paulofski @ na bicicleta
Publicado em 21/08/2024 às 13:57
Temas: bicicleta 1 carro a menos até Santiago bêtêtê bicicletas bué de fixes bike bike to home bike to work bikeporn BTT Lousada Caminho Canyon carbono cicloturismo dos malucos das biclas voadoras estrada fotografia gravel longas pedaladas Maneirinha motivação outras coisas Rafael Ride Your Workout Roadlite
A proporção de bicicletas que possuímos é, como todos sabemos, N + 1, onde N é o número de bicicletas que temos e o +1 é aquela que sonhamos vir a ter. A simples troca de bicla não se aplica aqui.
Esta ânsia de encontrar uma boa justificação para ter mais uma bicicleta é evidente na mente da maioria dos ciclistas.
Longe vão os dias quando uma bicicleta servia para todas as ocasiões. Usada e abusada, no processso de aprendizagem, nas voltinhas ao bairro com os amigos, compartilhada entre os irmãos, passada de pais para filhos.
Hoje em dia o mercado é cada vez mais variado e as bicicletas são mais especializadas, criadas de acordo com algo mais específico e que supostamente necessitamos. Agora não é tanto o caso de nos adaptarmos a elas, mas escolher a “máquina” que melhor se adequa à necessidade do utilizador.
Há uma bicicleta certa para cada função, seja para um trilho de cascalho, estradão enlameado, para utilização urbana ou rodar por longas horas em alcatrão lisinho. A bicicleta é escolhida especificamente para dar o melhor rendimento ao exercício que desejamos, à segurança, ao ritmo e finalidade da pedalada.
As marcas e designers vêm nisto do N + 1 uma boa razão para manter activas as necessidades e sobretudo os caprichos individuais. É um desafio permanente de evolução tecnológica, que acontece bem na frente dos nossos olhos e que estimula querer o mais sofisticado. O mercado faz o seu papel no incentivo para o “upgrade”, reforçando o desejo de expandirmos horizontes e tentarmos algo diferente.
“Qual será a tua próxima bicicleta?” É quase certo que a resposta esperada é “o último modelo”, mas uma coisa é o que queremos e outra é o que podemos ter. O factor económico é preponderante e na mente do pretendente, para fazer novo investimento só precisa se certificar junto da sua “cara metade”. Ou então não, e parte destemido para o elemento surpresa. “Querida…”
No “parque velocipédico” lá de casa tenho uma Del Sol LXi comprada em 2003 na ETIEL, aka Ciclo Coimbrões. De acordo com as especificações da minha “cara metade”, esta bicla de alumínio, tipo beach cruiser, fê-la voltar ao selim e durante alguns anos a acompanhar-me em passeios à beira-mar, até que um tal de síndrome vertiginoso apareceu e obrigou-a a pôr termo às pedaladas.
Ficou guardada, sendo oportunamente adoptada pelo herdeiro e que o ajudou a fortalecer tanto o seu crescimento bem como a desenvoltura das suas pedaladas recreativas / escolares. Entretanto o rapaz botou os olhinhos em algo mais cross e mais trail, e a velha bina voltou para o banco de suplentes.
A Maria Del Sol é uma ótima bicicleta e fui incapaz de me desfazer dela. Aproveitei as suas potencialidades para a tornar numa espécie de rain cruiser, sobretudo para ser usada nas minhas pedaladas “commutianas” diluvianas. Com pneus mais largos e guarda-lamas à maneira, um resistente porta-couves a apoiar um volumoso par de alforges, inevitavelmente ficou muito mais pesada, mas a lentidão da pedalada nunca me desencorajou a investir nela, sobretudo em calços de travão.
Depois de vários anos e quilómetros de bons serviços estava a pedir nova manutenção geral. A idade, a dela e a minha, começavam a pesar, e assim que me deparei com este modelo “Roadlite CF8” da Canyon, achei que seria uma boa oportunidade para a Maria Del Sol passar à reforma.
As dúvidas em comprar uma bicicleta via online eram bastantes, no entanto foram sendo afastadas com a ajuda da competente assistência de comunicação com a marca, bem como no processo de compra e posterior envio e preparação da bicicleta.
