paulofski @ na bicicleta
Publicado em 23/01/2023 às 16:53
Temas: marcas do selim bicicleta brevet ciclismo cicloturismo dos malucos das biclas voadoras fotografia fotopedaladas L' Antique 200 longas pedaladas motivação outras coisas randonneur Ribatejo singlespeed Sua Alteza
Um Brevet Randonneur Mondial tem uma distância a pedalar e tem um mote. No caso do brevet inaugural do ano dos Randonneurs Portugal, o L’Antique 200 é um evento de 200 e tal quilómetros com um nome a condizer, o qual merece ser pedalado numa bicicleta a condizer. Uma bicicleta à antiga.
Os pneus de Sua Alteza ainda estão enlameados de fresco e já sai o relatório e contas de mais uma aventura por estradas de outros tempos.
Nas três edições que pedalei ao longo do Tejo, pelas planícies ribatejanas, levei sempre uma bicicleta diferente e todas elas duras como o aço. Em 2013, na edição da minha estreia, Sua Alteza foi a escolhida. Veículo básico e sem mudanças de humor, esta bicicleta é a pura reminiscência do que os ciclistas tinham para pedalar nos primórdios da velocipedia.
Desejando voltar a um dos meus lugares míticos, rever o Tejo, a luz do sol a afastar as nuvens e a colorir a planície, clarear panoramicas de cortar a respiração, aquecer o corpo e o coração, o melhor pretexto foi pedalar por estradas ensolaradas e rolantes da lezíria ribatejana. O dia estava um mimo, mas uma morrinha persistia em nos abençoar o depart.
O sol de inverno e a boa companhia foram o antídoto perfeito para combater o forte vento vindo de Norte e que constante nos batia na cara. Mantive-me no grupo da frente e fiz jus à curtição que é pedalar em pelotão. Aqui e ali, às custas da potência alheia, fui aproveitando o corta-vento da forte Nortada que também fez questão e veio participar neste brevet.
A aragem ia frisando as orelhas e para meu benefício imperava a boa colaboração e disposição no minipelotão. Depois de um momento pés na lama, lentamente fomos aquecendo os motores. Desta vez não tive a companhia dos meus amigos habituais. Por assim dizer tive de me enquadrar com outros randonneurs com estilos e máquinas radicalmente diferentes, aproveitando o andamento com participantes provenientes de outras nacionalidades. Ao que me disserem eramos uns sessenta randonneurs a pedalar no mesmo sentido.
Mais uma vez, teimosamente sem o recurso à geringonça indicadora do caminho, recorri às minhas memórias e à cabula preparada para o efeito. Na aproximação de Santarém segui o instinto mental de virar à direita e subitamente sinto-me só, a escalar e depois a caminhar pela habitual subida às portas da cidade escalabitana, porque não dei ouvidos ao aviso no briefing matinal. Foi por mera casualidade que fui “apanhado” pelo Miranda e juntos entramos no jardim das Portas do Sol para o pit stop e para mais uma vez desfrutar de uma das vistas mais bonitas sobre o Tejo.
Prossegui só, por minha conta e risco desde aí, ao meu ritmo, em boa cadência contra a Nortada que não facilitava em nada a minha progressão pelos campos desabrigados. Golegã havia ficado para trás e quando seguia numa daquelas rectas intermináveis vislumbrei os coletes amarelos de um grupeto. Na Azinhaga sentei-me ao lado de José Saramago que me segredou ao ouvido, que se tivesse viajado nesta bicicleta, da obra “Viajens de Portugal” teria escrito mais dois ou três calhamaços.
Voltei para a lezíria, para o vento contra, e a perceber que lentamente me aproximava do grupeto. Acho que tiveram pena de mim, ali sozinho contra o vento e esperaram por mim. Tenho a certeza que não foi por isso, mas isso agora também não interessa nada. Juntos chegamos à Quinta da Cardiga um dos postos de controlo tradicionais do L’Antique.
Até aqui foram bons quilómetros a sentir os dentes e o esqueleto a ranger do mau estado do alcatrão. Estradas tranquilas, em grande parte do percurso, excepto em alguns trechos de estradas nacionais, compensados ao atravessar pacatas vilas onde a bicicleta é parte do cenário, fundamental modo de vida. De novo a rodar o único pedaleiro, não tardou que tivéssemos de borrar os pneus na lama, no famoso 1,5 km de terra mais enlameada que batida do L’Antique. Pura emoção!
