Ecopista do Dão : Bicicleta + Comboio

@ Eu e as minhas bicicletas

Publicado em 12/07/2021 às 10:18

Temas: comboio cp dão ecopista viseu

Andava com esta ideia fisgada há que tempos de pegar em mim e numa das bicicletas e fazer a Ecopista do Dão ali na antiga linha férrea entre Santa Comba Dão e Viseu... e surgiu uma oportunidade de uma escapadinha de fds com o meu primo N, que é como um irmão mais velho, e com quem não tenho passado tempo a não ser em esporádicas visitas. O meu bro V também devia ter vindo, mas "prontos", não deu!

ecopista.jpg

ver info:

-  Ecopista do Dão no site da IP

https://ecopistadodao.pt/

- ver videos no youtube da Ecopista do Dão

Lancei o desafio que foi aceite e começámos a planear com entusiasmo a viagem, com tempo e controlando as evoluções da pandemia e demais restrições neste Verão de 2021.

A ideia era simples, ir no Sábado de manhã de comboio, fazer a Ecopista do Dão de Santa Comba Dão até Viseu, devagar devagarinho que afinal são apenas quase 50kms, de entre as 10h15 a meio da tarde, ficar alojados em Viseu de Sábado para Domingo, jantando lá, dormir, acordar, almoço e rolar de volta devagar devagarinho de Viseu para Santa Comba Dão, para apanhar o comboio de volta.

Eu já tinha ideia de ir de casa apanhar o comboio de bicicleta algures numa estação de Lisboa, para evitar ter de levar o carro, mas o meu primo pelas indisponibilidades ou até ausência de alternativas lá teve de ir de casa de carro até ao comboio em Santarém. Daí seguimos juntos.

Comprámos antecipadamente e com desconto as viagens no site da CP, para garantir o lugar da bicicleta, pois apesar de ser gratuito (que pessoalmente discordo, deveria ser pago mas com muitos mais lugares e de forma a garantir que houvesse oferta e não ficasse ao sabor dos humores dos revisores - no caso dos Regionais e Inter Regionais onde não há possibilidade de compra prévia)... dizia eu, apesar de ser gratuito tem de ser reservado. Nos Inter-Cidades existe um limite de duas bicicletas por carruagem. O que é manifestamente pouco.

Ver info no site da CP.pt

Para ter a garantia do transporte das bicicletas optámos pelos Inter-Cidades, sai de Lisboa às 7h39 e chega a Santa Comba Dão pelas 10h12 de Sábado. A vinda seria Domingo pelas 19h37 chegando a Lisboa pelas 22h22. Há outros comboios, os Inter-Regionais, mas garantia de transporte de bicicleta não há :(

Fiz um pouco mal as contas no Sábado, e demorei quase uma hora de bicicleta de minha casa à Estação do Oriente, pelo que cheguei com o coração a bater forte, e ainda por cima com uma chuvinha molha-tolos irritante. Mas cheguei a tempo, 3 minutos antes, e lá apanhei o comboio a caminho de Santa Comba, apanhando o primo pelo caminho em Santarém!

IMG_20210703_073442.jpg

IMG_20210703_074229.jpg

IMG_20210703_090437.jpg

Chegados à estação de Santa Comba Dão, que não é mesmo em Santa Comba mas nos arrebaldes, não existe nenhuma tabuleta que indique a Ecopista, mas sabendo de antemão e até seguindo outros ciclistas já conhecedores no momento, é indo para o final da plataforma seguindo o sentido do comboio, para norte.

IMG_20210703_102757.jpg

IMG_20210703_102813.jpg

IMG_20210704_181239.jpg

Uma das coisas que aconselho é levarem comidinha, pois não encontrei muita informação sobre cafés ou restaurantes pelo caminho. A não ser que queiram fazer desvios da Ecopista é melhor levarem farnel.

Os melhores spot para comer no curso da ecopista são em Farmilhão e Figueiró, ambos na zona norte. 

IMG_20210703_103024.jpg

A nossa ideia era mesmo ir a conversar, desfrutar, passear, devagar, na natureza, pelo que não tinhamos pressas e horas para cumprir, levámos alguma comida e bebida para estarmos sem necessidade de desvios ou acelerar para os cafés e outros locais de comezaima no caminho mas mais para lá de meio da Ecopista.

O que já tinha visto noutros blogs e videos e fóruns é o mau acesso da plataforma da estação de comboio à Ecopista. Muito mauzito mesmo. Já podiam ter resolvido isto... Uma pessoa com cadeira de rodas esquece, um carrinho de bebé é preciso fazer ginástica... enfim, mau! Ainda são uns 200 a 300 metros disto, terra batida com calhaus soltos e gravinha. Baah! 

IMG_20210703_103535.jpg

Depois de entrar, é rolar! A pendente/inclinação é a subir no sentido Viseu mas quase nem se nota... aliás, nós só notámos à vinda, pois as bicicletas rolavam embaladas com a parca inclinação que não sentimos no dia anterior. Impressionante... não custa nada. 

A Ecopista atravessa 3 concelhos, e cada qual tem a sua cor pintada no pavimento: Azul para Santa Comba Dão, Verde para Tondela e Vermelho para Viseu.

As cores estão desbotadas, sendo que onde tem as cores vivas são os trechos que tiveram manutenção mais recente, mas toda a Ecopista é de piso liso e rolante, não tem troços de terra batida - exceto onde as águas pluviais trazem as areias dos montes que os eucaliptos destroem as terras (enfim).

Tem pontes, tem túneis, tem retas (pequenas), tem cercas, tem vistas largas, tem passagem aberta na pedra, tem árvores com belas sombras, tem partes sem sombras, tem casas e terreólas, tem partes sem viválma, tem rebanhos de cabras, tem aves de rapina - não vimos cães, só ouvimos ao longe.