Especialmente estimulado pelo preço promocional, pelas características híbridas desta fitness bike, depois de muito pesquisar e matutar mandei-a vir, sem sequer a ter experimentado. Segundo os critérios da marca, estando eu na fronteira de tamanhos entre um XS e um S, veio o XS, não só porque era o único tamanho disponível, mas no que diz respeito ao quadro de bicicleta, o mais pequeno torna-se sempre mais fácil de configurar para o nosso corpo acomodar.
Assim que chegou o caixote, a desembalei e montei, permiti que fosse o herdeiro a dar-lhe os primeiros giros dos pedais. Muitos minutos depois o Rafa lá voltou e o seu entusiasmo era por demais evidente: “Pai, posso ficar com ela?” Eh pá!… Parece que acertei nisto!
Não sabia bem o que esperar quando, pela primeira vez, passei a perna sobre a esta pequena máquina. Pensada para uma utilização sobretudo urbana, para circular em todas as condições climatéricas, a Roadlite CF8 é, ao fim e ao cabo, uma bicicleta de estrada, leve e rápida que, por acaso, tem um guiador plano em vez do dropbar tradicional. A geometria do esbelto quadro e dos periféricos em carbono, fornecem um excelente comportamento e o ajuste que se espera de uma “estradeira” de alto desempenho.
O prato único de 46 dentes é suficiente e competente na transmissão de potência ao SRAM NX Eagle. A simplicidade mecânica do escalonamento das 12 velocidades, do 11 aos 50 e vice-versa, é bastante rápido e suave. Com facilidade se trocam as velocidades, não comprometendo a eficácia e o desempenho em relação a uma transmissão tradicional, o que oferece maior amplitude de andamentos, especialmente para ajudar as pernas nas subidas mais íngremes.
Os travões de disco eram uma novidade para mim. Não sendo topo de gama, são hidráulicos, dando-me a garantia e confiança necessária que exercem cabalmente a sua função, especialmente nas pedaladas à chuva. As rodas 650b que a Canyon equipou neste modelo, tornam esta bicicleta ainda mais manobrável e eficiente. Os pneus tubeless de 30mm, G-One Speed da Schwalbe, são excelentes para uma pedalada eficaz na estrada, confortável no paralelo, sem sacrificar a tracção em estradões de terra e gravilha. Os originais guarda-lamas para o inverno também vieram e que nela serão instalados no devido tempo.
O guiador plano acrescenta um nível de conforto e versatilidade para as pedaladas urbanas que é difícil de encontrar numa bicicleta de estrada convencional. A posição de condução facilita o equilíbrio e desempenho sem sacrificar a velocidade. A estabilidade e a manobrabilidade, tornam a Roadlite bastante versátil nas deslocações diárias, na disputa com o trânsito na hora de ponta, já para não falar da simples alegria de percorrer estradas rurais tranquilas ou caminhos de cabras pela Natureza.
Desde há coisa de um mês aos comandos desta minha ultima aquisição, só agora faço a sua apresentação e o relatório de boas vindas porque, para além das rotineiras voltas diárias pela cidade e arredores, esperei para fazer um longo e completo test ride à Maneirinha, como lhe chamo.
No passado feriado acompanhei um grupo de amigos em parte dos caminhos de Santiago pela costa portuguesa, para depois fazer o consequente regresso por asfaltadas estradas interiores. Esta voltinha proporcionou fazer uma completa e exigente rodagem em diferentes tipos de terreno, numa distância considerável. Resumidamente, a bicicleta teve nota positiva com distinção.
A direção rápida e estável torna mais agradável percorrer sinuosas estradas rurais e contornar curvas apertadas, bem como nos trilhos de gravilha e areia. Pedalar com uma pressão pneumática mais baixa permite receber todo o conforto e segurança dos pneus, seja no paralelo mais manhoso, seja no fofinho asfalto. Aprecei bastante a leveza do conjunto, especialmente quando fui obrigado a carrega-la em ombros pela praia. Nunca me imaginei subir com desenvoltura a ingreme e agressiva Rua do Ferraz e a resposta rápida à força nos pedais foi brutal. Também apreciei o guiador plano e a posição um pouco mais vertical que desfruto aos comandos da bina, o que ajuda a gerir e melhorar a postura, tornando mais fácil manter-me atento ao trânsito à minha volta, sobretudo quando cruzamos alguns centros urbanos.