Recuperado o asfalto fofinho, depois de sair de Vila Nova da Barquinha passamos por Tancos. A minha expectativa de passar novamente ao largo do Casal do Pote, pequeno aquartelamento do Regimento de Engenharia onde fiz a recruta, era muita já que durante uma fase marcante da minha vida ali andei a marcar passo. Tudo como dantes no quartel… rendido ao abandono e à passagem dos anos.
Cheguei a Constância para o carimbo, para a sopa e degustar a boa da bifaninha, muito antes da hora que havia previsto e, como tal, deu pra relaxar, telefonar, actualizar o Instagram e tudo. Na retoma da estrada, não querendo que o Camões ficasse chateado, Sua Alteza deixou-se fotografar com o poeta na premissa que eu a levasse lá prá Ilha dos Amores.
Eu ia em plena sornice pela ondulante estrada nacional, curtindo o momento e deixando que o pelotão das bicicletas modernas com desviadores XPTO fugisse, desviei e fui ao miradouro (ou será miratejo!) mirar o belo Castelo de Almourol. Assim, o soldadinho de chumbo voltou a conquistar o castelo, mesmo que não se tenha atrevido a atravessar o Tejo.
À passagem pela Chamusca, onde à minha visão de uma máquina infernal, que diz que é um Locomóvel mas de “móvel” tem pouco, quanto ao “Loco” Sua Alteza apontou-me a manete, um pouquinho mais à frente saí da estrada nacional para voltar às estradinhas esburacadas pela lezíria ribatejana.
De novo as antigas estradas, caminhos rurais, de cabras ou lá o aquilo é, com longos quilómetros de alcatrão esburacado, pavimentadas de terra batida, lamacentas. Dira um velho amigo meu que uma prova clássica sem pavé não é clássica, não é? Mil vezes o paralelo do que isto. O vento lateral fazia-se sentir, especialmente à passagem pelos campos desabrigados, mas na maior parte do tempo a nortada estava pelas costas, o que, desta vez, até ia ajudando bastante a minha progressão.
Em Alpiarça tive o cuidado de não falhar o posto de controle que passou a estar colocado de novo num local sossegado, ao largo de uma pequena barragem, mas não sem antes me deter junto ao monumento em honra dos ciclistas e fazer novo registo fotográfico.
Já nos últimos minutos de luz natural e após a passagem pela estreita e tridimensional Ponte Rainha D. Amélia, depois de uma paragem para reforço alimentar e do vestuário, foi sob um lusco-fusco fascinante, com a boca bem fechada a levar com nuvens de mosquitos na fuça, que pedalei a bom ritmo os trinta e tal quilómetros finais.
Este L’ Antique, nas três participações anteriores também, mas particularmente este Brevet, soube-me mesmo bem e soube tão bem chegar ao final e ser recebido com este belo sorriso. Obrigado Carla.
Volvidos estes anos desde o meu primeiro brevet o que mudou? Bem, estou dez anos mais velho, seguramente. Estou bem mais magro, mas isso é evidente. E comum com aquela que me transportou, e ainda me transporta, Sua Alteza Velo Invicta, estamos ambos mais carunchosos, mais ferrugentos, mas mais experientes.
Este Brevet também é teu Amigo Jacinto.
Aqui o registo no Strava e… Até Breve(t) pessoal.
paulofski @ na bicicleta
Publicado em 2/01/2023 às 12:08
Temas: o ciclo perfeiro 2023 bicicleta boas pedaladas bom ano ciclismo ciclismo urbano cicloturismo fotografia fotopedaladas motivação outras coisas penso eu de que...
Refeito dos efeitos dos temporais, da doçaria natalicia e do fogo de artifício no wc, volto aos pedais e encaro o futuro na direcção certa com as duas rodas bem assentes no chão. Esta é altura ideal para estabelecer novas metas e considerar alguns desejos para alcançar nos próximos 12 meses.
Pretendo respirar ar puro e mover o meu corpo todos os dias. Seja para enfrentar a loucura rodoviária no meu comute diário ou numa saida precária para aliviar o stress, mexer as perninhas faz sempre bem.
Espero ter vontade suficiente para me levantar todos os dias da cama e me desafiar, mesmo que seja só para ir numa lúdica aventura estradeira ou betêteira. Que enfrente a estrada com ânimo e alcance o cume de pelo menos uma montanha.