IMG_20210703_105751.jpg

IMG_20210703_110139.jpg

IMG_20210703_110826.jpg

IMG_20210703_111355.jpg

IMG_20210703_121142.jpg

IMG_20210703_121350.jpg

IMG_20210703_122205.jpg

IMG_20210703_130158.jpg

IMG_20210703_135943.jpg

IMG_20210703_140552.jpg

IMG_20210703_145102.jpg

IMG_20210703_145137.jpg

IMG_20210703_150917.jpg

IMG_20210703_110116.jpg

IMG_20210703_111412.jpg

IMG_20210703_111429.jpg

IMG_20210703_112041.jpg

IMG_20210703_113836.jpg

IMG_20210703_120044.jpg

IMG_20210703_122504.jpg

IMG_20210703_150930.jpg

Pernoitámos em Viseu, na Albergaria Hotel José Alberto, mais ou menos no centro, mas de distância a pé ao centro, onde jantámos e deambulámos (pelo Rossio, Parque da Cidade, mercado, zona da Sé).

Tinhamos previamente validado que podiamos ter espaço para guardar as bicicletas e tudo correu bem!

Simpatia do staff, localização e preço/qualidade muito bom.

IMG_20210703_165314.jpg

IMG_20210703_165724.jpg

IMG_20210704_121823.jpg

IMG_20210704_093501.jpg

Com os COVIDs as unidades hoteleiras tiveram de se adaptar e assim não há buffets para ninguém, escolhes do cardápio e de manhã entregam o pedido. Mas o pequeno-almoço estava bom e simpaticamente indicaram que podiamos repetir o que quisêssemos. 

No dia seguinte era para almoçarmos em Viseu, mas com os planos furados, resolvemos ir andando devagar devagarinho, agora no sentido descendente... e claramente apesar da nossa surpresa a pendente é mesmo muito a descer, mas no dia anterior nem notámos que subíamos tal a suavidade que foi - afinal era a linha do comboio, há muitos muitos anos.

IMG_20210704_125752.jpg

IMG_20210704_131804.jpg

IMG_20210704_134744.jpg

IMG_20210704_135731.jpg

IMG_20210704_140415.jpg

IMG_20210704_150205.jpg

IMG_20210704_151528.jpg

IMG_20210704_140408.jpg



IMG_20210704_170057.jpg


IMG_20210704_125250.jpg

IMG_20210704_140037.jpg

IMG_20210704_142222.jpg

IMG_20210704_150152.jpg

IMG_20210704_150214.jpg

IMG_20210704_161732.jpg

IMG-20210704-WA0012.jpeg

IMG_20210704_163750.jpg

IMG_20210704_171225.jpg


O regresso foi mais rápido, será por irmos embalados a descer para sul seguindo o curso da água?! e rapidamente sem querermos chegámos a Santa Comba Dão onde esperámos pelo IC rumo a Sul e lá fomos de volta a casa com o coração cheio pela companhia um do outro e do passeio pela natureza de forma suave e sustentável. HAPPY DAYS!


IMG_20210704_223247.jpg

IMG_20210704_223522.jpg

Dicas:

- Vão de comboio se puderem, ou até de autocarro; Comprem bilhetes para reservar o transporte de bicicleta, não arrisquem, pode correr menos bem;

- Façam em um fim-de-semana, ida no sábado e volta no domingo, devagar e sem pressas, sozinhos, com amigos ou família;

- Levem comida e água, não há lá muitos locais para refeições pelo caminho; os que há são já mais para meio em diante na parte de Tondela e de Viseu;

- Primavera ou Outono é capaz de ser melhor, nós apanhámos um dia de Verão muito ameno, mas com calor deve ser chato de fazer;

- Have fun! Ride bikes!

 

A outra pandemia

Ana Pereira @ Cenas a Pedal

Publicado em 1/07/2021 às 20:53

Temas: Causas Crónica Acidental Eventos Leis e Códigos Notícias Pessoas Políticas Segurança Web e outros Media políticas públicas sinistralidade sustentabilidade

Esta sou eu. E esta é a minha bicicleta. Estávamos no final de Janeiro de 2019.

Eu tinha pouco tempo antes caído ao chão depois de ficar suspensa no ar, após a minha bicicleta ter sido empurrada para a frente e para cima, por baixo de mim, por um carro, vamos chamar-lhe carro Z.

A condutora do carro, uma rapariga ainda jovem, seguia atrás de um outro carro – vamos chamar-lhe carro Y, sem guardar a distância de segurança adequada.

O condutor do carro Y aproximou-se de mim, por trás, e mudou de via repentinamente (não sei se terá ou não sequer colocado o pisca), quando viu um espaço na corrente de tráfego da via adjacente, mas já muito próximo de mim.

Resultado? A condutora do carro Z só me viu quando já vinha a poucos metros atrás de mim e sem indicação prévia nenhuma ou expectativa de vir a deparar-se com algo que a obrigasse a abrandar de repente (era uma ligeira subida e eu devia seguir a qualquer coisa à volta de 15-20 Km/h). Diria que é provável que ela e o condutor do carro que, segundos antes, seguia entre nós, circulassem a qualquer coisa entre os 40 e os 60 Km/h. Penso que não mais que 70 Km/h, e certamente não menos que 35 Km/h.