O selim é definitivamente o ponto fraco da bicicleta. Sofrível para os commutes curtos, é absolutamente desconfortável para o rabo suportar as longas horas a pedal. Valeu-me a carneira dos calções! Este é porventura o único componente que definitivamente será substituído num futuro próximo.
Concluindo. Gosto bastante da versatilidade da Maneirinha e tenho a certeza que foi uma excelente aquisição para o parque velocipédico lá de casa. Embora não pense trocar nenhuma das outras minhas beldades pedaláveis, Sua Alteza, a gOrka, a bamBina, por uma bicicleta de plástico carbono, que não é uma coisa nem outra, mas tudo numa bicla só, é fácil perceber a afeição que ganhei por esta biclazinha.
Maneirinha, uma bicla à maneira
paulofski @ na bicicleta
Publicado em 23/07/2024 às 11:53
Temas: marcas do selim a chuva não atrapalha Arouca à chuva bicicleta boas pedaladas Castelo de Paiva ciclismo cicloturismo ciclovia diz que é verão Douro estrada fotografia fotopedaladas Furadouro longas pedaladas motivação outras coisas Porto randonneur randonneurs portugal ride with friends roda de amigos workers ride
Este dia estava programado há semanas, verificar in loco o trajecto que desenhei para um possível brevet 200 dos Randonneur Portugal, com saída e chegada ao Porto.
O meeting point no Jardim do Calem, á hora marcada, para além do Miranda, do Pawel e do Jorge, a chuva também marcou presença! Mas onde estava o apetecido dia maravilhoso banhado pelo sol de Julho? Pois… encolhidos, sob uma morrinha “bué da chata”, foi a maneira de se começar a pedalada. Ao longo da manhã, a chuvinha “molha-tolos” deixou estes quatro tolos molhados até aos ossos.
Rumamos ao longo da costa, e um suave, mas desgastante, vento de sul misturado com o ar grosso e húmido não mostrou sinais de aliviar até à nossa investida para o interior. O Jorge seguiu outro rumo, e foi bem para lá da nossa passagem pela engalanada Terra de Santa Maria, e do seu imponente castelo, que a viagem foi, pouco a pouco, ficando mais seca e luminosa.
O objectivo é explorar o território e a fórmula é a certa: estradas sinuosas, a maioria com mau piso, povoações quase desertas, no meio do nada, aromas e testemunhos em busca do prato do dia. Aqui está o segredo do ciclismo, o gosto de ir descobrindo, na pedalada lenta ao ritmo do nosso próprio esforço. Procurar um petisco que possamos saborear, desvendar os segredos que as mães apaixonadas pela sua terra preparam com tanto carinho e dedicação. É verdade, a barriga já dava horas, e quando se pode aliviar o rabo do selim, ouvindo os sinos do início da tarde, é não só um pretexto mas sobretudo um alívio.
Com alguns erros no desenho do percurso, que doravante será coisa para se ir afinando no papel, a tournée prosseguiu calma. As estradas são geralmente tranquilas e sem muito tráfego. A geringonça ia-nos guiando na direcção certa, supostamente, mas o nosso sentido de orientação ia lançando alertas quando se avistavam inesperadas e ingremes rampas que nos apareceram pela frente. E foram algumas.
Agora está sol. Arouca seria o prato seguinte, sem, no entanto, acrescentar a Serra da Freita à sobremesa. O rumo seguiria serpenteando o fundo do vale, palmilhando quilómetros de suaves subidas e descidas, sem qualquer agressividade. O sol polvilhava o seu calor, e para usufruirmos do ar fresco pedalamos de peito aberto, secando a roupa na corda bamba.
Em plena época de romarias, a balburdia dos festejos e os cortes de estrada atrapalham de alguma forma. Abrandamos e espevitamos a curiosidade com o pé no chão. Sair dali resultou em grande desacerto. Consultada a bussola retomei definitivamente o rumo certo e apanhei os compinchas mais à frente, em plena subida ao Monte de Santo Adrião. Se formos devagar pela sombra e sem o frenesim rodoviário, o maior presente que podemos receber é o de poder ver tudo.
