BRM Soajo 200… “não há espiga”

paulofski @ na bicicleta

Publicado em 21/03/2025 às 11:53

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Desta vez não me esqueci de ligar o despertador e saí do Porto bem cedinho, ainda com a última saída solitária e atabalhoada de Esposende no pensamento. Penso ter sido o segundo a chegar a Marinhas, o habitual ponto de depart dos Brevets a norte, numa manhã gelada e cinzenta, mas com o mote musical dos Foo Fighters, em “minha honra” e a desejar-me “um dia frio ao sol”.

E assim foi, um belo dia ao sol, onde cerca de quarenta randonneurs, entre eles duas randonneuses ucranianas, Mari Pori e Bori Sova mais dois amigos Riazor oriundos da Galiza, juntaram forças e coloriram as estradas rumo à vila de Soajo, o ponto alto do dia. Mas antes de lá chegarmos tínhamos um longo caminho pela frente. Não sendo nada fácil, foi um percurso bastante agradável de ser feito e que me fez reviver algumas das memórias vividas nos vários brevets percorridos pelo verde Minho.

Um percurso com séculos de história, passagem de vidas peregrinas, ora movidas pela fé, ora entregues aos afazeres e tradições populares, através de estradas tranquilas, vistas esplêndidas e aldeias rústicas. As levadas (canais de irrigação) estão sempre presentes no caminho, no certo e longo Caminho, do pão e da fé. Eram usadas para o regadio dos campos de cultivo e para movimentar os moinhos que transformavam o grão na farinha, bem como orientar e refrescar peregrinos ao longo dos caminhos.

Depois de rondarmos o rio Neiva e mais à frente cruzarmos o rio Lima, que nos voltaria a assomar na vinda, iniciamos as primeiras subidas para chegarmos em bom ritmo ao primeiro local de controlo. Com a indicação para um pequeno desvio da estrada principal, paramos junto a um belíssimo solar datado de 1864, assim consta no portão o número que deveríamos indicar no cartão do Brevet. Retratada no seu romance homónimo, a Casa Grande de Romarigães, está intimamente ligada também à vida e família do escritor Aquilino Ribeiro.

Por essa altura a manhã estava perfeita, céu quase limpo, apenas algumas nuvens solitárias, sem vento e com a temperatura a aconselhar o alívio de alguma roupagem. Finalizadas as necessidades, viramos rumo a Paredes de Coura pela bucólica N301, subindo e imaginando as doçarias que iriamos escolher no segundo posto de controlo, uma pastelaria no concorrido centro histórico em dia de mercado. Pacientemente, o José Ferreira aguardava a nossa chegada e registou a nossa passagem no cartão com a primeira carimbadela. Sento-me à mesa e sou reconhecido pelo Andy, amigo das redes sociais e que pedalava pelo seu quintal de adopção.

E como sempre nos PC’s, uns chegam e outros continuam Lá vai o Andy (boa recuperação amigo). Depois de subirmos até quase aos 600 metros, descemos ao rio Vez para, outra vez, voltar a subir, isso tudo e muito mais. Algumas das estradas a percorrer não eram novidade para mim, mas subir o Soajo seria. A visita à já conhecida cidade de Arcos de Valdevez foi fugaz e, como tal, embalamos.

A crescente inclinação da estrada seria uma ninharia para os prazeres que retiramos desta coisa do cicloturismo. Eu, claro, estava a suar mas também a estava a saborear. A manhã foi, entretanto, mudando de humores, ficando cada vez mais escura, mais ventosa, arrefecendo abruptamente.

No topo, a recompensa foram as vistas, incluindo o vislumbre da alva neve lá no topo da Serra do Gerês e que o Pawel fez questão de subir ali para a fotografar.

No coração do Parque Nacional da Peneda-Gerês, a Serra do Soajo é uma das suas atracções mais vibrantes e procuradas. Conhecida pelos seus fotogénicos espigueiros e pela exuberância da natureza envolvente, a aldeia do Soajo tornou-se uma terra muito procurada e visitada. Uma terra que o turismo pôs no mapa, e que a comunidade que nela reside a tem sabido preservar, o seu passado, a sua cultura e a sua autenticidade.

Com o entusiasmo de um prato de sopa que imaginava à minha espera, invadimos a aldeia pelo Largo do Eiró, procurando vestígios da história, arquitectura e o evidente orgulho que os seus conterrâneos têm na sua terra.

Um dos exemplos é o cão sabujo da serra do Soajo: “sabujo” porque é de caça grossa, e serra do Soajo porque não é um cão qualquer. Diz que é “a matriz de muitos cães portugueses”. Esta raça tem a particularidade de ser o cão que no tempo da monarquia, todos os anos os soajeiros enviavam aos reis de Portugal e que, por tal oferta, beneficiaram da isenção de impostos e outros privilégios.

Antes de ir provar a sopa e iguarias d’as Marias, subi lá em cima à Eira do Penedo e fui ver o ex-líbris da povoação. Há quem lhes chame espigueiros, há quem lhes chame caniços, os mais conhecidos estão concentrados numa eira comunitária, assentes num afloramento granítico onde 24 destas altivas construções sobressaem pelo conjunto e pela beleza.

Os espigueiros eram utilizados para guardar o milho, deixando-o bem arejado e protegido de pragas. Consta que o espigueiro mais antigo data de 1782, não identifiquei qual, estando classificado como Imóvel de Interesse Público desde 1983.

Reunimos o grupeto, com o Alain, o Pawel, o Nelson mais o Jorge e voltamos à estrada, que ia descendo abruptamente para o Lima. A natureza à volta convidava a seguir cada vez mais lento, apertando os travões e apreciando as extensões de terreno onde o cultivo do milho, a criação do gado nas brandas pastorícias são predominantes. Ao longo da estrada íamos vislumbrando as vacas cachenas, ovelhas, e ainda tivemos o encontro feliz com alguns cavalos selvagens do Soajo, o cavalo garrano.

Atravessada a ponte, junto à antiga central hidroeléctrica do Lindoso e ultrapassadas aquelas dezenas de metros de um paralelo manhoso e escorregadio, seguimos tranquilamente ao lado do rio com a cara ao vento, até Ponte da Barca.

Ah, mas havia ainda uma subida pela frente. Revisitamos a ascenção da N101 para a Portela do Vade, onde no ano passado me lembro de nos arrastarmos por ali no decurso do BRM300. Graças à conversa, desta feita a escalada passou depressa, até voltarmos a descer, a voar e a arrefecer.

Foi já sob uns grossos e gelados pingos de chuva que chegámos juntos ao último controlo em Vila Verde. O Zé Ferreira aguardava-nos na esplanada de uma cervejaria onde, para além de boa cerveja artesanal, sobressaiam saborosas sobremesas. Já não tive direito à doce regalia, mas fui salvo pela meia sandes de presunto que trazia no bolso desde o Soajo, hidratada por uma “bejeca” preta, que também fez milagres.

Para os derradeiros quarenta quilómetros os motores estavam já em modo “ralenti”. A cadência ia sendo doseada, as forças partilhadas, enfrentando um vento cada vez mais agreste que soprava frontal. Ultrapassada a malha urbana de Barcelos onde tivemos de lidar com o um tráfego enervante, não demorou meia hora para em Esposende avistarmos o oceano e reencontrarmos a N13, que seguimos até chegarmos em absoluta camaradagem ao ponto de chegada que também foi o de saída, em Marinhas.

E pronto, mais um evento soberbo por velhas estradas e serras minhotas. Magnífico roteiro desenhado e bem organizado por José Ferreira e Manuel Miranda, que também estiveram pessoalmente nos postos de controlo e onde tão bem nos receberam. Um muito obrigado à voluntariosa dedicação destes nossos amigos, que abdicaram da sua participação no Brevet, e que mais uma vez nos proporcionaram um excelente dia de pedalada.

– E o acumulado? – “Não há espiga”.

 

Candeeiros 200, um BRM que se fez luminoso

paulofski @ na bicicleta

Publicado em 27/02/2025 às 15:45

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É sempre bom voltar a locais onde já fomos felizes, penso eu de que… A região do Oeste, situada entre o Atlântico, a malha urbana da capital e a geografia elevada das serras de Montejunto, Aires e Candeeiros, é um belíssimo pedaço do país onde sempre voltarei com muito entusiasmo, a qualquer pretexto especialmente se for para dar ao pedal.

Caldas da Rainha é uma relíquia de Portugal, repleta de história e segredos do passado. A narrativa da cidade está intimamente ligada aos seus recursos hidro-termais. Fundado pela rainha D. Leonor, o hospital termal permitiu um pujante desenvolvimento da vila. Ao longo do tempo, além da cerâmica de Rafael Bordalo Pinheiro, outros artistas foram surgindo e fizeram das Caldas da Rainha um centro de artes plásticas, onde se destacou por exemplo José Malhoa.