É muito provável que a minha sorte (de ela não circular a maior velocidade, não ter desviado o olhar para o rádio ou outra coisa no instante crítico, não estar a conversar com alguém no carro ou ao telemóvel,… e ter tido reflexos rápidos ao travar) tenha sido amplificada pela minha posição na via, mesmo diretamente em frente da condutora (posição à esquerda da primária), se estivesse desviada para a direita podia ter sido detectada uma fração de segundo mais tarde que poderia ter feito muita diferença no resultado da colisão.

Travou e, embora ainda colidindo com a minha bicicleta, conseguiu imobilizar o carro sem me chegar a bater no corpo. Mas tirou a bicicleta de debaixo de mim, o que me levou a cair no chão, anca e pulso levando o primeiro impacto com este.

Sentei-me no chão e esperei. Esperei arrefecer e confirmar que estava tudo bem (a adrenalina mascara ferimentos). Liguei ao Bruno. Liguei ao 112 a pedir a polícia e a dispensar ambulância. Esperámos eternidades pela polícia… Vieram.

Fizeram-nos a ambas o teste de alcoolemia. Preencheram um auto de ocorrência. Nós as duas preenchemos a declaração amigável. E fomos todos embora. Nunca tinha estado envolvida numa colisão veicular, nem a conduzir bicicleta nem carro, foi a minha estreia a lidar com o processo associado e a ver como funciona o sistema.

No meio do azar, tive muita sorte. Não me feri. Fiquei ligeiramente dorida na anca e na mão, e parecia que tinha um torcicolo durante uns tempos, mas passou. Não fiquei sequer um dia sem poder trabalhar ou fazer a minha vida normal. Não tive sequelas algumas. Fiquei apenas sem a minha bicicleta por um mês ou dois, até poder ser reparada. E perdi algum tempo a tratar do processo com a seguradora do carro Z, a Fidelidade, que inicialmente também não queria assumir a despesa com o aluguer de uma bicicleta de substituição, como é obrigada por lei, e levou uns 5 meses e alguma pressão, a fazê-lo.

Tinha 38 anos acabados de fazer, e estava grávida de uns 2 meses.

Sobrevivi incólume, tal como o feto, e nada disto afectou o decorrer da gravidez. E não deixei de andar de bicicleta – continuei a fazê-lo até ao dia do parto, não reduzi o seu uso, não fiquei com medo de andar de bicicleta.

Não há razão para deixar de usar a bicicleta no dia-a-dia numa gravidez saudável, e é mais fácil e agradável que andar a pé!

Nos últimos 30 meses, apesar de duros em muitos aspectos (pós-parto, vida com um bebé, pandemia e seus efeitos na vida quotidiana, no trabalho, e nos relacionamentos, na saúde física e mental, etc), tive o privilégio e o prazer de ver o meu primeiro filho a crescer (primeiro neto dos meus pais, primeiro sobrinho dos meus irmãos), de brincar e rir muito com ele, de abraçar novos projetos, de trabalhar com amigos em coisas fixes para melhorar a vida na cidade e juntar pessoas, de produzir coisas com impacto positivo no mundo, de conhecer pessoas novas e lançar pontes para projetos futuros que me dão ânimo e ganas de continuar, de ajudar dezenas de pessoas a aprenderem a andar de bicicleta, de estar com a minha família, de andar de bicicleta (ah, a bicicleta, sempre a salvar a minha saúde mental em todas as situações!),… de viver, com gratidão, amor, sonho e saúde.

Num dos 3 primeiros parklets de Campolide, a inaugurar brevemente. Foto: A Mensagem

Mas podia ter sido tudo muito diferente. Lembro-me bem da cara do Bruno ao chegar junto de mim. Parecia que tinha visto um fantasma. E podia ter visto…

Lembro-me do semblante dele quando penso no companheiro de vida, nos pais, familiares e amigos da Patrizia Paradizo.

Foto: Facebook Patri Paradizo

Tinha 37 anos, estava grávida também, e foi morta no sábado passado na Avenida da Índia, pelo condutor de um carro que a abalroou por trás também, sem justificação aceitável ou compreensível.

“Encandeado pelo sol” não é justificação, pois não podemos circular a uma velocidade superior àquela que nos permitiria imobilizar o carro em caso de necessidade, dadas as condições de visibilidade e outras. Encandeado pelo sol é código desculpabilizante para “ia depressa demais”.

Artigo 24 do CE

1 – O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.

Fonte: Américo Silva

O carro destruiu a traseira da bicicleta e embateu com violência no corpo da Patrizia, só se imobilizando cerca de 25 metros a seguir ao local onde o corpo da Patrícia tombou. Ela morreu no hospital nesse mesmo dia.

Que dor horrível.

E que angústia tão grande pela absoluta estupidez e evitabilidade de tal morte.

E que frustração por perceber, ao iniciar a escrita deste texto, que eu já tinha dito tudo, quase exactamente 1 ano antes, a propósito da morte da Ana, atropelada ao atravessar a estrada numa passadeira semaforizada. E o que é que mudou? Globalmente, nada.

Andamos todos, e justamente, angustiados com as pessoas que perdemos por causa de doenças, do corona virus, e das outras entretanto deixadas menos atendidas no meio da urgência da covid, e lançamo-nos convictos às soluções que as previnem, à medida que a ciência as descobre. Mas para esta doença, o car-owner-virus, o automobilismo agudo, crónico, que mata, estropia e asfixia milhares de pessoas anualmente, há décadas, rejeitamos a cura e rejeitamos qualquer medida de prevenção do contágio. Negamos até que seja uma doença real.

O “complexo industrial automóvel” é um parasita capaz de alterar a mente dos seres humanos. Não controla só os nossos corpos, controla a nossa mente e o nosso comportamento.

Sim, os insectos sofrem com parasitas destes, mas nós temos as nossas versões também…

Zombies may still be a thing of fiction, but some parasites more or less turn their hosts into the walking dead.

