, criadas de acordo com algo mais específico e que supostamente necessitamos. Agora não é tanto o caso de nos adaptarmos a elas, mas escolher a “máquina” que melhor se adequa à necessidade do utilizador.
Há uma bicicleta certa para cada função, seja para um trilho de cascalho, estradão enlameado, para utilização urbana ou rodar por longas horas em alcatrão lisinho. A bicicleta é escolhida especificamente para dar o melhor rendimento ao exercício que desejamos, à segurança, ao ritmo e finalidade da pedalada.
As marcas e designers vêm nisto do N + 1 uma boa razão para manter activas as necessidades e sobretudo os caprichos individuais. É um desafio permanente de evolução tecnológica, que acontece bem na frente dos nossos olhos e que estimula querer o mais sofisticado. O mercado faz o seu papel no incentivo para o “upgrade”, reforçando o desejo de expandirmos horizontes e tentarmos algo diferente.
“Qual será a tua próxima bicicleta?” É quase certo que a resposta esperada é “o último modelo”, mas uma coisa é o que queremos e outra é o que podemos ter. O factor económico é preponderante e na mente do pretendente, para fazer novo investimento só precisa se certificar junto da sua “cara metade”. Ou então não, e parte destemido para o elemento surpresa. “Querida…”
No “parque velocipédico” lá de casa tenho uma Del Sol LXi comprada em 2003 na ETIEL, aka Ciclo Coimbrões. De acordo com as especificações da minha “cara metade”, esta bicla de alumínio, tipo beach cruiser, fê-la voltar ao selim e durante alguns anos a acompanhar-me em passeios à beira-mar, até que um tal de síndrome vertiginoso apareceu e obrigou-a a pôr termo às pedaladas.
Ficou guardada, sendo oportunamente adoptada pelo herdeiro e que o ajudou a fortalecer tanto o seu crescimento bem como a desenvoltura das suas pedaladas recreativas / escolares. Entretanto o rapaz botou os olhinhos em algo mais cross e mais trail, e a velha bina voltou para o banco de suplentes.
A Maria Del Sol é uma ótima bicicleta e fui incapaz de me desfazer dela. Aproveitei as suas potencialidades para a tornar numa espécie de rain cruiser, sobretudo para ser usada nas minhas pedaladas “commutianas” diluvianas. Com pneus mais largos e guarda-lamas à maneira, um resistente porta-couves a apoiar um volumoso par de alforges, inevitavelmente ficou muito mais pesada, mas a lentidão da pedalada nunca me desencorajou a investir nela, sobretudo em calços de travão.
Depois de vários anos e quilómetros de bons serviços estava a pedir nova manutenção geral. A idade, a dela e a minha, começavam a pesar, e assim que me deparei com este modelo “Roadlite CF8” da Canyon, achei que seria uma boa oportunidade para a Maria Del Sol passar à reforma.
As dúvidas em comprar uma bicicleta via online eram bastantes, no entanto foram sendo afastadas com a ajuda da competente assistência de comunicação com a marca, bem como no processo de compra e posterior envio e preparação da bicicleta.
Especialmente estimulado pelo preço promocional, pelas características híbridas desta fitness bike, depois de muito pesquisar e matutar mandei-a vir, sem sequer a ter experimentado. Segundo os critérios da marca, estando eu na fronteira de tamanhos entre um XS e um S, veio o XS, não só porque era o único tamanho disponível, mas no que diz respeito ao quadro de bicicleta, o mais pequeno torna-se sempre mais fácil de configurar para o nosso corpo acomodar.
Assim que chegou o caixote, a desembalei e montei, permiti que fosse o herdeiro a dar-lhe os primeiros giros dos pedais. Muitos minutos depois o Rafa lá voltou e o seu entusiasmo era por demais evidente: “Pai, posso ficar com ela?” Eh pá!… Parece que acertei nisto!
Não sabia bem o que esperar quando, pela primeira vez, passei a perna sobre a esta pequena máquina. Pensada para uma utilização sobretudo urbana, para circular em todas as condições climatéricas, a Roadlite CF8 é, ao fim e ao cabo, uma bicicleta de estrada, leve e rápida que, por acaso, tem um guiador plano em vez do dropbar tradicional. A geometria do esbelto quadro e dos periféricos em carbono, fornecem um excelente comportamento e o ajuste que se espera de uma “estradeira” de alto desempenho.