Sábado pela manhãzinha deixei a Carla a aventurar-se pelas maravilhas das Caldas, museus e parques da cidade, e fui lesto rumo à Piscina Municipal. Não ia para banhos, pelo menos propositadamente, mas era lá que seria o depart para mais um Brevet Randonneurs Portugal. Com o lema Candeeiros 200, o terceiro brevet deste ano seria mais um a estrear, o que atraiu bastante interesse. À saída, quase 70 ciclistas predispostos, alguns estreantes, teve de novo várias participações femininas. Novidade para o próximo dia 8 de março, sairá para a estrada um Brevet totalmente feminino. Parabéns às participantes e um Bom Brevet.

Embora um pouco instável, a previsão climática prometia melhorias significativas, mas a chuvada anunciada para as 8h não falhou. Enquanto ouvíamos o briefing do Pedro Alves no interior das instalações, as bicicletas no exterior ficaram à mercê da intempérie. Entretanto a chuva parou, o céu permitiu uma aberta e mesmo à hora marcada arrancamos lentamente.

Foto do Alan

Resolvidos alguns erros de navegação, saímos da cidade e encontramos estradas mais tranquilas. Não conseguindo evitar os chuviscos vindos das rodas traseiras dos meus companheiros, sempre que possível tentava ir para a frente. Segui de novo na companhia do Pawel e do Nelson. O Alan também estava lá, pelos menos até ter o primeiro aviso do Garmin para virar algures, atraído na busca incessante de mais uns quantos quadradinhos…Só o voltariamos a ver à noite à mesa do restaurante.

a Carla esperou-nos junto ao Parque D. Carlos I e registou a nossa passagem

Sem cerimónia, as primeiras subidas e as estradas ondulantes permitiram um aquecimento corporal bem necessário. O tempo húmido e o frio assim o aconselhavam.  Há quem goste de subir a parada com um velomobile ou com uma bicla “recumbente”, mas para enfrentar algumas inclinações eu até preferia fazê-las na minha singlespeed. Depois, claro, vingavam-se de nós e desapareciam da nossa vista nas retas e nas descidas.

Para primeiro ponto de controle, o local escolhido foi uma novidade para mim. As Salinas de Rio Maior encaixam-se num vale no sopé da Serra dos Candeeiros que, dada a sua natureza calcária, contem inúmeras falhas na rocha o que faz com que as águas da chuva não fiquem à superfície, formando cursos de água subterrâneos. Uma dessas correntes atravessa uma extensa e profunda jazida de sal-gema que alimenta o poço, que se encontra no centro das Salinas, e de onde se extrai água sete vezes mais salgada que a do mar.

A primeira referência à sua existência data de 1177, mas pensa-se que o aproveitamento do sal-gema já seria feito desde a Pré-história. A minúscula aldeia de casas de madeira, junto à qual se destacam tanques de formas e dimensões irregulares, enchem-se de água salgada dando posteriormente a origem a brancas pirâmides de sal pelo efeito da evaporação.

Primeiro carimbo, tomado o café e um docinho, para adocicar ainda mais o espírito deu-se logo o inicio à principal ascensão do dia. Coisa interessante deste percurso era que iríamos acumular mais de 1.000 metros de elevação em menos de 50 quilómetros. Para dar início ao trabalho propriamente dito, enfrentámos uma apetitosa subida até Chãos. Mas isto não era nada comparado com o que nos esperava.

Foto do Pawel

A Serra dos Candeeiros, elevação com cerca de 600 metros de altitude, é parte integrante do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros e conhecida pelas suas impressionantes grutas naturais. Segundo a memória dos antigos o seu nome provém do facto de terem existido na serra muitos pastores que durante os meses de verão ateavam fogos para permitirem a renovação dos matos. Os fogos faziam a serra parecer um candeeiro e daí o seu nome, por causa das candeias.

Éramos nós a escalar a serra e o asfalto a desfazer-nos em pingos de suor. Pior estava a Loca, a bicla do Pawel, magoada à custa da lei da gravidade, o desviador traseiro empenou e não permitia os andamentos mais leves, tendo o nosso amigo que se sujeitar a um esforço extra para chegar aos topos das rampas mais ingremes. Em Serro Ventoso. Diz que o galo ali é rei e senhor, só que ele não canta de galo. No fim ele tem é galo porque acaba sempre na panela.

O tempo manteve-se instável na maior parte da manhã. Uns fogachos de sol ao longo da descida, mas São Pedro estava de candeias às avessas, só podia! Na ondulação da estrada o vento frontal fazia-se sentir cada vez mais intenso. O céu escureceu e a chuva, que era suposto ter-nos dado problemas apenas no inicio, decidiu que não nos podia escapar e encharcou-nos de alto a baixo um pouco antes de chegarmos ao Mosteiro da Batalha, onde estava programado novo PC.

As Capelas Imperfeitas são colossais mas não servem para abrigo, e foi com todo o cuidado para não me estatelar no escorregadio piso de calcário que procuramos o café mais próximo para reabastecer e aquecer. Os meus pés não sentiram nada de diferente, continuaram molhados e gelados, mas o galão e aquela mega sande mista de queijo e presunto fizeram maravilhas ao ânimo.

Quando retomamos a pedalada já estava um belo dia de sol. A borrasca deu lugar a um céu limpo e soalheiro que nos iria acompanhar até ao fim do dia. Entretanto no labirinto de ruas e travessas que tivemos de transpor, reparo, e paro, junto a um interessante fontanário. Para além do interessante painel de azulejos, foi o candeeiro que me prendeu a atenção. Então, se o brevet é dos Candeeiros fazia todo o sentido fotografar pelo menos um candeeiro! 

Chegámos ao terceiro controlo em Monte Real, com metade da quilometragem feita. Para além da desejada sopinha, e acabar de mastigar a mega sande de queijo e presunto que trazia na sacola, ainda faltava percorrer mais de metade do percurso. A parte mais difícil já tinha ficado para trás e as pernas estavam prestes a melhorar. Aproveito para deixar o nosso agradecimento à dedicação dos voluntários que esperam pacientemente a cada posto de controlo e nos recebem com um sorriso e carimbo na mão.

Um pouco mais à frente a rota convergia para a costa, atravessando o que outrora foi o verdejante Pinhal de Leiria, uma imensa mancha florestal que agora não passa de um deserto depois dos trágicos incêndios de 2017. A estrada plana e a ciclovia que a bordeja convidavam à velocidade, mas aí o forte vento de noroeste refreou-nos as forças para que, assim nós chegássemos ao ponto de viragem para sul, nos desse então uma certa palmadinha nas costas.

Efectuado o autocontrolo na Lagoa da Ervedeira, um pequeno paraíso bem porreiro para espraiar e observar aves, retomamos a plana estrada Atlântica e a ciclovia paralela. Infelizmente a suposta via para pedalar em segurança está mal cuidada e em alguns locais muito perigosa. Aquilo que poderia ser um dos melhores pisos para pedalar, desde que se tenha ventinho pelas costas, acaba por ser desaconselhável e empurra o ciclista para o asfalto, com algum tráfego desarvorado que por ali acelera.

Foto do Pawel

À passagem pelo Farol da Saudade em São Pedro de Moel, sítio de boas memórias, já estava a sentir um certo desvanecimento das energias. Nem a força do vento me ajudava e, enquanto estava com eles, procurava as rodas dos meus amigos, tentando desenvolver alguma divisão de esforços, o que nem sempre ia conseguindo.

Estávamos perto do controlo 6, na Nazaré. Ao contrario da outra vez que por ali passei, em sentido contrário, desta feita estava um sol radioso e parámos no famoso miradouro do Sítio para as fotografias. Sabia de antemão que deveria estar um verdadeiro reboliço por aquelas bandas. Sábado à tarde, bom tempo, um ex-libris turístico por excelência. O que não sabíamos era que vários desfiles pré-carnavalescos nos iriam atrapalhar de certa forma a chegada junto à praia. Ah… entretanto sou apresentado e apanhado pelo verdadeiro Canhão da Nazaré.

No posto de controlo previsto para comermos alguma coisa, aproveitamos a energia extra que o sol nos transmitia e embalamos na corrente, não das ondas gigantes mas no espírito da entreajuda. Até São Martinho do Porto pela estrada nacional foi um tirinho. À beira mar as paragens repetiam-se agora com mais frequência. Transposta a Serra do Bouro, após Salir do Porto a descida para a Foz do Arelho assumiu contornos de satisfação com a brisa marinha, um intenso sol poente e as vistas para o Atlântico onde se consegui facilmente identificar as Ilhas Berlengas.