These masters of mind control manipulate their hosts from within, causing them to act in self-destructive ways that ultimately benefit the parasite. (Read “Mindsuckers” in National Geographic magazine.)

“Some parasites can alter the behavior of their host in ways that give the parasite a better home, or provide more nutrients, or cause the host to move to a different environment,” said Janice Moore, a biologist at Colorado State University in Fort Collins.

This strategy seems to work, she added: “A parasite that can alter the behavior of its host, and in doing so improve its own transmission, is going to be favored by natural selection,” she said. (See “World War Z: Could a Zombie Virus Happen?“)

Não acreditam que a indústria automóvel e o carro como objeto seja um parasita alterador da mente? Que outra explicação há para que destruamos o nosso habitat, a ponto de pôr em risco a nossa própria sobrevivência (já nem falo da qualidade de vida…), que preferamos servir melhor as suas necessidades básicas do que as nossas próprias, e em particular as dos nossos filhos (que perderam o direito à rua e à natureza e a uma infância equilibrada), e que sacrifiquemos tudo e todos para que a sua propagação seja a maior e a mais fácil possível?

Eu não quero viver num mundo em que estão 50 ºC lá fora regularmente. Ou furacões. Ou cheias e tempestades… Gosto mais de viver num mundo lindo e habitável do que de andar de carro em deslocações perfeitamente exequíveis em bicicleta, a pé e de transportes públicos…

O carrocentrismo rouba-nos a empatia pelos outros seres humanos. Morrer a andar de carro, numa colisão com outro carro, por culpa nossa ou do outro condutor, é uma tragédia e toda a gente fica condoída. O excesso de velocidade é pecado partilhado coletivamente, ficamos com muita pena quando uma de nós morre por causa disso, dizemos RIP, e seguimos com a nossa vida sem alterar nada. Morrer a andar de bicicleta ou a pé, numa colisão com um carro, causada pelo condutor desse carro, é sempre culpa nossa, porque não temos juízo de saber evitar estradas onde haja pessoas a conduzir de forma perigosa e ilegal, porque “gente como nós” comete infrações, etc, etc, etc. #victimblaming

O carro é sagrado. É santo. O carro não erra. O carro não perdoa, não pede desculpa, não cumpre penitência. Se o carro teve um deslize é porque foi provocado, a culpa é sempre da vítima, se não ia dentro de um carro também, ou então um azar.

Alguém questionou o direito do condutor que morreu neste outro sinistro a circular onde circulava sem ser morto por outro condutor a circular de forma perigosamente irresponsável, como questionam a Patrizia?

Lembram-se da mulher que atropelou outras 3 mulheres, no Terreiro do Paço, depois de se despistar quando circulava a 120 Km/h, mesmo no meio da cidade, numa zona com obras e limite de velocidade de 30 Km/h?

Matou duas delas e feriu e incapacitou para toda a vida a mãe de uma das que morreu. Vejam aqui, aqui, aqui, aqui, e daqui até e tirem as vossas conclusões. Pelos vistos, era uma pessoa normal, como qualquer um de nós. E pelos vistos, era humana e a sua vida foi afectada negativamente pelo sinistro horrífico descrito como cenário de atentado à bomba. Temos medo de ser vítimas, devíamos ter mais (para agirmos de forma diferente quando estamos no papel de potenciais carrascos, pelo menos!). Mas devíamos ter muito mais medo de ser carrascos do que temos…

64. The Driver

Deveria ser escusado vincar que por muito sofrimento e perdas que o papel de carrasco possa trazer ao próprio, não se aproxima do sofrimento causado às suas vítimas… Mas é só para lembrar que somos todos vítimas do complexo industrial automóvel, de diferentes maneiras.

Liguei ontem à outra condutora a confirmar o que já deduzira. Não chegou a ser autuada por não ter deixado distância de segurança adequada. Teve um agravamento do seguro. Pagou 150 € no trimestre seguinte, mas quando iria começar a pagar mais 100 € por ano, simplesmente mudou de seguradora…

A outra condutora foi impecável em todo o processo, diga-se. Zero razões de queixa. Não lhe conseguia desejar uma multa, foi sempre uma querida. Mas é inacreditável como nem sequer isso teve, mesmo tendo abalroado uma mulher grávida a circular de bicicleta no centro da cidade. Duas categorias de “utilizador vulnerável”, conforme previsto e “protegido” pelo Código da Estrada desde 2013, numa só pessoa, e praticamente zero consequências.

Artigo 18

O condutor de um veículo em marcha deve manter entre o seu veículo e o que o precede a distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste, tendo em especial consideração os utilizadores vulneráveis.

Quem infringir o disposto nos números anteriores é sancionado com coima de € 60 a € 300.

Artigo 145

1 – No exercício da condução, consideram-se graves as seguintes contraordenações:
ff) O desrespeito das regras e sinais relativos a distância entre veículos, (…)

A legitimação da violência automóvel, como a da violência doméstica, ou a da violência policial, pelo menos para pessoas racializadas, é transversal à nossa sociedade e infecta igualmente os mais altos funcionários do Estado que esperaríamos trabalhar para nos proteger a todos dela.

Fonte: Jornal da Madeira. Conduzia com mais de 1,54 gramas por litro de álcool no sangue, atropelou com violência extrema uma pessoa numa passadeira, e fugiu sem prestar auxílio. A pessoa atropelada morreu. Pena? 480 horas de trabalho a favor da comunidade, 720 euros de multa, e proibição de conduzir veículos motorizados durante 1 ano.