Nestas longas e extensas pedaladas, há quem as interprete como um desafio para si próprio, quem percebe a viagem como um mero passeio, parando para conversar sempre que pode, talvez com a desculpa para roubar uma laranja, esperar a malta para reagrupar, tirar mais uma fotografia a paisagens que só precisam de ser admiradas. Só desculpas!
Podemos sentir o cheiro do monte, daquelas flores que crescem espontaneamente nas bermas entre uma estrada esburacada e o mato rasteiro. Nas retas há sempre oportunidade para uma boa conversa, escutando o balido das ovelhas seguido do chilrear dos pássaros. Nas curvas, o tempo de repente fica em silêncio e entra-se num vórtice, girando os pedais em modo automático, com as costas ao vento.
Os atalhos sugeridos pelo planeador de percursos tem por vezes o condão de nos levar a pequenos tesouros escondidos. Nas vielas das aldeias, aquele empedrado que faz a corrente chacoalhar no metal e o selim cada vez mais tormentoso. Cores que logo se uniformizam com as casas. As tradições que não se diluíram ao longo do tempo, que saltam à vista pintando molduras do modo de vida de homens e mulheres do campo.
O céu parece parvo… pardo, todo escurecido e eu me pergunto se vai morrinhar ou chover! É certo que vai. Novelos ásperos de nuvens sombrias e o vento espiam-nos por cima do horizonte. Pedalamos ao vento. subindo por Capela, asfalto que sempre pedalei, descendo para a velha estrada ao longo do rio. Eis a chuva prometida, aborrecida, intrometida, para o final da corrida.
Ao Porto chegamos, encharcados da cabeça aos pés, e aí eu penso que na bicicleta cada vez é diferente. Um dia inteiro a viajar de bicicleta tem uma certa incerteza (!). Primeiro estamos um pouco desconfiados do tempo, depois começamos a descobrir coisas, entretanto desafiamos a escalada e ganhamos. Experimentamos um atalho e perdemos. O calor escaldante e a chuva inclemente. A oportunidade de tentar outro caminho. E colocar o coração em paz. Mil coisas novas a cada vez.
Publicado em 18/10/2021 às 23:22
Temas: bikepacking review
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A Triban no Gerês |
Comprei a minha Triban quase por impulso, em Novembro de 2019, quando em casa moravam já outras duas bicicletas de estrada. Estes modelos eram algo peculiares: uma Surly Long Haul Trucker, a bicicleta mais confortável em que já rolei, e uma velhinha Raleigh inglesa dos anos oitenta, que eu usava sobretudo para fins utilitários.
A minha antiga Surly |
O que eu procurava, já há algum tempo, era um modelo que permitisse substituir todas as outras bicicletas (as duas já citadas e uma BTT). A elusiva bicicleta única, que fosse capaz de fazer estrada a sério, viagens de longa distância, com carga, BTT em eventos e passeios, uso utilitário, e tudo o mais que se me ocorresse. E que fizesse tudo isto com alguma competitividade, que me permitisse participar ocasionalmente em eventos. Bem sei que não é pedir pouco, para mais de um modelo "económico".
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A Triban com todos os componentes de origem |
A escolha da Triban foi motivada, se for sincero, sobretudo pelo preço aliciante, tendo em conta tudo o que oferecia. Mas pareceu-me na altura uma solução de compromisso, já que eu considerava que a Decathlon tinha sido um pouco preguiçosa e simplesmente mudado o nome e a pintura a um dos seus quadros de estrada. Era apenas uma estratégia para a marca ter um producto que lhe permitisse concorrer no mercado na área então muito na moda, o "Gravel".
Bom, isso não deixa de ser um facto: trata-se de uma bicicleta de estrada, com algumas alterações, mas eu estava enganado. Para mim esta escolha veio a revelar-se extremamente acertada, e embora a bicicleta tenha certamente limitações, é difícil para mim ver alternativas viáveis neste momento. Vamos ver o que está em causa. (Nota: não tenho nenhuma ligação com a Decathlon e estas opiniões são minhas apenas).