Anseio que o trambolhão da praxe seja suavezinho, venha como mais uma lição e que tenha paciência e perspicácia para aprender essa mesma lição, pela enésima vez… Pelo menos faço figas para que não mande mais nenhuma bicicleta para o galheiro!
Aspiro manter as amizades fortes e fazer muitas outras. Novos companheiros de estrada com quem possa compartilhar sonhos e objectivos. Correr o risco de enfrentar as distâncias e os incautos automobilistas. A escuridão e reflectir a minha presença na via, até ao nascer do sol. Ah… e que as assaduras não esgotem o stock de Halibut.
Confio que as correntes e os cabos do desviador se aguentem à bronca. Caso cedam, então que aconteça a pouca distância de casa ou pertinho de uma loja de bicicletas. O mesmo espero que aconteça com os infalíveis furos, ou pelo menos que não me chateiem quando me esquecer da câmara sobressalente… ou da bomba-de-ar!
Parar de comprar coisas de ciclismo que já tenho ou que então não precise, mesmo que as promoções me consumam. Posso sempre tentar algo que parece ser impossível, encontrar as meias certas ou os óculos escuros quando estiver pronto para sair para mais uma pedalada, mas não prometo.
Finalmente, que tenha tempo e capacidade iguais para me deliciar com uma viagem requintadamente longa para depois ter um dia de descanso requintadamente preguiçoso. Claro que o desejo de liberdade é mais forte que a paixão, certamente encontrarei o valor em ambos. Pelo menos ter assegurada aquela boleia de resgate quando não houver outra salvação.
E é tudo, acho…!
Bom ano, muita saúde e boas pedaladas.
paulofski @ na bicicleta
Publicado em 21/12/2022 às 12:47
Temas: fotocycle 1 carro a menos a chuva não atrapalha as biclas sabem nadar à chuva bicicleta bike to home boas pedaladas bom ano Cantareira ciclismo urbano ciclistas urbanos do Porto devaneios a pedais fotografia fotopedaladas Maria del Sol mobilidade motivação Natal outras coisas pedaladas no inverno Porto
O inverno está aí à porta, mas já nos atormenta há mais de um mês. Sentidos em alerta máximo, olho para cima e um céu carregado e triste me cumprimenta. Cheiro a presença da chuva e o instinto me diz que em algum momento irá desabar na minha cabeça. Sem hesitar, arrisco o regresso a casa pela rota mais longa, ao longo do rio. Começo mais lento do que o normal, uma atmosfera gelatinosa e amorfa estorva o progresso das minhas rodas. Através de rabanadas de vento marítimo, inspiro e os pulmões enchem-se de ar húmido. Em pouco tempo o vento rodopiante me abraça e cospe leves borrifos na minha cara. Voltado para o azul, vejo laivos alaranjados, impressionistas espalhadas por uma borda do céu. Um breve vislumbre do sol, que me provoca entre manchas cinza e brancas, flutuando no horizonte. Nuvens irritadas que se podem zangar e eu sem nenhum lugar para me esconder! Mas a vitória é minha.
Aproveito todos os momentos e aproveito também este para deixar aos meus visitantes uma mensagem de Feliz Natal e um 2023 com bastante pedalada.
paulofski @ na bicicleta
Publicado em 30/11/2022 às 12:40
Temas: motivação 1 carro a menos abanar o capacete benefícios das pedaladas bicicleta bike boas pedaladas ciclismo cicloturismo dar a volta desporto devaneios a pedais fotografia fotopedaladas longas pedaladas mobilidade outras coisas passeio pedaladas no inverno penso eu de que... quem pedala assim... Serras do Porto
Respiro, travo, estremeço… Olho para baixo. Guio o pneu da frente com cuidado, não vá pisar um galho ou um buraco no asfalto. Tenho de fazer mais uma curva. Desço o monte na velocidade possível, condicionado, com um calafrio nas orelhas. Como um falcão que voa na altura certa, flutuo admirando a beleza e o brilho do sol da manhã. O cheiro, o ar fresco e as longas sombras. Às vezes tudo parece se encaixar no lugar. Um galo que canta e que tudo acorda. Os cães que ladram em uníssono, à minha passagem, ecoando no vale.
Porque eu queria encontrar um local tranquilo procuro as estradas desertas. Mas nem sempre estou só. Percebi o carro que seguia atrás de mim. Instintivamente, defendo a minha posição na estrada. Um pouco mais à frente, num local mais espaçoso, dou sinal e o carro passa, acelerando na sua vibração. Também sou trânsito, de bicicleta, tentando ficar seguro. Isso às vezes não é fácil. Mantenho a pedalada e os pensamentos.