Marcha de urgência ilegítima e passar um sinal vermelho a alta velocidade no centro da cidade, com colisão e feridos, incluindo um com gravidade? Motorista condenado a 21 meses de pena suspensa e 21 meses sem conduzir automóveis – passageiros, seus patrões efectivamente, nada.

Recentemente, o MAI volta a envolver-se num sinistro, este com um morto, uma pessoa a pé a realizar trabalhos de manutenção na A6. Desta vez era o próprio ministro da Administração Interna que seguia como passageiro no carro, conduzido pelo seu motorista, tudo indica a grande velocidade (200 Km/h seria a velocidade média estimada…).

Essa legitimação e a consequente falha em combater tal violência é um reflexo e um resultado dessa infecção dos órgãos mais altos da sociedade dedicados não a manter-nos a todos livres da violência automóvel, mas simplesmente a observá-la, medi-la e analisá-la superficialmente, e informar regulamente o resto da sociedade de quantas pessoas é suposto aceitarmos que morram ou tenham as suas vidas destruídas, para que possamos continuar a acomodar e a propagar esta infeção da automobilidade aguda.

Portugal aparece em branco neste mapa global interativo de vilas e cidades com zero mortes no trânsito.

E quando vêm com aquela treta da cultura…Olhem, os espanhóis não estão assim tão distantes de nós culturalmente, e não deixam de ter melhores exemplos que nós. Lembram-se da conversa recente do presidente da câmara de Pontevedra n’A Brasileira?

Lendo e ouvindo as várias entrevistas, é claro que o facto de ele ser médico ajudou a este resultado. Ele foi capaz de reconhecer a doença, o agente causador, e reduzir a sua presença na cidade (em volume e velocidade) a níveis compatíveis com a vida.

Segundo a ANSR, em 2020, 63 % das infrações fiscalizadas (não de todas as infrações, mas aquelas que foram fiscalizadas) foram de excesso de velocidade. Segundo eles, em 2019 toda esta violência custa-nos a todos 3.714 milhões de euros, o que equivale a praticamente 1,6% do PIB Nacional. Comparem com a covid e percebem que isto é uma pandemia ainda pior, que toleramos como se não houvesse vacina, há décadas. E isto é só o custo da sinistralidade, não é o custo em construir e adaptar o país todo para o uso intenso e generalizado do carro, altamente subsidiado…

O último relatório de sinistralidade que ainda trazia alguma informação sobre as potenciais causas dos sinistros foi o de 2018, os seguintes já não incluem isso. Mas sempre me lembro, todos os anos a ler relatórios, de achar “não consigo tirar informação nenhuma útil daqui”.

E porque é que estamos aqui? Por isto:

Somos uma nódoa a fiscalizar e punir infrações de trânsito (ver aqui e aqui). Aqui em Portugal isso é logo apelidado de “caça à multa” em vez de eficiência e eficácia na prevenção de perdas humanas e económicas. *sigh*

A Patrizia morreu esta semana, de forma violenta. Andar de bicicleta é demasiado perigoso, não é melhor deixar de o fazer? Pelo menos onde a malta costuma conduzir carros de forma mais perigosa?

Não, não é melhor deixar de o fazer, por várias ordens de razões.

Deixar de ir de bicicleta e ir de quê? De carro? A pé? O risco de morte por sinistro por hora de exposição é similar, por isso seria ilógico trocar um pelo outro por essa razão.

Deixar de ir pelas ruas onde a malta anda mais depressa? A malta anda depressa em todo o lado onde e sempre que não haja grandes congestionamentos automóveis ou medidas físicas de acalmia de tráfego, não sei se já repararam… Além disso, as grandes avenidas são frequentemente as rotas mais diretas, rápidas e fisicamente confortáveis (mesmo que não psicologicamente), e isso é muito importante para a função transporte, não é por ir de bicicleta que posso dar-me ao luxo de gastar mais tempo do que o necessário a deslocar-me no dia-a-dia. Por outro lado, sabem o que é que acontece quando removemos os veículos mais lentos das estradas que temos? Aumentamos a velocidade dos mais rápidos que lá ficam e, logo, o perigo rodoviário. As bicicletas funcionam intrinsecamente como pace cars. Quando as tiramos da estrada e as metemos em ciclovias ao lado, ou noutras ruas, ou arrumadas nas varandas, aumentamos a velocidade dos carros. Percebem a lógica aqui?… Não vou contribuir para isso, vou continuar a usar as vias que melhor me servirem consoante a natureza da deslocação e os critérios que forem mais importantes para mim naquele momento, e no processo, humanizar a cidade, e fazer priming aos outros condutores para esperarem bicicletas ali. Precisamos é de mais bicicletas nestas avenidas, e mais carros conduzidos de forma responsável.

Deixar de ir de bicicleta e passar a usar o carro no lugar desta? Nah, demasiado stressante de conduzir, sempre com medo de matar alguém, ou de ser morta pelo condutor de outro carro, sempre em alerta para contrariar todos os sinais que o ambiente à minha volta me envia constantemente para andar mais depressa do que é realmente seguro e responsável e ético, a angústia de estar a contribuir para os problemas de poluição e saúde pública, esgotamento de recursos naturais, alterações climáticas,.. Não quero isso para a minha vida quotidiana, já basta nas poucas ocasiões quando tenho “mesmo” que ir de carro. E o sedentarismo? E o tempo perdido no trânsito? Para quê sujeitar-me a tal coisa?…

Se tenho medo de morrer a andar de bicicleta? Morrer todos morremos, não temos muito controlo sobre isso, doenças, acidentes, conflitos, tanta desgraça que pode acontecer-nos… Mas temos controlo sobre como vivemos. E eu quero viver andando de bicicleta, dá-me imenso prazer, mantém-me feliz e saudável e não prejudica ninguém. Deixar de andar de bicicleta e de beneficiar de tudo e do tanto que ela me dá TODOS OS DIAS (a função transporte é só uma parte) por medo de morrer era uma espécie de morte em vida e recuso-me a tal coisa. Estou certa de que a Patrizia concordaria comigo, e também por ela, vou continuar a fazer aquilo que me faz feliz, enquanto posso.