Nelson e Pawel

Último controle carimbado e um último bilhete postal antes de ir pedalar o último troço de estrada, já mais concorrida, no regresso a Caldas da Rainha para a conclusão triunfante de mais um memorável Brevet dos Randonneur de Portugal. Tenho de estar grato mais uma vez aos meus amigos e companheiros de toda a pedalada, Nelson e Pawel, bem como os demais randonneurs, voluntários e organização, que sabem dar valor ao esforço e à dedicação com a amizade e valentia que estes passeios “breveteiros” promovem.

Aqui deixo o registo no Strava. Até Breve(t)

 

“a fadiga é o melhor travesseiro”

paulofski @ na bicicleta

Publicado em 12/02/2025 às 10:54

Temas: o ciclo perfeiro bicicleta cicloturismo desconectado devaneios a pedais devaneios apeados do que me fui lembrar estrada fotografia fotopedaladas geringonças motivação na internet outras coisas pasteleiras e vintageiras penso eu de que... Pinarello STRAVA telemóveis transportes e tecnologia viagem

Manhã ensolarada e inspiradora. Cabelos ao vento. Pedalava eu a minha Pinnarello estrada acima, só com a panorâmica das montanhas, quando olho para baixo e percebo que a geringonça do GêPêéSse não estava no guiador. Instintivamente estico o braço e procuro. Procuro o telemóvel na esperança que a voltinha estivesse sendo registada na aplicação Strava, mas…

“Ora bolas, o bolso está vazio!”… E agora, assim não tenho dados da pedalada para partilhar!”.

A princípio fiquei um bocado chateado, mas continuei, conformado.

Pedalo até à aldeia mais próxima. Decido parar para um cafezinho até que, perante o cenário envolvente, encosto a bicicleta a uma árvore. Idealizo a fotografia que dali, com aquela magnífica paisagem em pano de fundo, a bicicleta ficaria mesmo bem, mas…

“Oh pá, cum carago. Não é que me esqueci que me tinha esquecido do telemóvel!”

Mais tarde, de novo no selim, durante o regresso a casa, medito sobre a dependência que temos das novas tecnologias. Assim, sem as geringonças electrónicas não teria um único Pê éRre conquistado, não teria acumulado nada nem receberia “kudos” dessa pedalada fabulosa. Não poderia analisar com calma os dados do treino. Não Iria partilhar uma única foto dos belos locais por onde havia passado. É como se o meu passeio de bicla nunca tivesse acontecido!…

É nesses momentos de “cabeça-de-vento”, até porque nem comi muito queijo, que o ciclista passa por uma espécie de crise existencial.

“E agora, como vou contar à Internet que fui dar um passeio de bicicleta, épico, verdadeiro empeno com três dígitos e megas de acumulado?!”.

Angustiado, a mente derrapa: “Um gajo senta-se num assento desconfortável, gira as pernas por algumas horas e depois volta para onde tudo começou. Quem precisa disso? Eu até nem gosto muito de pedalar!…” :/

Sinto-me sacudido e não é pelo mau piso da estrada. Uma voz doce, cada vez mais pertinho, cada vez mais insistente, chama por mim e me sugere: “E se parasses de rodar as pernas e me dar pontapés?”

Gradualmente, abro os olhos remelentos, espreito em redor e não encontro a bicicleta. Caio na realidade e rio para mim mesmo. Então não é que tudo não passou de um sonho! Algures, nos idos anos oitenta, eu, vinte verdes aninhos, solto, cabelos ao vento, escalando a serra na minha bamBina Pinnarello!

Bem, toda esta reconstituição dramática não se trata dos dados, mas da própria paixão. Que o que realmente importa é pedalar. Nos sentirmos vivos, livres de dispositivos, deixar que a bicicleta ganhe asas e nos embale, pois ela se tornará parte do nosso corpo.

Ok, eu gravo todos os meus passeios, pedaladas de fim-de-semana, os comutes pré e pós-laborais. Sempre que dá, enquadro a bicicleta e fotografo-a, em locais bonitos da cidade, do mar e das montanhas. É quase egoísmo da minha parte guardar só para mim mesmo, vai daí partilho para quem me segue, as voltas, quilometragens e coisas assim, mas aprendi que desligar e me soltar é o melhor.

Este postal só poderia ser melhorado com um desenho, pois nesse meu devaneio, de um sonho tornado realidade, não tinha o telemóvel para tirar uma foto. Mas como não tenho jeito para desenhar, aqui vai…

Click

 

o Lado B do BRM L’Antique 200

paulofski @ na bicicleta

Publicado em 31/01/2025 às 15:47

Temas: marcas do selim as biclas sabem nadar bamBina bicicleta brevet ciclismo cicloturismo dos malucos das biclas voadoras estrada fotografia fotopedaladas L' Antique 200 longas pedaladas motivação outras coisas Pinarello randonneur randonneurs portugal Ribatejo roda de amigos sol

Quando em 2013 participei no meu primeiro Brevet dos Randonneur de Portugal, coincidiu com a primeira edição do BRM L’Antique 200. Desde então, este Brevet é considerado o mais enigmático que pedalamos, por variadas razões e também porque é o Brevet que não falha no calendário “randonneureiro” português. A cada ano que passa vem atraindo cada vez mais participantes e um número crescente de novatos nestas “pedalanças breveteiras”. A edição deste ano bateu todos os recordes, com 75 ciclistas participantes, randonneurs de diferentes nacionalidades, sendo o destaque dedicado à valorosa participação feminina com nove randonneuses.

De lá para cá repeti em quatro ocasiões, sempre em anos impares, o que até poderia dizer que é uma espécie de “vira o disco e toca o mesmo”, só que não! Desta vez tocou o Lado B do disco. Girei os pedais numa rotação contrária do percurso que era habitual. No ano passado já haviam percorrido o L’Antique nesta versão e foi com imensa curiosidade que voltei ao Ribatejo para lhe dar a volta numa direcção diferente.

Outro excelente motor para voltar a pedalar pela lezíria ribatejana foi a bamBina Pinarello. Durante a semana antecedente, a escolha da bicicleta esteve em suspense devido às previsões de chuva, sendo que a decisão final foi tomada mesmo em cima do joelho, mantendo assim a tradição que para mim o L’Antique tem de ser a bordo de bicicletas clássicas, durinhas com’ó aço

Assim já foi na Cósmica, na Tripas iNBiCLA e a girar neste Brevet, por duas ocasiões, o único pedaleiro de Sua Alteza. Desta vez coube à bambina Pinarello dar-me o prazer do seu charme, mesmo que o cabo se tenha partido a determinada altura e me obrigado a pedalar, a partir do quilómnetro quaranta e tal, no prato pequeno.  

Depressão vai, depressão vem, as previsões foram melhorando ao longo da semana e, no dia previsto, uma janela climática escancarou as portadas para que o sol entrasse e nos presenteasse com um dia em cheio. Cheio de luz, cheio de peripécias e cheio de um espírito breveteiro fantástico.

A benesse climática com que São Pedro nos brindou permitiu que fosse um Brevet sequinho… quer dizer, quase sequinho, porque em muitas ocasiões as pingas de água vinham de baixo, frias e com lama à mistura. Alguns troços da estrada estavam completamente inundados, o que foi para muitos uma experiência diferente, pedalar sobre as águas sem ver onde as rodas pisavam. Mesmo as bicicletas com guarda-lamas borrifaram-se para quem atrás seguia e soltavam autênticos repuxos à pressão no alcatrão. Os vários troços de terra batida reavivaram na mente de todos a razão do cognome deste Brevet. “À moda antiga”.

Ao longo das “estradas de outros tempos” os coletes amarelos e cor-de-rosa iam-se espalhando em pequenos grupos, reagrupando à paragem nos postos de controlo. Em pontos estratégicos do caminho parámos para responder ao questionário de passagem, para descansar as pernas, para algumas fotografias. Nos postos mais importantes, paramos para que os voluntários registassem a passagem com o carimbo no cartão e aproveitamos para comer uma bucha. De salientar a abnegação e dedicação dos voluntários que nos esperaram pacientemente nos PêCês e que dessa forma permitem que os eventos BRM se realizem.

Ao longo do percurso a minha mente rebobinava lembranças das paisagem e sítios por onde passava. Prespectivas diferentes, pontos de vista diferentes as que recordava e, é claro, imagens e cenários diversos, que no movimento inverso ficavam para trás e nem me dava conta. Por outro lado, ia fazendo uma espécie de contagem decrescente, das distâncias entre aqueles locais e pontos de interesse. Óbvio que é algo que faço com frequência em muitas das minhas clássicas “bate e volta”, mas neste Brevet isso marcou uma abordagem mais bisbilhoteira da minha parte, por ser a primeira vez que fazia o percurso nesse sentido.