O prato único de 46 dentes é suficiente e competente na transmissão de potência ao SRAM NX Eagle. A simplicidade mecânica do escalonamento das 12 velocidades, do 11 aos 50 e vice-versa, é bastante rápido e suave. Com facilidade se trocam as velocidades, não comprometendo a eficácia e o desempenho em relação a uma transmissão tradicional, o que oferece maior amplitude de andamentos, especialmente para ajudar as pernas nas subidas mais íngremes.
Os travões de disco eram uma novidade para mim. Não sendo topo de gama, são hidráulicos, dando-me a garantia e confiança necessária que exercem cabalmente a sua função, especialmente nas pedaladas à chuva. As rodas 650b que a Canyon equipou neste modelo, tornam esta bicicleta ainda mais manobrável e eficiente. Os pneus tubeless de 30mm, G-One Speed da Schwalbe, são excelentes para uma pedalada eficaz na estrada, confortável no paralelo, sem sacrificar a tracção em estradões de terra e gravilha. Os originais guarda-lamas para o inverno também vieram e que nela serão instalados no devido tempo.
O guiador plano acrescenta um nível de conforto e versatilidade para as pedaladas urbanas que é difícil de encontrar numa bicicleta de estrada convencional. A posição de condução facilita o equilíbrio e desempenho sem sacrificar a velocidade. A estabilidade e a manobrabilidade, tornam a Roadlite bastante versátil nas deslocações diárias, na disputa com o trânsito na hora de ponta, já para não falar da simples alegria de percorrer estradas rurais tranquilas ou caminhos de cabras pela Natureza.
Desde há coisa de um mês aos comandos desta minha ultima aquisição, só agora faço a sua apresentação e o relatório de boas vindas porque, para além das rotineiras voltas diárias pela cidade e arredores, esperei para fazer um longo e completo test ride à Maneirinha, como lhe chamo.
No passado feriado acompanhei um grupo de amigos em parte dos caminhos de Santiago pela costa portuguesa, para depois fazer o consequente regresso por asfaltadas estradas interiores. Esta voltinha proporcionou fazer uma completa e exigente rodagem em diferentes tipos de terreno, numa distância considerável. Resumidamente, a bicicleta teve nota positiva com distinção.
A direção rápida e estável torna mais agradável percorrer sinuosas estradas rurais e contornar curvas apertadas, bem como nos trilhos de gravilha e areia. Pedalar com uma pressão pneumática mais baixa permite receber todo o conforto e segurança dos pneus, seja no paralelo mais manhoso, seja no fofinho asfalto. Aprecei bastante a leveza do conjunto, especialmente quando fui obrigado a carrega-la em ombros pela praia. Nunca me imaginei subir com desenvoltura a ingreme e agressiva Rua do Ferraz e a resposta rápida à força nos pedais foi brutal. Também apreciei o guiador plano e a posição um pouco mais vertical que desfruto aos comandos da bina, o que ajuda a gerir e melhorar a postura, tornando mais fácil manter-me atento ao trânsito à minha volta, sobretudo quando cruzamos alguns centros urbanos.
O selim é definitivamente o ponto fraco da bicicleta. Sofrível para os commutes curtos, é absolutamente desconfortável para o rabo suportar as longas horas a pedal. Valeu-me a carneira dos calções! Este é porventura o único componente que definitivamente será substituído num futuro próximo.
Concluindo. Gosto bastante da versatilidade da Maneirinha e tenho a certeza que foi uma excelente aquisição para o parque velocipédico lá de casa. Embora não pense trocar nenhuma das outras minhas beldades pedaláveis, Sua Alteza, a gOrka, a bamBina, por uma bicicleta de plástico carbono, que não é uma coisa nem outra, mas tudo numa bicla só, é fácil perceber a afeição que ganhei por esta biclazinha.
paulofski @ na bicicleta
Publicado em 23/07/2024 às 11:53
Temas: marcas do selim a chuva não atrapalha Arouca à chuva bicicleta boas pedaladas Castelo de Paiva ciclismo cicloturismo ciclovia diz que é verão Douro estrada fotografia fotopedaladas Furadouro longas pedaladas motivação outras coisas Porto randonneur randonneurs portugal ride with friends roda de amigos workers ride
Este dia estava programado há semanas, verificar in loco o trajecto que desenhei para um possível brevet 200 dos Randonneur Portugal, com saída e chegada ao Porto.