Há mais uma curva, apertada, seguida de outra colina, e esta é íngreme. Já a conheço bem. Engreno a mudança certa para a escalada. Parecia que tinha muita energia, mas não sei porquê estava a perder forças! Então percebi que era fome. Em vez de estar a pensar no almoço, precisava de subir. Continuei. No cimo senti como se alguém tivesse virado a ventoinha na minha direcção. Estou cansado, mas não posso pensar nisso. O suor que transpiro é a minha conquista. A banana que trago no bolso será o meu prémio.
Cruzo pequenas aldeias ao longo do caminho. Muitas vezes penso sobre as pessoas que vivem em áreas remotas. O que elas sacrificam para viver ali. O mais certo é que não sacrificam nada. Vivem felizes. O ambiente pode moldar as nossas visões e opiniões. É muito diferente do que estou acostumado e isso faz-me lembrar o quão agitada é a vida na cidade. Imagino-me a morar ali. No meio da serra, naquela tranquilidade, entre as tonalidades outonais de uma floresta de carvalhos. Só que não, é um eucaliptal, imenso a perder de vista…. O tempo parecia passar de forma rápida. Olho o relógio e lentamente retomo o rumo, de volta para a confusão.
Aquelas nuvens negras, em aproximação, não me parecia nada promissor. Comecei a sentir chuva fina. Ao longe podia ver uma clareira, e eu disse a mim mesmo que talvez tivesse sorte. Foi sol de pouca dura. Vinte minutos depois estava sob chuva constante, e estava contente. Na descida, com o corpo a arrefecer, comecei a pensar se não seria boa ideia me refugiar no café. Não valia o incomodo de parar para vestir a capa de chuva. As minhas roupas já estavam encharcadas e estavam! Acelerei ainda mais para me aquecer. Uma vintena de quilómetros e estava sob chuva forte, o suficiente para parar. E parei, à porta de casa, feliz com a minha pedalada. Ensopado e animado.
Depois da bicicleta pendurada, depois do banho retemperador, não demorou muito para relaxar e entrar no balanço das coisas. Ao ver as fotografias captadas, o filme passa veloz pela minha cabeça, o que faz com que a mente vagueie. Sinto as pernas. Procuro saborear o momento, porque pode se passar algum tempo até sentir isso de novo. Sou optimista e positivo, porque gosto do que faço e qualquer viagem a pedais é tudo o que preciso para a regular o corpo e a mente. Também preciso de um café.
Por que tenho mais tempo no fim de semana para desfrutar do ar livre, viajar, experimentando uma vida simples, um modo diferente, a pedalada vai mais longe. Então, qual vai ser a tua próxima aventura? Já não lhe chamo aventura. Em última análise é para mim um estilo de vida que amplifica a felicidade, a minha e daqueles que me rodeiam. Há algo em nós que anseia por paz e tranquilidade, e o nosso estilo de vida determina como vamos experimentá-lo. Ás vezes uma simples volta de bicicleta pode ser anti climática. É terapêutica. É o antidoto para todos os problemas. Você planeia, organiza e antecipa o dia. Então quando o sábado chega, penso… Ok, vamos lá a isso! A mais uma sessão de terapia.
paulofski @ na bicicleta
Publicado em 2/11/2022 às 12:10
Temas: fotocycle 1 carro a menos bicicleta bike to work ciclismo urbano ciclistas urbanos do Porto ciclovia commutescount devaneios a pedais fotografia fotopedaladas humor meios de transporte mobilidade motivação no meu percurso rotineiro pr'o trabalho olha pró que digo e não pró que faço outras coisas pneus Porto Prelada Sua Alteza Velo Invicta
… não sei se foi da comidinha boa da aldeia, ou por ter estado quatro dias sem pedalar, acho que estou com uns pneus a mais!
Publicado em 18/10/2021 às 23:22
Temas: bikepacking review
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A Triban no Gerês |
Comprei a minha Triban quase por impulso, em Novembro de 2019, quando em casa moravam já outras duas bicicletas de estrada. Estes modelos eram algo peculiares: uma Surly Long Haul Trucker, a bicicleta mais confortável em que já rolei, e uma velhinha Raleigh inglesa dos anos oitenta, que eu usava sobretudo para fins utilitários.