Foto: Facebook da Patrizia Paradizo

Quero viver e ter liberdade para o fazer nos meus próprios termos. Mas realmente agradecia muito se quem deseja viver de outra maneira diferente o possa fazer sem me matar a mim ou aos meus, pelo menos tão diretamente como numa colisão, é demasiado bárbaro… E por isso, amanhã, um ano depois da da Ana, teremos uma vigília pela Patrizia, e hoje várias associações emitiram um comunicado. Por esta ideia revolucionária: ‘bora não nos matarmos uns aos outros, pelo menos quando nem sequer queremos realmente matarmo-nos uns aos outros…

Queremos cidades construídas para as pessoas andarem à vontade, não para os carros andarem à vontade.

Queremos polícias e tribunais que fiscalizam e punem eficazmente as infrações que causam os sinistros graves.

E queremos censura social sobre o bullying veicular.

Por cidades onde a morte não seja um efeito colateral normal de nos movermos nela, seja lá qual for a forma em que escolhermos fazê-lo.

Duas fotos, duas situações parecidas, duas histórias diferentes, só uma delas pôde continuar a ser escrita. Velocidade a mais, vida a menos!

Está na hora de agir. Comecemos por demonstrar essa vontade marcando presença na vigília deste sábado.

 

No País dos Rodinhas Tudo Corre Sobre Rodas

@ Lisboa Bike

Publicado em 30/06/2021 às 20:19

Temas: activismo ditadura do automovel

CE7F9181-A9B7-4C4A-B7C6-9F68919B7A02.jpeg
DR


Não costumo falar destas coisas, mas esta situação é demasiado triste e acontece demasiado perto de casa, literalmente. Para mais, acabado de regressar de uma viagem pelo país vizinho, que penso trazer em breve a estas páginas, há realidades que saltam à vista e têm que ser mencionadas.

Em primeiro lugar, as minhas sentidas condolências e uma palavra de apoio para os familiares e amigos da Patrizia Paradiso, a ciclista abalroada por um automobilista na Marginal no fim de semana passado. Quando falamos destas coisas, é fácil passar rapidamente para as questões prácticas, técnicas e até morais da discussão. Nunca será demais lembrar que se extinguiu uma vida, ou duas neste caso, já que a Patrizia se encontrava grávida. Talvez por isso, e por se tratar de uma jovem académica, e uma pessoa que parecia ter muito para contribuir para a sociedade, tem havido um maior interesse mediático neste caso. Pensem na tragédia que este acidente significa, para os familiares, os colegas, os amigos da Patrizia. O impacto que terá nas próximas semanas, meses e anos das suas vidas.

E no entanto, lendo sobre o assunto, e sobre a temática em geral, somos imediatamente recordados que como estas coisas são tratadas em Portugal. É como se existissem uma série de consensos à priori, que moldam invariavelmente a discussão. Quem ler como a comunicação social aborda estes temas, encontra sempre dois elementos em comum:

  • Uma vontade irresistível de culpar a vítima. Ou pelo menos os ciclistas em geral. Porque "eles" saltam vermelhos, não usam luzes, não usam coletes reflectores, não circulam suficientemente encostados à berma, etc. (No fundo, porque existem).
  • A mesma vontade de desculpar o automobilista. Porque a estrada era estreita. Porque havia má visibilidade. Porque a diferença de velocidade era muito grande. Porque as condições climatéricas eram más, etc. (No fundo, porque não têm culpa que "eles" existam).

Os próprios ciclistas, que, recordemos, são na maioria das vezes também automobilistas, se dividem. Por exemplo, os apologistas da obrigatoriedade do uso do capacete parecem sentir um alívio intenso, se souberem que a vítima em causa não levava capacete. Assim podem viver na ilusão de estarem eles próprios completamente seguros, sempre que saem para a estrada com um pedaço de esferovite na cabeça. 

Há um par de semanas eu cruzei uma obscura fronteira no Alentejo e entrei na Extremadura Espanhola. Imediatamente me senti brindado por uma tremenda "cortesia" por parte dos automobilistas locais. A distância lateral que 95% deles me davam durante as ultrapassagens era, parecia-me, gigantesca. Um luxo, pensava eu. Toda a viagem me senti incrivelmente seguro, mesmo que não se visse nem mais um ciclista por aquelas paragens. Em Portugal, mesmo em zonas onde os ciclistas são presença habitual, as razias ao meu guiador são um acontecimento frequente. Ninguém é penalizado, e os automobilistas parecem desfrutar de "apertar" com o ciclista. 


718462E5-BAE9-4097-9D5E-59286650EFF9_1_201_a.heic
A sinalética não abunda por cá, mas as regras são as mesmas


Passados um dias, e pensado sobre o assunto, constatei o obvio. Aqueles automobilistas, de uma das zonas mais pobres e de menor nível educativo do país vizinho, note-se, estavam apenas a cumprir a lei. Sim, porque a lei exige que se abrande e se guarde pelo menos 1,5 metros de distância lateral ao ultrapassar um velocípede. Idéntica legislação existe em Portugal. Mas os portugueses ignoram ou desprezam o código da estrada, e as autoridades não se interessam minimamente por garantir o seu cumprimento. 