O meeting point no Jardim do Calem, á hora marcada, para além do Miranda, do Pawel e do Jorge, a chuva também marcou presença! Mas onde estava o apetecido dia maravilhoso banhado pelo sol de Julho? Pois… encolhidos, sob uma morrinha “bué da chata”, foi a maneira de se começar a pedalada. Ao longo da manhã, a chuvinha “molha-tolos” deixou estes quatro tolos molhados até aos ossos.
Rumamos ao longo da costa, e um suave, mas desgastante, vento de sul misturado com o ar grosso e húmido não mostrou sinais de aliviar até à nossa investida para o interior. O Jorge seguiu outro rumo, e foi bem para lá da nossa passagem pela engalanada Terra de Santa Maria, e do seu imponente castelo, que a viagem foi, pouco a pouco, ficando mais seca e luminosa.
O objectivo é explorar o território e a fórmula é a certa: estradas sinuosas, a maioria com mau piso, povoações quase desertas, no meio do nada, aromas e testemunhos em busca do prato do dia. Aqui está o segredo do ciclismo, o gosto de ir descobrindo, na pedalada lenta ao ritmo do nosso próprio esforço. Procurar um petisco que possamos saborear, desvendar os segredos que as mães apaixonadas pela sua terra preparam com tanto carinho e dedicação. É verdade, a barriga já dava horas, e quando se pode aliviar o rabo do selim, ouvindo os sinos do início da tarde, é não só um pretexto mas sobretudo um alívio.
Com alguns erros no desenho do percurso, que doravante será coisa para se ir afinando no papel, a tournée prosseguiu calma. As estradas são geralmente tranquilas e sem muito tráfego. A geringonça ia-nos guiando na direcção certa, supostamente, mas o nosso sentido de orientação ia lançando alertas quando se avistavam inesperadas e ingremes rampas que nos apareceram pela frente. E foram algumas.
Agora está sol. Arouca seria o prato seguinte, sem, no entanto, acrescentar a Serra da Freita à sobremesa. O rumo seguiria serpenteando o fundo do vale, palmilhando quilómetros de suaves subidas e descidas, sem qualquer agressividade. O sol polvilhava o seu calor, e para usufruirmos do ar fresco pedalamos de peito aberto, secando a roupa na corda bamba.
Em plena época de romarias, a balburdia dos festejos e os cortes de estrada atrapalham de alguma forma. Abrandamos e espevitamos a curiosidade com o pé no chão. Sair dali resultou em grande desacerto. Consultada a bussola retomei definitivamente o rumo certo e apanhei os compinchas mais à frente, em plena subida ao Monte de Santo Adrião. Se formos devagar pela sombra e sem o frenesim rodoviário, o maior presente que podemos receber é o de poder ver tudo.
Nestas longas e extensas pedaladas, há quem as interprete como um desafio para si próprio, quem percebe a viagem como um mero passeio, parando para conversar sempre que pode, talvez com a desculpa para roubar uma laranja, esperar a malta para reagrupar, tirar mais uma fotografia a paisagens que só precisam de ser admiradas. Só desculpas!
Podemos sentir o cheiro do monte, daquelas flores que crescem espontaneamente nas bermas entre uma estrada esburacada e o mato rasteiro. Nas retas há sempre oportunidade para uma boa conversa, escutando o balido das ovelhas seguido do chilrear dos pássaros. Nas curvas, o tempo de repente fica em silêncio e entra-se num vórtice, girando os pedais em modo automático, com as costas ao vento.
Os atalhos sugeridos pelo planeador de percursos tem por vezes o condão de nos levar a pequenos tesouros escondidos. Nas vielas das aldeias, aquele empedrado que faz a corrente chacoalhar no metal e o selim cada vez mais tormentoso. Cores que logo se uniformizam com as casas. As tradições que não se diluíram ao longo do tempo, que saltam à vista pintando molduras do modo de vida de homens e mulheres do campo.
O céu parece parvo… pardo, todo escurecido e eu me pergunto se vai morrinhar ou chover! É certo que vai. Novelos ásperos de nuvens sombrias e o vento espiam-nos por cima do horizonte. Pedalamos ao vento. subindo por Capela, asfalto que sempre pedalei, descendo para a velha estrada ao longo do rio. Eis a chuva prometida, aborrecida, intrometida, para o final da corrida.
Ao Porto chegamos, encharcados da cabeça aos pés, e aí eu penso que na bicicleta cada vez é diferente. Um dia inteiro a viajar de bicicleta tem uma certa incerteza (!). Primeiro estamos um pouco desconfiados do tempo, depois começamos a descobrir coisas, entretanto desafiamos a escalada e ganhamos. Experimentamos um atalho e perdemos. O calor escaldante e a chuva inclemente. A oportunidade de tentar outro caminho. E colocar o coração em paz. Mil coisas novas a cada vez.