Exemplo disso foi, após a travessia da Ponte sobre o Tejo, a aproximação a Constância por uma estrada ainda desconhecida, de sentido único e que, nesse sentido, permite uma panorâmica belíssima do casario enquadrado com o vale e com o Tejo.

Depois da sopinha e da bifaninha, revigorados para enfrentar a restante centena de quilómetros, viramos a poente e levamos com um ventinho que soprava de Norte, às vezes com veemência diretamente nas fuças. A visita à abandonada Quinta da Cardiga teve a variante de se fazer após do quilómetro e meio de lamaçal e do ziguezague às poças d’água.

Ao chegarmos mais perto das margens do Tejo dava para perceber a força do caudal. Nesta altura do ano há sempre o risco de encontrarmos alguma estrada encerrada devido ao nível das águas do Tejo, mas este apenas alagava alguns campos agrícolas sem tocar o alcatrão. O sol de frente e o efeito dos espelhos de água ia conferindo um contraste de uma beleza única à paisagem.

Ao longo do Vale de Santarém, lá no alto da cidade, a varanda das Portas do Sol era cada vez mais visível. Para um lugar ao sol e a pausa do lanche para recuperar energias, para lá chegarmos tivemos de cumprir a única subida do dia por uma estrada exigente, não que seja mais durinha por esse lado, mas porque àquela hora da tarde seguimos com atenção redobrada ao trânsito, mais intenso e confuso, e às direcções que a geringonça ordenava para não nos enganarmos nos atalhos.

Depois de Porto de Muge, e de assinalar no cartão a última questão exigida, o percurso era já sobejamente conhecido. Planície, mosquitos, sol poente, estradas desertas, a par nas conversas, dar as boas noites à noite, preparar o regresso do frio, voltar à estrada nacional, aguentar o trânsito… Vila Franca de Xira no foco e a conclusão de mais um Brevet realizado com sucesso e satisfação. Tenho a dizer que gostei mais desta versão do disco “Long Play”.

O meu agradecimento aos organizadores, aos voluntários, aos companheiros de pedal, o Miranda e o Pawel, na partilha de bons momentos e belas fotografias ao longo de mais um memorável BRM L’Antique 200. Para o próximo, se lá chegar em 2027, espero voltar e, quem sabe, com outra bicicleta. A gOka, embora uma mescla de alumínio e carbono, e embora não parecendo é uma clássica. Afinal, é a bicicleta mais velhinha do meu harém.

Fica a promessa. Até breve(t).

 

estradas seguras para todas as pessoas

paulofski @ na bicicleta

Publicado em 20/01/2025 às 15:27

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Recordo, e partilho, o texto da Petição / Carta Aberta “Cidades Seguras para todas as pessoas”, que a Estrada Viva, “rede de associações, designada oficialmente por EV – Liga de Associações pela Cidadania Rodoviária, Mobilidade Segura e Sustentável” (publicada no jornal Público no dia 21 de novembro de 2021), dirigiu ao Presidente da Assembleia da República e ao Primeiro Ministro de então, dando assim o mote para este postal.

“O que nos define como sociedade evoluída é o modo como tratamos os mais vulneráveis: as crianças, as pessoas mais velhas e as que têm mobilidade reduzida. O espaço público é o espelho das nossas escolhas: se os mais vulneráveis entre nós podem mover-se com liberdade, independência e segurança, todos teremos os mesmos direitos. Mas as nossas cidades têm sido desenhadas para dar prioridade ao automóvel, com vias que convidam ao excesso de velocidade, que não é fiscalizado, criando graves situações de insegurança para todos. Portugal tem dos piores indicadores de segurança rodoviária dentro das localidades da União Europeia [1]. Temos que mudar esta situação.

Em 2019, morreram em Portugal, por atropelamento, 134 pessoas a pé e 26 em bicicleta, a maioria dentro de localidades [2]. Um peão atropelado a 50 km/h só tem cerca de 20% de probabilidade de sobreviver, enquanto a 30 km/h tem cerca de 90% de probabilidade de sobreviver [3].

Em 2017, os Ministros de Transportes da União Europeia assinaram a Declaração de Valeta, que inclui o objetivo de reduzir a zero o número de mortes nas estradas europeias. Como consequência a Comissão Europeia e o próprio Estado Português adotaram a “Visão Zero”: todas as mortes na estrada são eticamente inaceitáveis. A promoção da segurança rodoviária só é eficaz quando assenta num pressuposto básico da ”Visão Zero”: errar é humano. Temos, por isso, de garantir que os erros que inevitavelmente serão cometidos, não sejam erros mortais. O primeiro passo é reduzir a velocidade.

Em 2020, Portugal assinou a Declaração de Estocolmo. Nela se estabeleceu claramente que os Estados signatários deverão priorizar a gestão da velocidade como uma intervenção chave de segurança rodoviária, em particular para “fortalecer a aplicação da lei, para prevenir o excesso de velocidade e determinar uma velocidade máxima de 30 km/h conforme apropriado nas áreas onde utilizadores vulneráveis e veículos se misturam … ”. A Declaração de Estocolmo ressalta ainda que os esforços para reduzir a velocidade têm um impacto benéfico na qualidade do ar e nas alterações climáticas – não haverá mobilidade sustentável sem segurança, nem segurança sem mobilidade sustentável.

Em maio de 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) patrocinou a 6ª Semana Global de Segurança no Trânsito da ONU, a destacar os benefícios de ruas de baixa velocidade em áreas urbanas e apelando aos países a limitar as velocidades a 30 km/h nas ruas partilhadas entre peões, utilizadores/as de bicicleta e o tráfego motorizado. A OMS, baseada em inúmeros estudos epidemiológicos, é muito clara: o risco de morte e ferimentos reduz consideravelmente quando as velocidades praticadas são abaixo dos 30 km/h.

O Parlamento Europeu, em outubro de 2021, aprovou – com 90% de votos a favor – a recomendação da adoção de uma velocidade máxima de 30 km/h “em zonas residenciais e com um elevado número de peões e utilizadores de bicicleta”, argumentando que o excesso de velocidade é um fator determinante em cerca de 30% dos sinistros rodoviários mortais.

Também queremos zero mortes nas ruas e estradas de Portugal. Vimos, assim, apelar à Assembleia da República e ao Governo que Portugal cumpra a Declaração de Estocolmo, as recomendações da OMS e do Parlamento Europeu e altere o limite máximo de velocidade de 50 km/h para 30 km/h em áreas urbanas, onde o tráfego motorizado interage com peões e utilizadores/as de bicicleta (definido no Código da Estrada como “dentro das localidades” com a excepção de “vias reservadas a automóveis e motociclos”).”

Ainda janeiro vai a meio e já soma um registo trágicio de cinco pessoas mortas no exercício do seu modo de transporte em bicicleta. Têm vindo a aumentar de um modo assutador o número de vitimas resultantes de acidentes rodoviários e atropelamentos nas estradas e ruas do nosso país. É demasiada gente que sai e não chega a casa ou ao destino onde se propunha chegar. É urgente alertar, conciencializar, para evitar este “genocídio” rodoviário. É urgente, reduzir, acalmar, refletir… Fazer qualquer coisa para modificar certos comportamentos nas estradas. O excesso de velocidade, as manobras perigosas, o uso do telemóvel durante a condução. Nós que pedalamos diáriamente para diversos fins e destinos tentaremos ser mais atentos e cuidadosos na estrada.

No domingo passado, numa manhá gélida e chuvosa, mais de 90 ciclistas, homens, mulheres, crianças, animais, acompanhados por vários agentes de autoridade em bicicleta e pela comunicação social (RTP, SIC e TVI), percorreram em desfile algumas ruas do Porto manifestando-se e sendibilizando para segurança e prevenção rodoviária, para a necessidade de melhores infra-estruturas urbanas exclusivas para a circulação das bicicletas, estradas seguras para todos os utilizadores vulneráveis das vias públicas. No nosso pensamento estava a memória das pessoas falecidas em desastres de viação, sobretudo aqueles que como nós se deslocavam neste simples modo de locomoção que é a bicicleta. De igual forma, prestamos a devida homenagem às equipas de emergência, aos profissionais de saúde e agentes de autoridade que diariamente lidam com as consequências traumáticas da sinistralidade.

Vamos lá, partilhem a estrada com segurança.

Nota: Poderão ver os videos e mais fotos do movimento na actividade (clicar para ver) que registei no Strava.