Quadro: Para mim carbono estava fora de questão, por causa do uso para viagens longas em autonomia e o uso de bolsas de bikepacking. Os danos por atrito dos sacos ou numa queda são um risco demasiado grande. Aço e Titânio são materiais interessantes e esteticamente mais apelativos, mas mais caros e também pesados. Por isso alumínio acaba por ser uma boa escolha. O peso neste caso é apenas aceitável (os números estão no site). A surpresa veio da geometria. Eu tinha estudado a tabela e sabia que o quadro é exactamente o mesmo da gama de estrada. Portanto trata-se de um quadro "barato" de Endurance, com uma testa alta e uma posição pouco agressiva. Isso é ideal para longas distâncias e muitas horas no selim, e a geometria veio a revelar-se muito adequada para a minha fisionomia, depois de alguns ajustes. Eu não tenho muita flexibilidade natural e a minha postura não é muito agressiva. A bicicleta é muito estável em qualquer circunstância, mas mantém a capacidade de reacção e aceleração de uma bicicleta de estrada, que uma bicicleta de viagem (touring) não tem. E fora de estrada só em BTT mais sério perde a compostura, como seria inevitável.
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Cassete, corrente e pedaleiro alterados |
Grupo: A Triban vinha com um grupo Shimano 105 R7000 quase completo. Apenas a pedaleira era uma Shimano compacta de 11 velocidades, mas sem grupo, um pouco mais pesada que a 105 equivalente. Aqui eu achava que era mais uma das situações em que a Decathlon tinha feito a coisa mal, a cassete 11-32 (não Shimano) era demasiado pequena, e pensava na altura que a bicicleta deveria vir com um pedaleiro sub-compacto e talvez com um grupo GRX. A verdade é que esta mania da super-especialização dos componentes é muitas vezes exagerada. A transmissão não se desfaz se apanhar poeira por ser um grupo de estrada. O desviador Shimano 105 não é muito diferente de um Deore, as correntes e cassetes são aliás idênticas em vários grupos de estrada e BTT da Shimano, pelo que o desempenho fora de estrada não compromete. Já as relações de transmissão são claramente mais pensadas para o asfalto. Para rolar com peso extra e/ou fora de estrada (como sucede em bikepacking), optei por colocar uma pedaleira Miche 46-30 e uma cassete Shimano 105 maior, 11-34. Mesmo assim, eu agora reconheço que para um uso maioritariamente de estrada, a bicicleta vinha com um bom mix de peças. De tal forma que recentemente voltei a usar a cassete de 32 dentes original, para beneficiar de relações mais próximas entre si.
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Os travões facilmente se ressentem com o pó |
Travões: Os travões TRP mecânico-hidráulicos permitem casar um grupo totalmente mecânico, mais barato, nestes caso os shifters Shimano 105 R7000, com o modulação e sensações de um travão hidráulico. E a verdade é que funciona. Esteticamente é uma desgraça, mas funciona. Eu travo só com um dedo a maior parte das vezes. E a sensação de controlo é sempre boa. Há que notar contudo que estes travões estão mais à vontade em estrada, basta um pouco de pó para começar a haver vibrações e perdas de potência na travagem, quando em uso em gravilha ou terra. E só depois de uma limpeza cuidadosa é possível voltar a ter uma boa performance.
Guiador 44, mais estreito |
Periféricos: Não posso falar muito destas coisas, porque foi quase tudo substituído rapidamente. O guiador era demasiado largo, o meu quadro XL vinha com guiador de 46cm, com um desenho de drops com que eu não me identifiquei. Troquei por um simples FSA de gravel, abertura a 12º, de tamanho 44. Apesar de mais pequeno ainda permitia o uso de sacos de bikepaking. O avanço de 120cm foi trocado por um de 80, para afinar a posição na bicicleta. Muitas bicicletas de gravel modernas são desenhadas para avanços curtos, e neste caso a adaptação foi natural. Sim, ao princípio eu também achei que era muito curto, mas fez maravilhas pela postura e pelo controlo da bicicleta. Mudei também o selim, por outro muito semelhante, e o espigão do selim, por estética e peso.