A minha antiga Surly |
O que eu procurava, já há algum tempo, era um modelo que permitisse substituir todas as outras bicicletas (as duas já citadas e uma BTT). A elusiva bicicleta única, que fosse capaz de fazer estrada a sério, viagens de longa distância, com carga, BTT em eventos e passeios, uso utilitário, e tudo o mais que se me ocorresse. E que fizesse tudo isto com alguma competitividade, que me permitisse participar ocasionalmente em eventos. Bem sei que não é pedir pouco, para mais de um modelo "económico".
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A Triban com todos os componentes de origem |
A escolha da Triban foi motivada, se for sincero, sobretudo pelo preço aliciante, tendo em conta tudo o que oferecia. Mas pareceu-me na altura uma solução de compromisso, já que eu considerava que a Decathlon tinha sido um pouco preguiçosa e simplesmente mudado o nome e a pintura a um dos seus quadros de estrada. Era apenas uma estratégia para a marca ter um producto que lhe permitisse concorrer no mercado na área então muito na moda, o "Gravel".
Bom, isso não deixa de ser um facto: trata-se de uma bicicleta de estrada, com algumas alterações, mas eu estava enganado. Para mim esta escolha veio a revelar-se extremamente acertada, e embora a bicicleta tenha certamente limitações, é difícil para mim ver alternativas viáveis neste momento. Vamos ver o que está em causa. (Nota: não tenho nenhuma ligação com a Decathlon e estas opiniões são minhas apenas).
Quadro: Para mim carbono estava fora de questão, por causa do uso para viagens longas em autonomia e o uso de bolsas de bikepacking. Os danos por atrito dos sacos ou numa queda são um risco demasiado grande. Aço e Titânio são materiais interessantes e esteticamente mais apelativos, mas mais caros e também pesados. Por isso alumínio acaba por ser uma boa escolha. O peso neste caso é apenas aceitável (os números estão no site). A surpresa veio da geometria. Eu tinha estudado a tabela e sabia que o quadro é exactamente o mesmo da gama de estrada. Portanto trata-se de um quadro "barato" de Endurance, com uma testa alta e uma posição pouco agressiva. Isso é ideal para longas distâncias e muitas horas no selim, e a geometria veio a revelar-se muito adequada para a minha fisionomia, depois de alguns ajustes. Eu não tenho muita flexibilidade natural e a minha postura não é muito agressiva. A bicicleta é muito estável em qualquer circunstância, mas mantém a capacidade de reacção e aceleração de uma bicicleta de estrada, que uma bicicleta de viagem (touring) não tem. E fora de estrada só em BTT mais sério perde a compostura, como seria inevitável.
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Cassete, corrente e pedaleiro alterados |
Grupo: A Triban vinha com um grupo Shimano 105 R7000 quase completo. Apenas a pedaleira era uma Shimano compacta de 11 velocidades, mas sem grupo, um pouco mais pesada que a 105 equivalente. Aqui eu achava que era mais uma das situações em que a Decathlon tinha feito a coisa mal, a cassete 11-32 (não Shimano) era demasiado pequena, e pensava na altura que a bicicleta deveria vir com um pedaleiro sub-compacto e talvez com um grupo GRX. A verdade é que esta mania da super-especialização dos componentes é muitas vezes exagerada. A transmissão não se desfaz se apanhar poeira por ser um grupo de estrada. O desviador Shimano 105 não é muito diferente de um Deore, as correntes e cassetes são aliás idênticas em vários grupos de estrada e BTT da Shimano, pelo que o desempenho fora de estrada não compromete. Já as relações de transmissão são claramente mais pensadas para o asfalto. Para rolar com peso extra e/ou fora de estrada (como sucede em bikepacking), optei por colocar uma pedaleira Miche 46-30 e uma cassete Shimano 105 maior, 11-34. Mesmo assim, eu agora reconheço que para um uso maioritariamente de estrada, a bicicleta vinha com um bom mix de peças. De tal forma que recentemente voltei a usar a cassete de 32 dentes original, para beneficiar de relações mais próximas entre si.