MUBi @ MUBi
Publicado em 28/06/2024 às 12:31
Temas: associação conferência consulta pública contributos eventos política vantagens da bicicleta camaradagem coimbr'a pedal comunidade Debate urbanismo
A nossa acção em Coimbra, entre 1 e 2 de Junho, foi motivada pela vontade de colaboração, de proximidade cara a cara, de companheirismo, pedalada a pedalada.
A vontade de estar presente em distintos territórios, espalhando a magia da bicicleta e mostrando como ela é, não só viável, mas única, como modo de transporte e [...]
paulofski @ na bicicleta
Publicado em 20/06/2024 às 11:55
Temas: ele há coisas! 1 carro a menos ambiente área metropolitana bamBina bicicleta bike to home bike to work ciclismo urbano ciclistas urbanos do Porto coisas que vejo commutescount estrada fotografia fotopedaladas Gondomar mobilidade outras coisas Rio Tinto
Um dos meus habituais percursos pós-laborais passa pela quietude dos parques Oriental e Urbano de Rio Tinto, para depois ter de gramar com o reboliço rodoviário da Estrada Exterior da Circunvalação (N12) a caminho de casa.
Uns metros antes de eu desembocar na Circunvalação contorno o nó de Rebordãos (N12-1), do qual uma nova e larga estrada, “rasgada” e inaugurada recentemente, sai em direção ao interior de Rio Tinto. Como essa via não segue na minha direcção, ainda não me havia aguçado a curiosidade de ir por ali à descoberta, até que um destes dias decidi virar a bicicleta a norte e finalmente conhecer aquilo.
Não fui muito longe. O trânsito circula naquela via apenas nos seus 300 metros iniciais, entre o nó e a nova rotunda da Rua da Castanheira. A partir daí a Via Nordeste, assim chamada, está bloqueada ao trânsito e com a obra parada a meio.
A futura Via Nordeste (pedonal e ciclável), entre Rebordãos e a Rua da Granja, encarada como “uma das principais vias do concelho com vista à promoção de uma melhor fluidez de trânsito, para o interior e exterior de uma das freguesias do concelho de Rio Tinto”, ligará, nesta fase, o nó de Rebordãos à Rua da Granja numa extensão de 2,2 km, com um prazo inicial de execução de 730 dias. Posteriormente será feita a ligação à Via Estruturante Norte-Sul, permitindo criar um anel rodoviário em torno de Rio Tinto e Baguim do Monte, assim como a ligação à A4.
A Câmara Municipal de Gondomar (CMG) ainda não obteve autorização para cortar os 32 sobreiros que estão a impossibilitar a conclusão da Via Nordeste. Parada a construção, entretanto abandonada pelo empreiteiro, esta paragem da obra já gerou prejuízos de cerca 4 milhões de euros ao município de Gondomar, segundo a imprensa. Este impasse burocrático dura há dois anos e, sem fim à vista, o presidente da CMG, Marco Martins, enviou entretanto uma carta à nova ministra do Ambiente, Maria da Graça Carvalho, a pedir ajuda.
Na origem da situação, diz o autarca, está um desentendimento entre o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e a Agência Portuguesa do Ambiente (APA).
Explicação:
“Desde abril de 2022, duas entidades sob tutela do Ministério persistem em solicitar informação contraditória. O município sempre considerou que a Via Nordeste não necessitava de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA) por ter uma extensão de cinco quilómetros (inferior a dez quilómetros que é a extensão a partir da qual é exigível AIA”, descreve Marco Martins. O presidente refere que “o ICNF exige uma declaração da APA de pronúncia do enquadramento no âmbito do Regime Jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental, declaração que o município tem vindo a solicitar desde março de 2022, com várias insistências que a APA nunca esclareceu, confundindo os troços da Via Nordeste”.