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No Porto! |
Rodas & Pneus: Usei pouco as rodas. Eram robustas e não deram problemas, lembro-me que os cubos pareciam bastante bons para esta gama de preços. Foram trocadas por umas DT Swiss, para perder umas gramas. Os pneus Hutchinson Overide de 35mm são excelentes. Têm uma aderência teimosa e salvaram-me o pelo em mais de uma ocasião. Permitem aventuras fora de estrada que a sua diminuta largura não deixa prever. E em estrada rolam muito bem. Há melhor e mais leve (e mais caro), mas não muito. Quando comprei a bicicleta achei que os pneus eram mais um compromisso, agora acho que são um excelente compromisso! Actualmente monto pneus de 38mm, a marca só recomenda até 36, mas a verdade é que cabem 40mm se fizer falta. Mas penso voltar aos 35mm quando surgir a oportunidade, julgo que é o melhor equilíbrio estrada-gravel e a marca voltou a acertar neste aspecto.
Dois anos depois, dois Tróia-Sagres, uma volta a Portugal de várias semanas em autonomia, uma viagem a Madrid, o caminho de Fátima, uma subida à serra da Estrela, e muitas aventuras mais pequenas pelo meio depois, a Triban provou que não é só um modelo barato feito à pressa para seduzir os adeptos da "moda" do gravel. Não se deixem enganar pelas soldaduras mais abrutalhadas, nem pela palavra "Decathlon" na testa do quadro, a bicicleta foi bem pensada, o desempenho nunca compromete e tem alma para tudo o que se propuserem fazer com ela.
Set-up recente, na Serra da Estrela |
O facto de custar menos um terço ou metade dos modelos da concorrência também não é propriamente mau. Actualmente há vários modelos e cores disponíveis, baseados no mesmo quadro, que, consta, é fabricado em Portugal (o meu, especificamente, diz "made in France"). É possível também comprar um dos modelos de estrada da gama 520 e depois adaptar a um uso mais polivalente, já que o quadro é idêntico, mudando a pintura e a selecção de componentes.
Não tenho actualmente nenhuma outra bicicleta, nem sinto falta de nada. Sei que não é solução para toda a gente, o meu uso tem sido muito lúdico e mais estradista, ultimamente. Mas é inegável que esta proposta low-cost permite acceder a um inesgotável mundo de aventuras, cujos limites não serão impostos pela bicicleta.
Publicado em 23/07/2021 às 0:20
Temas: bikepacking viagem
Caramelos? |
Decidido a evitar mais apertões de calor e surpresas tardias na jornada, na manhã do quarto dia levantei o rabo da cama o mais cedo que consegui. Tomei o pequeno almoço, incluído na estadia, tão cedo quanto era permitido e fiz-me à estrada. Desta vez tinha alojamento reservado, e estava decidido a ter um dia diferente. Para minha surpresa consegui mesmo fazer a navegação para fora da zona urbana de Trujillo sem percalços. Normalmente o meu GPS não permite esses luxos, mas naquela manhã tudo corria sobre rodas.
Rumo a Este, como sempre |
É claro que esta bonanza não poderia ser duradoura. Depressa percebi que a altimetria para a jornada era mais desafiante que nos dias anteriores. E o que não mudava contudo, era a temperatura elevada, e as grandes distâncias entre terras, amplos espaços onde não havia nenhuma possibilidade de descanso, refugio do Sol ou reabastecimento. O Deserto Espanhol, como lhe chamam alguns Portugueses de passagem, a caminho de destinos mais populares na Península Ibérica, faz jus ao seu nome.
Olha, montanhas! |
A manhã foi gasta a deambular por estradas de montanha, a ritmos muito lentos, enquanto a temperatura ia aumentado, até ficar intolerável. Continuava a não haver sombras para parar, nem lugares onde obter água ou comida. O desgaste era grande e o moral da expedição ia descendo ao ritmo que desciam também as reservas de líquidos disponíveis a bordo. Começava a ficar claro que, mais uma vez, não ia conseguir arrumar a etapa a tempo de evitar o calor infernal da tarde, no Deserto Espanhol.
As coisas não são fáceis no deserto |
Umas bombas de gasolina foram a minha salvação. Estava a ficar viciado em Aquarius, a coisa mais parecida a uma bebida energética que era possível encontrar em quase todos os postos de abastecimento de combustíveis. Eventualmente a estrada "alisou", depois de uma longa descida, onde cheguei a passar dos 75km/h. Tinha voltado a ficar sem almoço pois não encontrei nada pelo caminho na hora apropriada, estava a ficar frito pelo Sol, mas sabia que já estava perto do destino.