 

fotocycle [276] com a bicla e o queijo à mão

paulofski @ na bicicleta

Publicado em 13/01/2025 às 15:50

Temas: fotocycle a gloriosa bicicleta benefícios das pedaladas bicicleta bike to home bike to work boas pedaladas ciclismo urbano diabetes fotografia fotopedaladas motivação opinião outras coisas penso eu de que...

Anos atrás, após passar a fasquia dos cinquenta, fui diagnosticado com Diabetes tipo 2. Sem ficar admirado com isso, aqui o factor hereditário, de pai para filho, imperou de facto. Reconheço que fiquei um pouco assustado. O meu médico prescreveu medicação diária e me disse o que poderia ou não comer. Zero de açúcar. Meti na cabeça um plano dietético rígido e aumentei a actividade física que incluía a corrida. Só que detesto correr. Se eu já pedalava bastante, as rotinas diárias na bicicleta acabariam se tornando mais necessárias e alargadas. Em seis meses perdi seis quilos. O meu estado físico alterou significativamente mas percebi que o meu corpo reagia de forma repentina, mediante as exigências físicas face às necessidades calóricas. Por diversas vezes tive encontros imediatos com o “Homem da Marreta” e percebi que já não me sentia invencível.

O equilíbrio é delicado. A longo destes anos a bicicleta tem-me proporcionado o melhor remédio para encontrar esse equilíbrio. Para além do óbvio, o ciclismo é de facto uma metáfora quase perfeita para o “equilíbrio”. Estou ciente da importância da alimentação a ter e a manter esse tal equilíbrio, entre carbo-hidratos, proteínas e a ingestão de calorias. Demasiados carbo-hidratos e o meu açúcar no sangue sobe, muito poucos e eu “bato na parede”. Se o exercício diário e prolongado é parte da equação, saber dosear as necessidades é uma importante aprendizagem. Aprendi a “ler”o meu corpo.

A bicicleta é uma coisa maravilhosa. A sua mecânica depende do “motor”, ou seja, do ciclista, e o motor depende do combustível. A bicicleta é a minha rotina saudável, que torna os meus dias de pedalada longa em dias de batota. Naqueles dias que eu acho que tenho desculpa e posso enganar os “diabretes”. Naqueles dias que eu acho que posso consumir à vontade o pão que me apetecer, uma coca-cola e um pastel de nata só para desenjoar. Não é que eu ande a comer muito queijo, mas nesses dias permito-me conquistar castelos e esquecer a maldita doença.

 

Évora 200, um Brevet bem alentejano

paulofski @ na bicicleta

Publicado em 5/12/2024 às 10:15

Temas: marcas do selim Alentejo Évora bamBina bicicleta ciclismo cicloturismo cultura dos malucos das biclas voadoras fotografia fotopedaladas longas pedaladas outras coisas pasteleiras e vintageiras Pinarello Portugal randonneur randonneurs portugal roda de amigos

Mal saiu o calendário dos Randonneurs Portugal para o próximo ano, recheado de boas e desafiantes novidades, assinalei o Brevet Évora 200. O primeiro evento da época breveteira para 2025, que se realiza no último dia de Novembro de 2024, fez-me logo pensar que poderia juntar o útil ao agradável. Pedalar e passar um par de dias com a minha cara metade numa cidade onde já fomos felizes.

Mais do que revisitar Évora num fim-de-semana, pedalar 200 km em boa companhia, por estradas ondulantes, esburacadas q.b. e com poucos carros a chatear, era por demais aliciante. Depois de toda a logística tratada com antecedência, na sexta-feira à tarde fiz-me à autoestrada mais a Maria, com a bamBina Pinarello amarrada no tejadilho da viatura rumo à capital do Alentejo, O extra seria o de, pela primeira vez, participar no BRM Évora 200.

“Cicloturistar” pelo Alentejo é sempre uma experiência gratificante. Já tinha dito isto, não já? É que a memória ainda guarda momentos fantásticos da minha travessia pela N2. Das paisagens ondulantes, das estradas silenciosas, das pessoas e do modo de vida secular da região. Desta vez, porém, teria a companhia de sessenta e seis outros ciclistas, a pedais, com máquinas infernais e de coletes fluorescentes.

Sábado de manhãzinha, depois de percorrer estreitas ruas de paralelos rombudos e escorregadios, o pessoal foi-se juntando para o inevitável bikechecking, proporcionando encontros e reencontros, conversas de circunstância, apreciações das bicicletas em exposição, até que se deu início ao bike tour, saindo em pequenos magotes pelos arruamentos históricos da cidade considerada património mundial da UNESCO.

Enquanto a suave neblina se ia dissipando, o sol nascente espreitava dando um tom luminoso fenomenal ao asfalto e aos descampados. Depressa nos livramos das cercanias urbanas e nos vimos envolvidos pelas soalheiras planícies alentejanas, ideais para qualquer tipo de ciclismo, onde a beleza natural é um constante panorama à nossa volta. Não resisti a parar para captar um momento fotográfico, suficiente para de imediato me obrigar a dar bem à perna se queria apanhar os fugitivos.

Uma brisa fleumática, misturada com aquela ânsia de calcar os pedais, tornou o meu ritmo veloz e, só passados uma vintena de quilómetros, à entrada de Machede, consegui finalmente alcançar as rodas do Pawel e do Nelson, formando assim um trio ciclista por todo o brevet. “Breveteiros” vindos do norte para participar no brevet mais a sul, éramos poucos mas eramos bons. Cof…cof…

Embora planos, os quarenta quilómetros seguintes não nos permitiam uma pedalada tranquila. O asfalto remendado, e em alguns locais bem esburacado, obrigava o ciclista a cuidados redobrados. Atentos aos poucos carros que surgiam, fomos rodando tranquilamente, até que por nós passa zunindo um dos três Velomobiles, tão rápido que nem tive tempo de o fotografar. Passada a localidade de Montoito prosseguimos para Reguengos de Monsaraz, onde faríamos o primeiro controlo num pequeno café.

Carimbado o cartãozinho amarelo, bastou a necessidade de ir verter águas para, entretanto, voltar e me deparar com um pelotão esfomeado rodeando o balcão do café. Felizmente, mesmo ali ao lado na praça, uma confeitaria bem fornecida providenciou o meu primeiro abastecimento sem grandes demoras. Fotografias e reajustes na vestimenta, logo retomamos a pedalada para ir admirar o Alqueva e a vila fortificada de Monsaraz, bem lá no cimo do lago.

A escalada do dia estava em acção. Boquiaberto com as lonjuras a perder de vista, note-se que a respiração e o coração acelerado não tiveram nada a ver com isso – certo!? – novo posto de controlo no miradouro junto ao icónico monumento de homenagem ao Cante Alentejano. Rápido se reagruparam alguns breveteiros, ofegantes da curta mas exigente subida. Depois dos cliques fotográficos ao Alqueva e a outros, prosseguiu-se para a descida, deixando uma visita à vila e ao castelo para outras núpcias/férias.

Recomendado pelo Nelson, fizemos uma breve paragem em Telheiro para apreciar e fotografar o seu original e belíssima fonte e chafariz azul e branco. Bem ao estilo alentejano. Informação recolhida posteriormente, pelas inscrições na fonte podemos confirmar a sua existência desde tempos remotos. “O chafariz foi contruído em 1422, mais tarde em 1723 foi construída a fonte atual, e em 1930 esta foi alvo de obras de recuperação.” Com isso, fomos alcançados e acabamos engolidos por um minipelotão, que montados nas suas máquinas modernas seguiam a bom ritmo, atravessando montados de sobreiros e azinheiras.

Diz que o Alentejo é todo plano! Pois é, excepto quando não é. A ondulação do asfalto da estrada M514 passou a ser o prato forte, mesmo antes da hora de almoço. O grupo revezava-se, uns iam entrando, outros iam saindo, conversas de circunstância, quando dei por mim estávamos às portas da Vila do Redondo. Com metade do brevet concluído, era chegado o momento sempre desejado de confortar as barriguinhas.

Numa esplanada da praça da vila ficava o terceiro posto de controlo, onde um dos voluntários, essenciais na realização dos brevets, se encarregava de registar a chegada dos participantes. Carimbado o cartão, fui de imediato tratar do mata-bicho e engrossei a bicha no Beldroegas Bar, à espera da sopinha e da sandes de presunto. Até deu tempo para reparar nas paredes do estabelecimento estavam decoradam com vários motivos tauromáquicos e monárquicos, o que revela muito dos costumes saudosistas desta terra.