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Os travões facilmente se ressentem com o pó |
Travões: Os travões TRP mecânico-hidráulicos permitem casar um grupo totalmente mecânico, mais barato, nestes caso os shifters Shimano 105 R7000, com o modulação e sensações de um travão hidráulico. E a verdade é que funciona. Esteticamente é uma desgraça, mas funciona. Eu travo só com um dedo a maior parte das vezes. E a sensação de controlo é sempre boa. Há que notar contudo que estes travões estão mais à vontade em estrada, basta um pouco de pó para começar a haver vibrações e perdas de potência na travagem, quando em uso em gravilha ou terra. E só depois de uma limpeza cuidadosa é possível voltar a ter uma boa performance.
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Guiador 44, mais estreito |
Periféricos: Não posso falar muito destas coisas, porque foi quase tudo substituído rapidamente. O guiador era demasiado largo, o meu quadro XL vinha com guiador de 46cm, com um desenho de drops com que eu não me identifiquei. Troquei por um simples FSA de gravel, abertura a 12º, de tamanho 44. Apesar de mais pequeno ainda permitia o uso de sacos de bikepaking. O avanço de 120cm foi trocado por um de 80, para afinar a posição na bicicleta. Muitas bicicletas de gravel modernas são desenhadas para avanços curtos, e neste caso a adaptação foi natural. Sim, ao princípio eu também achei que era muito curto, mas fez maravilhas pela postura e pelo controlo da bicicleta. Mudei também o selim, por outro muito semelhante, e o espigão do selim, por estética e peso.
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No Porto! |
Rodas & Pneus: Usei pouco as rodas. Eram robustas e não deram problemas, lembro-me que os cubos pareciam bastante bons para esta gama de preços. Foram trocadas por umas DT Swiss, para perder umas gramas. Os pneus Hutchinson Overide de 35mm são excelentes. Têm uma aderência teimosa e salvaram-me o pelo em mais de uma ocasião. Permitem aventuras fora de estrada que a sua diminuta largura não deixa prever. E em estrada rolam muito bem. Há melhor e mais leve (e mais caro), mas não muito. Quando comprei a bicicleta achei que os pneus eram mais um compromisso, agora acho que são um excelente compromisso! Actualmente monto pneus de 38mm, a marca só recomenda até 36, mas a verdade é que cabem 40mm se fizer falta. Mas penso voltar aos 35mm quando surgir a oportunidade, julgo que é o melhor equilíbrio estrada-gravel e a marca voltou a acertar neste aspecto.
Dois anos depois, dois Tróia-Sagres, uma volta a Portugal de várias semanas em autonomia, uma viagem a Madrid, o caminho de Fátima, uma subida à serra da Estrela, e muitas aventuras mais pequenas pelo meio depois, a Triban provou que não é só um modelo barato feito à pressa para seduzir os adeptos da "moda" do gravel. Não se deixem enganar pelas soldaduras mais abrutalhadas, nem pela palavra "Decathlon" na testa do quadro, a bicicleta foi bem pensada, o desempenho nunca compromete e tem alma para tudo o que se propuserem fazer com ela.
Set-up recente, na Serra da Estrela |
O facto de custar menos um terço ou metade dos modelos da concorrência também não é propriamente mau. Actualmente há vários modelos e cores disponíveis, baseados no mesmo quadro, que, consta, é fabricado em Portugal (o meu, especificamente, diz "made in France"). É possível também comprar um dos modelos de estrada da gama 520 e depois adaptar a um uso mais polivalente, já que o quadro é idêntico, mudando a pintura e a selecção de componentes.
Não tenho actualmente nenhuma outra bicicleta, nem sinto falta de nada. Sei que não é solução para toda a gente, o meu uso tem sido muito lúdico e mais estradista, ultimamente. Mas é inegável que esta proposta low-cost permite acceder a um inesgotável mundo de aventuras, cujos limites não serão impostos pela bicicleta.
Publicado em 23/07/2021 às 0:20
Temas: bikepacking viagem
Caramelos? |
Decidido a evitar mais apertões de calor e surpresas tardias na jornada, na manhã do quarto dia levantei o rabo da cama o mais cedo que consegui. Tomei o pequeno almoço, incluído na estadia, tão cedo quanto era permitido e fiz-me à estrada. Desta vez tinha alojamento reservado, e estava decidido a ter um dia diferente. Para minha surpresa consegui mesmo fazer a navegação para fora da zona urbana de Trujillo sem percalços. Normalmente o meu GPS não permite esses luxos, mas naquela manhã tudo corria sobre rodas.