Sombra! Para a bicicleta... |
Eu claramente já estava acusar o desgaste do calor, do esforço e da falta de comida. Foi neste estado que rolei até um cruzamento onde a estrada em que eu estava continuava para Oeste, coisa que não me interessava nada. Eu tinha que virar para Este, no sentido de Talavera de la Reina e Madrid. A minha dormida para a noite era em Oropesa, uma cidade a meio caminho. Rolar no sentido contrário era andar para trás,
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O dilema |
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O percurso que eu fiz |
O caminho para "casa" |
Vista à chegada a Oropesa |
Publicado em 23/07/2021 às 0:07
Temas: bikepacking viagem
Dois ursos e uma bicicleta |
Puerta del Sol |
Calle Preciados |
E uma estátua de corvos em Lisboa? |
A velha Madrid |
O céu limpo deu lugar a nuvens sinistras |
Para Norte! |
Percebem? |
A coisa promete! |
Na paragem do BUS |
Dia 7. Madrid-Manzanares el Real. 49km. (Estrada/Ciclovia)
Publicado em 19/07/2021 às 1:10
Temas: bikepacking viagem
Caramelos? |
Na berma da via rápida em obras |
Rumo a Madrid! |
Ciclovias de luxo |
Madrid?? |
Hum... |
Sim, é uma lixeira numa estrada abandonada |
Madrid! |
Vista de quarto |
Bicicleta no quarto #4 |
Publicado em 18/07/2021 às 20:49
Temas: bikepacking viagem
What? Nunca comeram feijoada na cama? |
Não chego a articular a minha resposta, que antevejo ser hilariante e charmosa, pois há um crescente som irritante que monopoliza a minha atenção. Não percebo de onde vem, mas parece conhecido... Instintivamente, silencio o alarme do telemóvel e levo alguns segundos a reconhecer o que me rodeia. São seis da manhã e ainda está escuro lá fora. Acendo a luz e levanto-me a custo da cama. Esforço-me por recordar que estou numa casa rural em Oropesa, uma pequena terra da província de Toledo, bem no meio do Grande Deserto Espanhol.
Arrasto-me para o WC, mas as pernas pesam-me como dois marcos dos descobrimentos, e tenho o equilíbrio de um marujo bêbado recém regressado da carreira da India. Tenho muita sede, embora me lembre de me ter hidratado bem a noite anterior. Lavo os dentes e constato que, de alguma forma, tenho a boca cheia de sangue seco. A próxima etapa da minha higiene matinal não é mais animadora: pelo quarto dia consecutivo, a minha urina é da cor de Earl Grey. Saio da casa de banho a murmurar alguma coisa sobre "isso não deve ser bom". Ao lado da janela aberta, repousa o Dentuça. O seu olhar parece questionar: "O que é que estamos a fazer?"
#3 Bicicleta cá dentro |
Habitual reabastecimento num posto de combustível |
Sombras e bancos! Foi a única vez que vi tal coisa! |
Mais um dia no deserto |
Publicado em 15/07/2021 às 23:34
Temas: bikepacking viagem
Trujillo! |
Rolando no Grande Deserto Espanhol |
A Autovía A-58 |
A paisagem rumo a La Aldea del Obispo |
Hora do Almoço |
Trujillo! |
As gentes de Trujillo... |
Bicicleta no quarto #2 |
Dia 3. Aliseda-Trujillo. 127km. (Estrada)
Publicado em 15/07/2021 às 13:41
Temas: bikepacking viagem
Caramelos? |
Gostava de dizer que acordei rejuvenescido depois de uma boa noite de sono, mas no mundo real, as coisas nem sempre funcionam assim. Sendo certo que tive direito a umas oito horas de descanso, a verdade é que acordei a sentir-me letárgico, completamente sem energia. Parecia claro que o corpo ainda acusava o esforço do dia anterior.
A vastidão do Alentejo |
Tudo preparado. Tudo menos eu! |
Sim, esta é a fronteira! |
A estrada para Aliseda |
Bicicleta no quarto #1 |
Camas separadas! |
Dia 2. Esperança-Aliseda. 69km. (Estrada)
Publicado em 13/07/2021 às 23:54
Temas: bikepacking viagem
Caramelos? |
As coisas começaram de forma bem inocente, como quase sempre acontece. Tinha feito planos para acompanhar um amigo na sua deslocação de bicicleta ao seu lar ancestral do Alentejo. Éramos 3 ao todo, em bicicletas de estrada, e o plano era fazer a distância, cerca de 200 redondos quilómetros, num só dia. Por responsabilidades e coisas da vida, o meu amigo acabou por fazer a viagem de carro, em data inadequada para os restantes, mas eu estava decidido a ir de qualquer forma.