O Alentejo é uma região repleta de aromas, cores e património cultural. Seja pelas paisagens verdes e douradas intocadas, pelas colinas ondulantes, pelas casinhas de cal branca com retoques azulados, das aldeias medievais e cidades históricas, dos castelos, igrejas, palácios e conventos, agora convertidos em alojamentos requintados, seja qual for a razão e motivação, um passeio de bicicleta por aquelas paragens é sempre deslumbrante. As milenares tradições, história e cultura que esta região vinícola tem para oferecer, torna este pedaço de Portugal um local pitoresco e cheio de charme.

O que não é nada charmoso é ter de percorrer parte da estrada nacional nº 4. Se os bons argumentos paisagísticos estavam ainda presentes, a sujidade desta estrada, aliado ao bulício rodoviário, veio a revelar-se algo problemático. Espalhados pela estrada, restos de pneumáticos de camiões eram um perigo eminente para os pneumáticos fininhos das nossas biclas. Pedalávamos nós a bom ritmo até que se escuta o gutural berro de alguém: “FURO”, e rapidamente se acionaram os travões. O recanto junto aos portões da Quinta das Cerejas tornou-se assim um providencial refúgio para a nossa paragem forçada.

Se a fama do pneu Continental 5000 à resistência ao furo é sobejamente conhecida pela malta das biclas, já a resistência do pneu para sair do aro é desesperante. Passados longos minutos de uma luta desigual, só mesmo com a força bruta conjunta de seis mãos se obteve sucesso. Um pedaço de arame espetado na borracha denunciava o móbil do crime. Escusado será dizer que, trocada a câmara, voltar a colocar o pneu no aro foi outro filme… de suspense!

Continuamos então para norte, rumo a Estremoz, famosa pelo mármore branco e pelo seu castelo. Ao longo da estrada outros dois grupetos que jaziam parados, também vítimas da EN4, a reparar furos. Estremoz é mais um bom spot para reabastecer energias, “num posto de controlo onde a doçaria vale mesmo a pena”, diz no site dos RP, mas que me desculpe o senhor do café. Bolo Jesuíta tem de ser o de Santo Tirso, que é bem diferente daquele que comi, mas, a bem da verdade, digo-vos que estava mesmo fresquinho.

Até Evoramonte a estrada volta à calmaria natural da região, mas a topografia vai aumentando, gradualmente. Avistamos o inconfundível e imponente castelo lá no cimo. Diz que as vistas que a vista de lá alcança são espantosas, mas não o fomos visitar. Tivemos de parar no centro da vila para novo controlo de passagem, num café com uma questão sobre o café que deveríamos assinalar no papelucho amarelo. Vai daí, aproveitei a pausa para tomar outro café. Pois com certeza que teria de ser Delta.

Foto: Pawel Pesz Foto: Pawel Pesz

Recomeçamos a bom ritmo, descendo. O percurso segue agora por estradas mais planas, com pequenas ondulações e campos abertos,a que já nos havíamos habituado. Reagrupamos com outros randonneurs e fomos entabulando conversas, sobretudo abordado pela persistente curiosidade dos meus companheiros de circunstância sobre a minha montada, recebendo vários elogios à beleza da bamBina Pinarello.

Uma viragem à esquerda e entramos no Vimieiro, uma pequena e típica aldeia alentejana que se diz ser terra de músicos. Não fomos recebidos com honras musicais, mas de novo obrigados a fazer um pit-stop para responder a outro quiz no cartãozinho do Brevet. Rapidamente a noite ia caindo, tornando cada vez mais visíveis as luzes vermelhinhas das nossas bicicletas, que se iam espalhando ao longo da estrada.

Foto: Pawel Pesz Foto: Pawel Pesz

As estradas quase sem trânsito e a luminosidade do fim do dia davam uma atmosfera especial à pedalada. Avisam-me que fiquei sem a luz traseira. Pois um calculo mal efectuado no carregamento da bateria e o facto de me ter esquecido da luz suplente, fez com que fizesse a parte final desse modo. Embrenhado no grupeto sentia-me mais seguro, o que não me passou despercebido foi um rato cruzar-se mesmo à frente do potente feixe de luz dianteira da minha bicicleta. Não acabou esmagado por sorte, a dele!

Rodando em formação, martelavam-se os pedais a bom ritmo, em concentração máxima. Não tardou muito a que avistássemos a placa indicadora da nossa entrada no concelho de Évora. Logo, logo, estávamos a calcar de novo os paralelos rombudos e escorregadios, primeiro ao redor e depois dentro das muralhas. Batiam as 18 horas e o transito em direcção ao centro entupia as estreitas ruelas evorenses. A chegada foi algo atribulada, mas com sucesso total. Todos os “concorrentes” chegaram ao final, felizes e contentes.

O Alentejo é sempre um dos destinos a revisitar e uma experiência de pedal a não esquecer, e este Brevet é muito mais do que um loop de 200 quilómetros. É um excelente convívio com outros da mesma espécie e que como eu apreciam o desafio das longas distância. É uma volta pela história que vale a pena desfrutar. Totalmente diferente de estar num carro ou até num comboio ou autocarro. Ali não olhamos a paisagem pela janela. Eu e os meus amigos Pawel Pesz e Nelson Vaz fizemos parte dela.

Foto: Pawel Pesz

Até Breve(t)

 

Triban RC520 Gravel - Uma Review

@ Lisboa Bike

Publicado em 18/10/2021 às 23:22

Temas: bikepacking review

A Triban no Gerês 

Comprei a minha Triban quase por impulso, em Novembro de 2019, quando em casa moravam já outras duas bicicletas de estrada. Estes modelos eram algo peculiares: uma Surly Long Haul Trucker, a bicicleta mais confortável em que já rolei, e uma velhinha Raleigh inglesa dos anos oitenta, que eu usava sobretudo para fins utilitários.


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A minha antiga Surly 


O que eu procurava, já há algum tempo, era um modelo que permitisse substituir todas as outras bicicletas (as duas já citadas e uma BTT). A elusiva bicicleta única, que fosse capaz de fazer estrada a sério, viagens de longa distância, com carga, BTT em eventos e passeios, uso utilitário, e tudo o mais que se me ocorresse. E que fizesse tudo isto com alguma competitividade, que me permitisse participar ocasionalmente em eventos. Bem sei que não é pedir pouco, para mais de um modelo "económico". 


A Triban com todos os componentes de origem


A escolha da Triban foi motivada, se for sincero, sobretudo pelo preço aliciante, tendo em conta tudo o que oferecia. Mas pareceu-me na altura uma solução de compromisso, já que eu considerava que a Decathlon tinha sido um pouco preguiçosa e simplesmente mudado o nome e a pintura a um dos seus quadros de estrada. Era apenas uma estratégia para a marca ter um producto que lhe permitisse concorrer no mercado na área então muito na moda, o "Gravel".

Bom, isso não deixa de ser um facto: trata-se de uma bicicleta de estrada, com algumas alterações, mas eu estava enganado. Para mim esta escolha veio a revelar-se extremamente acertada, e embora a bicicleta tenha certamente limitações, é difícil para mim ver alternativas viáveis neste momento. Vamos ver o que está em causa. (Nota: não tenho nenhuma ligação com a Decathlon e estas opiniões são minhas apenas).

Quadro: Para mim carbono estava fora de questão, por causa do uso para viagens longas em autonomia e o uso de bolsas de bikepacking. Os danos por atrito dos sacos ou numa queda são um risco demasiado grande. Aço e Titânio são materiais interessantes e esteticamente mais apelativos, mas mais caros e também pesados. Por isso alumínio acaba por ser uma boa escolha. O peso neste caso é apenas aceitável (os números estão no site). A surpresa veio da geometria. Eu tinha estudado a tabela e sabia que o quadro é exactamente o mesmo da gama de estrada. Portanto trata-se de um quadro "barato" de Endurance, com uma testa alta e uma posição pouco agressiva. Isso é ideal para longas distâncias e muitas horas no selim, e a geometria veio a revelar-se muito adequada para a minha fisionomia, depois de alguns ajustes. Eu não tenho muita flexibilidade natural e a minha postura não é muito agressiva. A bicicleta é muito estável em qualquer circunstância, mas mantém a capacidade de reacção e aceleração de uma bicicleta de estrada, que uma bicicleta de viagem (touring) não tem. E fora de estrada só em BTT mais sério perde a compostura, como seria inevitável. 