Eu passo com alguma frequência no local do acidente da Patrizia, pois vivo muito perto. O limite de velocidade são 50Km/h. Não sendo ideal, e tendo bastante trânsito, não considero a estrada em si perigosa, afinal é plana, com bom piso e boa visibilidade. Sim, as faixas de rodagem são estreitas, como acontece em toda a N6, mas há duas para cada sentido. Por isso mesmo, os automobilistas deveriam mudar de faixa para realizar a ultrapassagem a um ciclista. O código da estrada a isso obriga. Mas o facto é que a maioria das pessoas da zona não se dá a esse trabalho. Menos ainda abrandam. Perderiam um par de segundos e não estão para isso. Muitos circulam em excesso de velocidade. Não poucos limitam-se a poupar a vida do ciclista no último momento, passando a uns míseros centímetros do guiador. 

É tão simples quanto isto: o condutor que atropelou a Patrizia é objectivamente um homicida negligente, era sua obrigação garantir que podia parar em segurança se algum obstáculo lhe surgisse na faixa de rodagem, e devia igualmente garantir que no caso de uma ultrapassagem, esta seria efectuada a baixa velocidade e garantindo uma distância mínima lateral de 1,5 metros do velocípede. Tal não aconteceu, e agora ele é responsável por uma tragédia. Pouco há para discutir neste caso. Como é obvio, este condutor deveria estar neste momento detido, aguardando uma investigação, mas duvido muito que seja o caso. 

Duvido mesmo, por experiência, que este homem venha a ser punido de alguma forma concreta ou sequer simbólica. E é esta ausência de qualquer castigo, qualquer responsabilização, tão portuguesa por sinal, que garante que continuarão a existir estes casos. Porque no fundo basta dizer "não vi" ou "aconteceu tudo muito rápido" e os culpados vão para casa, deixando um rasto de morte e destruição atrás de si. Não é falta de legislação, não é falta de ciclovias segregadas, é a actitude irresponsável de uma enorme fatia da população, que inclui a elite política e o poder judicial, para quem mobilidade é igual a automóvel e para quem as bicicletas são uns brinquedos incómodos, que devem simplesmente sair do caminho, como por magia, quando o veículo dos adultos se aproxima.

 


Pouco mudou. Este é uma país de rodinhas, onde as pessoas persistem em ir a todo o lado de automóvel, e consideram ter uma espécie de direito divino de nunca abrandar e ter lugar de estacionamento garantido a 10 metros do destino. Demasiados cidadãos olham para o mundo a partir desta visão provinciana do novo rico que adora o seu brinquedo mais caro. Um país onde por sistema se ignoram os limites de velocidade, impunemente. Onde diariamente se estaciona de qualquer maneira, em cima de passadeiras, de passeios, bloqueando a passagem em ciclovias, sem consequências. Onde uma enorme fatia da população não sabe, não conhece, não concebe outra forma de deslocar-se que não seja recorrendo ao automóvel. Assim é muito difícil ter uma discussão construtiva. O nível de ignorância em relação à temática dos modos suaves é demasiado grande. 

Num país de analfabrutos, patos bravos, rufiões e chicos-espertos, andar de bicicleta na via pública é de facto arriscado. Mas não será por culpa da legislação, nem sequer da infraestructura, (embora muito se possa fazer neste capítulo) e muito menos dos ciclistas.

 

Ecopista Guimarães – Fafe: longe da vista, longe do viajante

@ Bicicleta na Cidade

Publicado em 28/06/2021 às 18:42

Temas: Bicicultura Notícias e Reportagens Para além de Lisboa Segurança trajecto Vídeos

Este artigo faz parte de um conjunto de textos sobre as Ecopistas de Portugal – projecto para o desenvolvimento de caminhos para bicicletas e peões através do aproveitamento de linhas ferroviárias desactivadas – servindo como base para uma análise mais aprofundada do potencial destas infraestruturas. Discute-se o seu uso do ponto de vista da bicicleta e não ferroviário.

IMG_4876.JPG
Casas, campos agrícolas e um acesso privilegiado

Chegando à estação de comboios de Guimarães, esperava encontrar algum vestígio da linha que até 1986 dali partia em direcção a Fafe. A estação fora entretanto substituída por uma nova, construída mais à frente, terminando agora numa parede de betão atrás da qual um parque de estacionamento automóvel e uma rotunda separam a moderna infra-estrutura de um terreno verde de erva pujante, onde só a ausência de edifícios deixa imaginar que por ali, em tempos, terá passado um comboio.

A Ecopista de Guimarães faz parte do Plano Nacional de Ecopistas criado em 2001 pela então REFER Património, gestora da rede ferroviária, agora denominada IP Património. O plano foi criado “tendo em vista a requalificação e reutilização das linhas e canais ferroviários sem exploração”, pode ler-se no site da empresa, onde o trajecto entre Guimarães e Fafe é anunciado como parcialmente concluído – de um total de 21 quilómetros, pouco mais de 14 estão finalizados.

Entrada pelas traseiras


No posto de turismo da cidade que foi a primeira capital do país explica-se como chegar ao local onde a via começa. Os mapas disponíveis para oferecer aos visitantes estão circunscritos a uma zona mais central da cidade e o guia precisou de recorrer a um exercício de imaginação para me ilustrar o que faltava do caminho. Perguntei o que tinha acontecido à parte da linha que saía da estação e atravessava a cidade antes de começar a subida à Penha. “Já não existe”, foi a resposta dada num tom simpático, como é tudo aqui.