paulofski @ na bicicleta
Publicado em 16/05/2024 às 7:37
Temas: fotocycle 1 carro a menos a chuva não atrapalha à chuva bamBina ciclismo urbano commutescount fotografia fotopedaladas mobilidade motivação no meu percurso rotineiro pr'a casa outras coisas Pinarello Porto
paulofski @ na bicicleta
Publicado em 26/04/2024 às 10:48
Temas: fotocycle Abril amigo Pawel bamBina bicicleta castelos ciclismo cicloturismo fotografia Liberdade longas pedaladas motivação outras coisas passeio Penedono Pinarello steel is real
paulofski @ na bicicleta
Publicado em 17/04/2024 às 11:53
Temas: marcas do selim a gloriosa bicicleta bamBina benefícios das pedaladas bicicleta BRM 300 ciclismo dos malucos das biclas voadoras Ecopista fotografia fotopedaladas longas pedaladas Minho motivação os tolinhos das biclas outras coisas pasteleiras e vintageiras randonneur randonneurs portugal
Alguns milhares de quilómetros por ano, pedaladas nos dias da semana e um gosto pelo ciclismo “vintage”, paixão que há cerca de dez anos descobri com a predisposição para o ciclismo de longas distâncias. Na verdade, os Brevet’s dos Randonneur Portugal tornaram-se para mim um autêntico ritual, um encontro de amigos que aguardo com expectativa e que aquece a cuirosidade e os músculos à medida que se aproxima um sábado “breveteiro”.
Para além de revisitar o Minho num brevet com uma distância de respeito, mesmo com a celebração das 58 primevaeras à porta, não via motivo para me poupar. Enquanto tiver pernas, motivação e técnica conseguirei fazê-los. O foco desta minha participação nesta longa jornada seria levar a bicicleta “moderna” que escolhi para suceder à Tripas iNBiCLA, com quadro de aço, mudanças no quadro, travões de pinça e cubo luminoso na roda, testando a máquina e o homem.
Desta feita o meu “ferro” escolhido para a ocasião era uma bicicleta a estrear nestas “pedalanças”. A bamBina de seu nome, recebida das mãos do CEO da iNBiCLA ainda com a tinta fresca, faria a sua estreia num brevet durinho, numa espécie de vira minhoto ao longo de 300 e tal quilómetros. Assim, e com pouco mais de duas voltas de fim de semana, mais alongadas para a testar, experimentar o quadro e os componentes que herdou da defunta Tripas, queria sobretudo desfrutar das sensações que o anorético Columbus KL seria capaz de me oferecer. Perfeita.
Os brevet´s são tudo menos uma corrida. São para mim um grande divertimento com alguma conquista pessoal. Já me apelidaram de “maluco” que se aventura nos longos percursos em bicicletas pesadas, com mudanças pesadas, difíceis de operar. Ou mesmo sem mudanças, impraticável para algumas subidas, mas se está assim tão difícil, pois então que se desmonta e faz-se parte das subidas a pé, caminhando e fotografando. A beleza do cicloturismo é precisamente essa, que com a variedade de percursos, entre aldeias e paisagens, a forma de interpretar a coisa é como quisermos, com a bicicleta que tivermos e no ritmo que melhor nos adaptarmos.
Adormeci. Com menos de uma hora para o depart e a mais de uma hora de carro até ao Posto da Cruz Vermelha em Marinhas, Esposende, sabia que não encontraria ninguém à minha espera a não ser a menina da recepção, que com um sorriso me entregou o cartãozinho do brevet. Cheguei, engoli um bolinho e um café, preparei-me e arranquei no escuro, com meia hora de atraso, pedalando sozinho atrás do prejuízo. Por isso mantive o foco na estrada e no céu, cada vez mais alaranjado. A manhã estava bem fresca, mas as temperaturas iriam subir, e muito.
Com o sol a despontar no horizonte, chegava a Barcelos para o primeiro controle do dia, só não sabia que não teria ninguém à minha espera. Uma falha de comunicação e o José Ferreira, um dos organizadores dos brevet´s Randonneur Portugal a norte e que fazia o controle de passagem, já não contava comigo. Após umas voltas em vão e uma foto para registar a passagem, prossegui a bom gás para encontrar os primeiros companheiros de route que já estavam de partida do segundo posto de controle, ao quilómetro 50 em Ponte de Lima.
A fome começa a fazer-se sentir, não tanto por estar a pedalar há duas horas mas porque devido ao meu atraso o pequeno almoço foi descurado. Mesmo assim, a paragem para o primeiro reabastecimento foi rápida, pois é importante não comer demais. Os quilómetros que me esperavam são muitos e é melhor saborea-los todos, provando tudo nas doses certas para não pesar muito. As estradas que percorremos neste Brevet eram, na sua maioria, sobejamente conhecidas e o primeiro dos suculentos pontos altos do dia estava a caminho, transpor as fraldas da Serra d’Arga.