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Cassete, corrente e pedaleiro alterados


Grupo: A Triban vinha com um grupo Shimano 105 R7000 quase completo. Apenas a pedaleira era uma Shimano compacta de 11 velocidades, mas sem grupo, um pouco mais pesada que a 105 equivalente. Aqui eu achava que era mais uma das situações em que a Decathlon tinha feito a coisa mal, a cassete 11-32 (não Shimano) era demasiado pequena, e pensava na altura que a bicicleta deveria vir com um pedaleiro sub-compacto e talvez com um grupo GRX. A verdade é que esta mania da super-especialização dos componentes é muitas vezes exagerada. A transmissão não se desfaz se apanhar poeira por ser um grupo de estrada. O desviador Shimano 105 não é muito diferente de um Deore, as correntes e cassetes são aliás idênticas em vários grupos de estrada e BTT da Shimano, pelo que o desempenho fora de estrada não compromete. Já as relações de transmissão são claramente mais pensadas para o asfalto. Para rolar com peso extra e/ou fora de estrada (como sucede em bikepacking), optei por colocar uma pedaleira Miche 46-30 e uma cassete Shimano 105 maior, 11-34. Mesmo assim, eu agora reconheço que para um uso maioritariamente de estrada, a bicicleta vinha com um bom mix de peças. De tal forma que recentemente voltei a usar a cassete de 32 dentes original, para beneficiar de relações mais próximas entre si.    

 

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Os travões facilmente se ressentem com o pó


Travões: Os travões TRP mecânico-hidráulicos permitem casar um grupo totalmente mecânico, mais barato, nestes caso os shifters Shimano 105 R7000, com o modulação e sensações de um travão hidráulico. E a verdade é que funciona. Esteticamente é uma desgraça, mas funciona. Eu travo só com um dedo a maior parte das vezes. E a sensação de controlo é sempre boa. Há que notar contudo que estes travões estão mais à vontade em estrada, basta um pouco de pó para começar a haver vibrações e perdas de potência na travagem, quando em uso em gravilha ou terra. E só depois de uma limpeza cuidadosa é possível voltar a ter uma boa performance. 


Guiador 44, mais estreito


Periféricos: Não posso falar muito destas coisas, porque foi quase tudo substituído rapidamente. O guiador era demasiado largo, o meu quadro XL vinha com guiador de 46cm, com um desenho de drops com que eu não me identifiquei. Troquei por um simples FSA de gravel, abertura a 12º, de tamanho 44. Apesar de mais pequeno ainda permitia o uso de sacos de bikepaking. O avanço de 120cm foi trocado por um de 80, para afinar a posição na bicicleta. Muitas bicicletas de gravel modernas são desenhadas para avanços curtos, e neste caso a adaptação foi natural. Sim, ao princípio eu também achei que era muito curto, mas fez maravilhas pela postura e pelo controlo da bicicleta. Mudei também o selim, por outro muito semelhante, e o espigão do selim, por estética e peso. 


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No Porto!


Rodas & Pneus: Usei pouco as rodas. Eram robustas e não deram problemas, lembro-me que os cubos pareciam bastante bons para esta gama de preços. Foram trocadas por umas DT Swiss, para perder umas gramas. Os pneus Hutchinson Overide de 35mm são excelentes. Têm uma aderência teimosa e salvaram-me o pelo em mais de uma ocasião. Permitem aventuras fora de estrada que a sua diminuta largura não deixa prever. E em estrada rolam muito bem. Há melhor e mais leve (e mais caro), mas não muito. Quando comprei a bicicleta achei que os pneus eram mais um compromisso, agora acho que são um excelente compromisso! Actualmente monto pneus de 38mm, a marca só recomenda até 36, mas a verdade é que cabem 40mm se fizer falta. Mas penso voltar aos 35mm quando surgir a oportunidade, julgo que é o melhor equilíbrio estrada-gravel e a marca voltou a acertar neste aspecto.   

Dois anos depois, dois Tróia-Sagres, uma volta a Portugal de várias semanas em autonomia, uma viagem a Madrid, o caminho de Fátima, uma subida à serra da Estrela, e muitas aventuras mais pequenas pelo meio depois, a Triban provou que não é só um modelo barato feito à pressa para seduzir os adeptos da "moda" do gravel. Não se deixem enganar pelas soldaduras mais abrutalhadas, nem pela palavra "Decathlon" na testa do quadro, a bicicleta foi bem pensada, o desempenho nunca compromete e tem alma para tudo o que se propuserem fazer com ela. 


Set-up recente, na Serra da Estrela


O facto de custar menos um terço ou metade dos modelos da concorrência também não é propriamente mau. Actualmente há vários modelos e cores disponíveis, baseados no mesmo quadro, que, consta, é fabricado em Portugal (o meu, especificamente, diz "made in France"). É possível também comprar um dos modelos de estrada da gama 520 e depois adaptar a um uso mais polivalente, já que o quadro é idêntico, mudando a pintura e a selecção de componentes.   

Não tenho actualmente nenhuma outra bicicleta, nem sinto falta de nada. Sei que não é solução para toda a gente, o meu uso tem sido muito lúdico e mais estradista, ultimamente. Mas é inegável que esta proposta low-cost permite acceder a um inesgotável mundo de aventuras, cujos limites não serão impostos pela bicicleta.

 

Projecto Caramelos: Dia 4 - Na Autoestrada, a Fugir à Polícia, com um Pneu Furado

@ Lisboa Bike

Publicado em 23/07/2021 às 0:20

Temas: bikepacking viagem

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Caramelos?


Decidido a evitar mais apertões de calor e surpresas tardias na jornada, na manhã do quarto dia levantei o rabo da cama o mais cedo que consegui. Tomei o pequeno almoço, incluído na estadia, tão cedo quanto era permitido e fiz-me à estrada. Desta vez tinha alojamento reservado, e estava decidido a ter um dia diferente. Para minha surpresa consegui mesmo fazer a navegação para fora da zona urbana de Trujillo sem percalços. Normalmente o meu GPS não permite esses luxos, mas naquela manhã tudo corria sobre rodas.


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Rumo a Este, como sempre


É claro que esta bonanza não poderia ser duradoura. Depressa percebi que a altimetria para a jornada era mais desafiante que nos dias anteriores. E o que não mudava contudo, era a temperatura elevada, e as grandes distâncias entre terras, amplos espaços onde não havia nenhuma possibilidade de descanso, refugio do Sol ou reabastecimento. O Deserto Espanhol, como lhe chamam alguns Portugueses de passagem, a caminho de destinos mais populares na Península Ibérica, faz jus ao seu nome.


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Olha, montanhas!


A manhã foi gasta a deambular por estradas de montanha, a ritmos muito lentos, enquanto a temperatura ia aumentado, até ficar intolerável. Continuava a não haver sombras para parar, nem lugares onde obter água ou comida. O desgaste era grande e o moral da expedição ia descendo ao ritmo que desciam também as reservas de líquidos disponíveis a bordo. Começava a ficar claro que, mais uma vez, não ia conseguir arrumar a etapa a tempo de evitar o calor infernal da tarde, no Deserto Espanhol.


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As coisas não são fáceis no deserto


Umas bombas de gasolina foram a minha salvação. Estava a ficar viciado em Aquarius, a coisa mais parecida a uma bebida energética que era possível encontrar em quase todos os postos de abastecimento de combustíveis. Eventualmente a estrada "alisou", depois de uma longa descida, onde cheguei a passar dos 75km/h. Tinha voltado a ficar sem almoço pois não encontrei nada pelo caminho na hora apropriada, estava a ficar frito pelo Sol, mas sabia que já estava perto do destino.


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Sombra! Para a bicicleta...


Eu claramente já estava acusar o desgaste do calor, do esforço e da falta de comida. Foi neste estado que rolei até um cruzamento onde a estrada em que eu estava continuava para Oeste, coisa que não me interessava nada. Eu tinha que virar para Este, no sentido de Talavera de la Reina e Madrid. A minha dormida para a noite era em Oropesa, uma cidade a meio caminho. Rolar no sentido contrário era andar para trás,

Para Este, na direcção certa, a única estrada era a Autovía para Madrid, a A-5. Autovía é o nome dado à rede de autoestradas gratuitas, que ligam Madrid com o resto do país. Eles também têm estradas a que chamam mesmo "autoestradas", mas tecnicamente são a mesma coisa. Logo, não é permitida a circulação de bicicletas em nenhuma destas vias. Mas era para aqui que o GPS insistia que eu deveria ir, e francamente, eu não estava a ver alternativas.


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O dilema



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O percurso que eu fiz


Consultei o Google Maps, que me indicou que eu, de facto, deveria mesmo virar à direita, para Este, para a autoestrada! Não podia ser. E no entanto, fazia sentido e não parecia existir alternativa. De notar que o processo de tomada de decisão decorria junto ao cruzamento, à torreira do Sol, já que como era costume, não havia nem um palmo de sombra em lado nenhum. 