E depois, já que ali estava, imaginei que seria fantástico aproveitar a proximidade à fronteira para dar um "saltinho" a Madrid e visitar mais uns amigos por lá. Afinal, no mapa eram apenas mais 400Km a solo, depois de ultrapassado o obstáculo do primeiro dia. Tinha planeado uma semana na estrada ao todo, e cerca de 700 quilómetros de caminho. Preparei o equipamento do costume, de onde apenas havia a destacar uns pneus ligeiramente mais estreitos e mais lisos, uns GravelKing de 32mm, montados como sempre Tubeless.
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"Isso é tudo muito giro, mas aqui há AC!" |
Para a longa primeira etapa, sendo que teria companhia, e carro de apoio, iria mais leve, sem os meus sacos, para mais facilmente fazer as tais cerca de duas centenas de quilómetros a um ritmo decente. No carro seguia também o Dentuça, talvez achando que já me aturaria o suficiente na semana que estava para vir. Ou talvez preferindo a companhia das "babes", como ele diria. Conhecendo quem lá estava, não sei se ele se safou com o estilo abusado do costume. Aliás, até hoje não sei bem como lhe foi o dia, a verdade é que ninguém está a falar.
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A caminho do Montijo |
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Mais de 100Km, e ainda há sorrisos |
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Almoço! |
Sem sacos de bikepacking é mais fácil! |
O calor apertava, não havia sombra nem forma de nos esquivarmos ao aperto constante do Sol. Mas tínhamos água e os quilómetros iam passando. A paisagem ia desfilando a um ritmo muito razoável de 26km/h desde o Montijo. Nem a altimetria nem o trânsito chateavam: rolávamos quase sempre em plano, e poucos carros se viam. Apenas tínhamos que lidar com as temperaturas e manter o ritmo. Apenas.
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Suponho que é nesta altura que tenho de vos apresentar, a alguns de vós pelo menos, à figura lendária do Homem da Marreta. Sim, o Homem da Marreta. Trata-se de uma personagem mitológica, tipo um Yeti da estrada nacional, ou um Big Foot das subidas de dois dígitos de inclinação. Não há provas da sua existência, mas não falta quem tenha sentido a sua presença. O Homem da Marreta é um retro-grouch, um ciclista old-school (e mais outros anglicismos que agora não consigo, assim de repente, invocar), um tipo tão duro como um marinheiro do Pequod e com o nível de empatia do Soup Nazi.
O Homem da Marreta espera pacientemente, atrás de uma moita ou a seguir a uma curva apertada, por aqueles ciclistas incautos, que não são rijos o suficiente, que não acautelaram a hidratação, não comeram como deviam, ou simplesmente se aventuraram mais longe do que a sua forma física permitia. E naquele dia, foi o meu caso. Por volta do Km 170, deixei de conseguir ir na roda do João. Tudo ficou penoso e lento e complicado. Não tinha posição na bicicleta, todas as posturas eram incómodas, o meu pé direito inchou e parecia que não cabia no sapato, o meu traseiro perecia que estava sobre umas brasas quentes.
Acho que me voltei a esquecer do protector solar... |
Tudo o que podia fazer era arrastar-me, a velocidades ridículas. E arrastei-me mesmo até ao fim, que para o caso era num monte junto à aldeia de Esperança, a um punhado de quilómetros da fronteira espanhola. Dei por mim deitado no banco de trás do carro de apoio, pois estar de pé era demasiado cansativo, enquanto se discutiam pormenores do jantar que viria a seguir. Eu pensava era em como ia conseguir fazer, já sem sem apoio, os quilómetros que tinha pela frente. Parecia que a minha boca tinha andado a passar cheques que o meu corpinho ia ter sérias dificuldades em pagar.
Fim de dia no Alentejo |
Dia 1. Isaltinistão-Esperança. 201km. (Estrada)