Rumo a Este, como sempre |
É claro que esta bonanza não poderia ser duradoura. Depressa percebi que a altimetria para a jornada era mais desafiante que nos dias anteriores. E o que não mudava contudo, era a temperatura elevada, e as grandes distâncias entre terras, amplos espaços onde não havia nenhuma possibilidade de descanso, refugio do Sol ou reabastecimento. O Deserto Espanhol, como lhe chamam alguns Portugueses de passagem, a caminho de destinos mais populares na Península Ibérica, faz jus ao seu nome.
Olha, montanhas! |
A manhã foi gasta a deambular por estradas de montanha, a ritmos muito lentos, enquanto a temperatura ia aumentado, até ficar intolerável. Continuava a não haver sombras para parar, nem lugares onde obter água ou comida. O desgaste era grande e o moral da expedição ia descendo ao ritmo que desciam também as reservas de líquidos disponíveis a bordo. Começava a ficar claro que, mais uma vez, não ia conseguir arrumar a etapa a tempo de evitar o calor infernal da tarde, no Deserto Espanhol.
As coisas não são fáceis no deserto |
Umas bombas de gasolina foram a minha salvação. Estava a ficar viciado em Aquarius, a coisa mais parecida a uma bebida energética que era possível encontrar em quase todos os postos de abastecimento de combustíveis. Eventualmente a estrada "alisou", depois de uma longa descida, onde cheguei a passar dos 75km/h. Tinha voltado a ficar sem almoço pois não encontrei nada pelo caminho na hora apropriada, estava a ficar frito pelo Sol, mas sabia que já estava perto do destino.
Sombra! Para a bicicleta... |
Eu claramente já estava acusar o desgaste do calor, do esforço e da falta de comida. Foi neste estado que rolei até um cruzamento onde a estrada em que eu estava continuava para Oeste, coisa que não me interessava nada. Eu tinha que virar para Este, no sentido de Talavera de la Reina e Madrid. A minha dormida para a noite era em Oropesa, uma cidade a meio caminho. Rolar no sentido contrário era andar para trás,
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O dilema |
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O percurso que eu fiz |
O caminho para "casa" |
Vista à chegada a Oropesa |
Publicado em 23/07/2021 às 0:07
Temas: bikepacking viagem
Dois ursos e uma bicicleta |
Puerta del Sol |
Calle Preciados |
E uma estátua de corvos em Lisboa? |
A velha Madrid |
O céu limpo deu lugar a nuvens sinistras |
Para Norte! |
Percebem? |
A coisa promete! |
Na paragem do BUS |
Dia 7. Madrid-Manzanares el Real. 49km. (Estrada/Ciclovia)
Publicado em 19/07/2021 às 1:10
Temas: bikepacking viagem
Caramelos? |
Na berma da via rápida em obras |
Rumo a Madrid! |
Ciclovias de luxo |
Madrid?? |
Hum... |
Sim, é uma lixeira numa estrada abandonada |
Madrid! |
Vista de quarto |
Bicicleta no quarto #4 |
Publicado em 18/07/2021 às 20:49
Temas: bikepacking viagem
What? Nunca comeram feijoada na cama? |
Não chego a articular a minha resposta, que antevejo ser hilariante e charmosa, pois há um crescente som irritante que monopoliza a minha atenção. Não percebo de onde vem, mas parece conhecido... Instintivamente, silencio o alarme do telemóvel e levo alguns segundos a reconhecer o que me rodeia. São seis da manhã e ainda está escuro lá fora. Acendo a luz e levanto-me a custo da cama. Esforço-me por recordar que estou numa casa rural em Oropesa, uma pequena terra da província de Toledo, bem no meio do Grande Deserto Espanhol.
Arrasto-me para o WC, mas as pernas pesam-me como dois marcos dos descobrimentos, e tenho o equilíbrio de um marujo bêbado recém regressado da carreira da India. Tenho muita sede, embora me lembre de me ter hidratado bem a noite anterior. Lavo os dentes e constato que, de alguma forma, tenho a boca cheia de sangue seco. A próxima etapa da minha higiene matinal não é mais animadora: pelo quarto dia consecutivo, a minha urina é da cor de Earl Grey. Saio da casa de banho a murmurar alguma coisa sobre "isso não deve ser bom". Ao lado da janela aberta, repousa o Dentuça. O seu olhar parece questionar: "O que é que estamos a fazer?"
#3 Bicicleta cá dentro |
Habitual reabastecimento num posto de combustível |
Sombras e bancos! Foi a única vez que vi tal coisa! |
Mais um dia no deserto |