Era tarde. Apesar de eu ter começado cedo, o dia já ia longo. Pressionado pelo calor, tive um momento "fuck it", e abalei a toda a velocidade para a Autovía. Tudo o que eu sabia era que sombra, água e descanso ficavam mais perto naquela direcção. Mesmo que esses luxos fossem obtidos numa esquadra da polícia, sempre era uma melhoria em relação à minha situação actual. A minha análise risco-benefício não era assim tão má.

Na autoestrada fui recebido por um ensurdecedor coro de buzinadelas. Ninguém abrandou nem nada do género, mas imensos automobilistas buzinaram para me avisar do meu "erro". Eu ignorei tudo e todos e rolava na berma a velocidades próximas dos 40km/h. Àquela velocidade depressa estaria debaixo de um belo duche gelado no hotel que tinha reservado e poderia esquecer aquele incidente. 


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A Autovía à esquerda


Mas claro, não poderia ser tão fácil. Estava a ensaiar mentalmente o que diria aos policias quando chegassem, coisas como "custava assim tanto plantarem umas árvores para dar sombra?" ou "quem é que foi o palhaço que desenhou a vossa rede de estradas?" quando o som inconfundível de um furo me chegou aos ouvidos. A rolar a toda a velocidade na berma, tinha passado por cima de alguma porcaria e o pneu traseiro começou a perder ar de forma audível. O líquido anti-furos não estava a funcionar e em pouco tempo estava a rodar encima do aro.

Abrandei o suficiente para não dar cabo da roda traseira, mas não parei. Não me pareceu boa ideia parar na AE... Depois reparei que havia uma área de serviço não muito longe e arrastei a bicicleta ferida até lá, instalando-me rapidamente num cantinho onde não estorvava ninguém. Debaixo do olhar curioso de camionistas, desmontei o que pude da bicicleta carregada e removi a roda traseira. 

Não tinha ar. O tubeless estava frito e ia ter que colocar uma câmera de ar, mas resolvi tentar pelo menos voltar a encher de ar e ver se a coisa aguentava. Mas por mais que tentasse, parecia que a minha bomba de ar também não estava operacional. E agora eu sentia que estava a perder rapidamente o controlo da situação. Olhei para cima e questionei "Não tens mais nada para mim agora?" 

E nesse momento, um carro patrulha da Guardia Civil entrou na área de serviço.


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O caminho para "casa"


Os agentes olharam para mim, e foram à sua vida. E isso deixou-me a pensar. Normalmente em Espanha não há a balda que se vive em terras lusas, se eles me ignoraram era porque deveria haver uma forma legítima de chegar ali, que justificasse a minha presença na área de serviço. Coloquei a câmera de ar no pneu de trás, montei tudo de volta o melhor que pude e fui dar mais uma olhada no Google Maps.
 
Só nessa altura é que eu percebi. Paralela à Autovía, ao longo de vários quilómetros, seguia uma pista de gravilha, onde era permitida a circulação de veículos. Tinha sinais de trânsito e tudo. Essa pista passava por trás da área de serviço e justificava a minha presença no local. E a de eventuais tractores e maquinaria agrícola. O piso de gravilha era mauzito, um bocado no limite para os meus pneus finos, já para não falar para o meu nível de desgaste naquele momento. Mas era uma alternativa à AE!


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Vista à chegada a Oropesa


E foi assim que, depois de reparar a minha mini-bomba e enchido por fim o pneu traseiro, fiz os últimos 30km a rolar em verdadeiro gravel. De vez em quando tinha umas atrevessadelas mais cabeludas, já que a tracção com pneus estreitos e lisos não era a melhor. Mas era suficiente. E por aquelas alturas, suficiente ia ter que chegar.

 
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Já fiquei em sítios piores



Dia 4. Trujillo-Oropesa. 128km. (Estrada/AE) 
 

Projecto Caramelos: Dia 7 - Até às Montanhas

@ Lisboa Bike

Publicado em 23/07/2021 às 0:07

Temas: bikepacking viagem

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Dois ursos e uma bicicleta


Ao Norte da capital Espanhola fica um lugar de mistério e imponência. Os Madrileños, como todos os citadinos de uma grande e competitiva urbe, adoram escapadas de fim de semana, para destinos mais serenos nos arredores. Alguns destes possíveis destinos ficam na Serra de Guadarrama, uma solene cadeia montanhosa a Norte da capital, com picos que ultrapassam os 2000m.

Tinha decidido que o meu destino final para esta viagem seria uma destas aldeias incrustadas no sopé da serra, um curioso misto de vila alpina e subúrbio urbano, já que fica a apenas 50km da capital. Uns amigos tinham-me prometido uns dias de alojamento com direito a relaxamento total, na tranquilidade das montanhas. E isso parecia-me o final perfeito para esta pequena viagem.

Dada a proximidade, tinha planeado gastar a maior parte do dia em Madrid e seguir para Norte só no final da tarde. Assim, tratei de organizar a logística do meu regresso, planeado para uns dias mais tarde, e patear a cidade. 

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Puerta del Sol



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Calle Preciados



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E uma estátua de corvos em Lisboa?



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A velha Madrid



Mais importante, tinha um almoço (tardio, como todos em Espanha) combinado com uma amiga, que é a única pessoa que conheço que mora efectivamente na capital do reino. Passámos horas à conversa numa simpática esplanada. Acho que perdi um pouco a noção do tempo, até que um sopro de vento fez voar alguns itens de cima da mesa. Olhei para o céu, e fui surpreendido por umas nuvens sinistras que se avizinhavam, no que até ao momento tinha sido um impecável céu limpo.

Passava das 18 horas, e eu considerei aquela a minha deixa para me pôr a caminho. A travessia da capital teria sido facilitada se o meu pneu traseiro não estivesse vazio. Não compreendi como tinha furado entretanto, mas acabei por deduzir que a válvula da câmera de ar que tinha instalado uns dias atrás não estava a vedar bem. Bombei um pouco de ar, junto ao Bernabéu, e segui caminho. Tinha alguma pressa, já que agora era evidente que uma tempestade se aproximava, dirigindo-se, tal como eu, para Norte.    


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O céu limpo deu lugar a nuvens sinistras


Encontrei com alguma facilidade a ciclovia que segue para Norte, um percurso que em outras ocasiões tinha visto da estrada e que sabia me poderia levar até muito perto do destino. Este é o habitat natural dos ciclistas de estrada da zona, e foi sem surpresa que me cruzei com muitos deles. Seguiam todos na direcção contrária, apressados por se abrigarem da tormenta que todos sabíamos próxima. 


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Para Norte!


Embora o pôr do sol estivesse previsto para dali a mais de duas horas, o céu escureceu de forma assinalável, à medida que a frente de tempestade se aproximava. Os outros ciclistas começaram a escassear na ciclovia, até desaparecerem por completo. Agora estava só eu, rumando a Norte, numa corrida contra a tempestade. Eu desconfiava que quando aquela massa de ar colidisse com as montanhas à nossa frente, o resultado não seria muito agradável para mim. 



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Percebem?


E não foi. O trovejar começou distante, mas em pouco tempo os raios caiam à minha volta, sem refugio à vista. O céu escureceu ainda mais, até ficar practicamente de noite, e uma chuva ligeira começou a cair, obrigando-me a parar para colocar o impermeável, a primeira vez que o usei na viagem. Era capaz de jurar que até o Dentuça estava intimidado, sobretudo quando a ciclovia acabou e tivemos que nos fazer à estrada.   


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A coisa promete!


E foi neste troço, de estrada estreita, sem berma e com bastante trânsito, que os céus finalmente se abriram e um dilúvio impiedoso assolou o sopé da serra, retirando ainda mais visibilidade e obrigando-me a cuidados redobrados. Apesar de duas boas luzes na traseira, levei com algumas razias preocupantes. De notar que os automobilistas espanhóis costumam respeitar os ciclistas muito mais que os portugueses (respeito é um conceito estranho em Portugal), mas por norma conduzem, na minha opinião, tecnicamente pior. Ou seja, têm um pior domínio do veículo e são mais facilmente surpreendidos por imprevistos.

Naquela estrada senti-me verdadeiramente em perigo, mas não havia muitas alternativas a continuar. Até que surgiu uma muito rara paragem de autocarro, com abrigo, que eu imediatamente adoptei como refugio. Foi um achado providencial, pois o dilúvio já me tinha ensopado até aos ossos, e a estrada estava mesmo perigosa, com a visibilidade extremamente reduzida.


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Na paragem do BUS


Uns minutos depois, as coisas acalmaram e eu regressei à estrada, que me havia de levar à magia da montanha em Manzanares el Real. Esperava-me um belo jantar entre amigos e uns dias de merecido descanso do guerreiro. 



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Dia 7. Madrid-Manzanares el Real. 49km. (Estrada/Ciclovia) 

 
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