Na descida para Vila Praia de Âncora pressinto a brisa marítima e até Caminha cumpro mais uma etapa do dia. A partir daí o plano passa em procurar o pavimento plano das ecovias do Minho. O rio, a passarada e os peregrinos para Santiago seriam os meus parceiros. Chego a Valença e encontro três ciclistas de coletes amarelados que, como eu, já se queixavam do calor.
Da antiga linha ferroviária para Monção, das primeiras a serem encerradas e transforadas em pistas “velocipédicas”, tudo muito lindo, tudo muito tranquilo, a não ser as barreiras e o piso bastante degradado. As lombas que resultam do crescimento das raízes, provocaram-me um valente susto e deixaram a bamBina com queixas. Subitamente a corrente dá em falso, estranho, desmonto, e dou com o desviador traseiro sem uma das roldanas. “Que diacho!” Vá lá que as pecinhas, espalhadas no piso, estavam intactas e não rebolaram para o desconhecido. O parafuso deveria estar solto e aquele solavanco foi quase o rastilho para o desastre. Os três companheiros com que me havia cruzado param ao meu lado e auxiliam-me na reparação da pequena avaria. Grato ao João, ao Marcos e ao Juan, com quem prossegui para almoçarmos juntos.
A estrada eleva-se gradualmente e torna-se quase deserta. Depois de Melgaço raramente passamos por veículos a motor. Quem por nós passa são os randonneurs mais céleres que já desciam o percurso no sentido inverso desde S. Gregório, a localidade mais a Norte de Portugal, onde o roaming espanhol continua a sobrepor-se ao luso, onde o Café Coelho continua sem carimbo, e onde o José Ferreira nos aguardava para fazer o registo da nossa chegada com a respectiva carimbadela.
Meia volta pela mesma estrada, mas a descer, até que quase nas duas centenas de quilómetros percorridos se inicia a subida do dia em direcção ao Sistelo. Com algumas rampas de forte inclinação para aguçar o apetite, os oito quilómetros que se seguiam são sob um calor sufocante, até ao conhecido posto de controle em Portela d’Alvite, mas sem o direito às sandes de presunto que eu esperava trincar. Em todos os casos, para enfrentar o desce, e sobe e desce, que teriamos pela frente convinha mesmo comer e beber alguma coisa.
A noite ainda vinha longe, no entanto achei conveniente ligar o farol moderno que a bamBina herdou da Tripas. Parece um elemento estranho para um quadro com pedigree Pinarello, mas tem um feixe de luz potente, que não gasta pilhas e ilumina perfeitamente a estrada, a tal ponto que quando seguia atrás do grupeto quase poderia dizer que eles não precisavam de ligar as suas luzes.
Ponte da Barca cruzada e lentamente cai a noite. Durante a ascensão para Vila Verde a pedalada torna-se algo monótona, mas como não se está sozinho dá para entabular conversas e não ouvir tanto o barulho da corrente, que range cada vez mais, quilómetro após quilómetro, a suplicar por uns pingos de óleo, à custa de tantos anos à seca. Após paragem mais demorada num ponto de controle que nos permitiu confortar barriga e reforço térmico, para, mais à frente, sensivelmente ao km 300 responder a um questionário controlador. Pernas esgotadas e baterias fracas, enquanto percorremos os últimos quilómetros em direcção a Marinhas, aqueles quando começamos a ansiar pela chegada cada vez mais próxima e, certamente por isso, com um aliado adicional de adrenalina para se concluir o Brevet, bem para lá das 23h.
Uma das conversas que tivemos durante um bom período foi em relação à escolha da bicicleta certa para determinado tipo de Brevet. A bicicleta certa significa uma bicicleta que antes de tudo funcione e que depois tenha as relações de transmissão adequadas à condição física e ao percurso que temos pela frente. Uma coisa é certa, em comparação às modernas bicicletas de carbono, os antigos modelos de aço são mais difíceis de pedalar em percursos com bastante acumulado, mas o facto é que a maior suavidade do quadro, as sensações e o desempenho, mudam o caráter da bicicleta, mudam de acordo com a velocidade do momento e mudam de acordo com o terreno. Uma bicicleta de aço tem uma alma calorosa, e quanto mais se usa mais se pode descobrir a verdadeira essência da tabela periódica dos elementos.
Trezentos e treze quilómetros depois paro e descontraio com emoção. Emoção com aquele sentimento de desafio concluído. Emoção partilhada com quem se faz parte do caminho e se coloca o último carimbo. A emoção que volta a ser exclusiva quando se diz cá por dentro “pronto, está feito”.