A Penha é o nome do monte que os primeiros quatro quilómetros de linha serpenteavam para alcançar o seu topo, cerca de 150 metros acima da estação, deixando para trás a cidade e, ao mesmo tempo, proporcionando uma vista panorâmica sobre ela. Um artigo publicado na revista Ilustração Portugueza aquando da inauguração da linha em 1907, dá conta do que se podia observar à época:

Sae esta nova linha da estação de Guimarães agarrando-se ao magestoso monte da Penha, encimado com a estatua de Pio IX e um pittoresco hotel, e, durante quatro kilometros, sempre subindo, vae-nos mostrando soberbos panoramas que se estendem desde a cidade de Guimarães até às alturas do Sameiro. Rodeado um contraforte do monte da Penha, entra-se então no extensissimo valle de S. Torquato.

IMG_4875.JPG
Vista para o Vale de São Torcato

Hoje, este troço do percurso faz-se por uma alternativa menos sonante, a antiga Estrada Nacional 101, que foi transformada nas ruas Padre António Caldas e da Cruz da Argola depois de construída a sua variante. Tem a vantagem de encurtar a distância e os senões de ser mais íngreme e de ter trânsito motorizado pouco afeito à partilha com ciclistas. A vista até pode ser boa mas a falta de sinalização que indique o início da ecopista e o movimento rodoviário constante convidam pouco à contemplação. A primeira indicação da “pista de cicloturismo” aparece somente para assinalar a saída desta estrada, voltando a surgir a partir daqui sempre que é necessário mudar de direcção. Quando em recta, mesmo passando por rotundas e outras junções, não há qualquer placa indicativa, o que só aumenta a ansiedade do ciclista durante a subida... ter-me-ei enganado no caminho?

É nas traseiras de uma fábrica do sector têxtil que se entra na ecopista, assinalada com um pórtico metálico de dimensão um tanto ou quanto exagerada, como que tentando devolver o prestígio a algo importante, sem dúvida, que porém se esconde nas traseiras de uma fábrica. Rapidamente se esquece tudo isto quando se olha para o vale que preenche a paisagem à esquerda.

Chamar-lhe “pista” adequa-se, mas não devia


A construção desta linha de comboio tornou-se viável financeiramente após uma revisão do traçado que permitiu eliminar dois túneis inicialmente previstos. O plano nunca concretizado era, a partir de Fafe, fazer a ligação com as linhas do Tâmega e do Corgo, aproximando o Minho e Trás-os-Montes, até à cidade de Chaves.

Após o encerramento do serviço ferroviário, a Câmara Municipal de Fafe foi a primeira a converter o canal em pista de cicloturismo, como lhe chamam na placa que assinala a sua inauguração em 1996. Seguiu-se-lhe o município de Guimarães, três anos depois, que a completou até ao local onde ainda hoje principia.

Em bom estado de conservação está o asfalto, que é acompanhado por uma linha branca que percorre todo o trajecto, um traço continuo que dificilmente cumpre a função de proibir a transposição da via de circulação porque, numa faixa com estas características, tal regra é desnecessária e até contraditória desde logo porque é partilhada por ciclistas e peões, recomendando ultrapassagens com alguma distância lateral. Uma despesa em tinta que poderia ser poupada sem que a segurança dos utilizadores fosse afectada.

Nalguns troços vemos rails de protecção lateral iguais aos das autoestradas, estes sim uma ameaça à segurança dos ciclistas. O que é bom para os automobilistas, como estes são, pode transmitir uma falsa sensação de segurança a quem tem o corpo exposto em caso de embate ou queda e estes rails, que deveriam ser almofadas, são antes facas sem gume.

IMG_4882.JPG
Rail de protecção lateral e pórtico
IMG_4878.JPG
Cruzamento com uma estrada











Um trabalho realizado pela Universidade do Minho em 2001 aponta todos estes pormenores, colocando a tónica na segurança dos ciclistas e na sua fruição do percurso – aspectos que se interligam, obtendo-se um por via do outro. No artigo são referidas medidas que permitiriam transformar este canal num verdadeiro corredor verde, o que, apesar de algumas melhorias, ainda está por concretizar. Percebe-se que a escolha das protecções laterais teve como principal preocupação impedir o acesso de veículos motorizados à ecopista mas, conspicuamente, todos os equipamentos obedecem a uma linguagem rodoviária e não de ciclovia, como também é notado nesta passagem:

Estes elementos estruturantes (...) não devem reflectir o aspecto, dimensões, ou tipo de material usados standardizadamente nas estradas. Deve-se implementar uma imagem própria à ciclovia (...). A título de exemplo, as velocidades inerentes a velocípedes justificam sinais de menores dimensões, que não têm que ser de tão rápida percepção como a sinalização de estrada.

Tudo isto se torna pouco importante quando se olha em volta a vista imensa. É, todavia, justamente esse o motivo que deve orientar a escolha de soluções, permitindo uma distracção segura e desejável em vez de iludir na segurança ou fantasiar com estradas como as dos automóveis, como se as vias para bicicletas fossem uma brincadeira infanto-juvenil. Nunca foram.

IMG_4879.JPG
Estação de Paçô Vieira, concelho de Guimarães
IMG_4891.JPG
Estação de Cepães, com esplanada, concelho de Fafe











O que pode ser melhorado


A remeter para algum outro imaginário que não o de uma via para ciclistas e peões, a ecopista deverá valorizar o património ferroviário e relembrar ao viajante a história deste canal e o porquê dele existir. Dificilmente se cortariam montanhas e fariam taludes, túneis e pontes como aqui se fosse para criar de raiz um corredor verde. Esta via e o seu suave declive existem porque em tempos passaram por aqui comboios fumegantes.

IMG_4889.JPG
Ciclovia do Parque da Cidade, Fafe
Contudo, para dar maior coerência a esta via, é necessário prolongá-la em ambos os sentidos. Se em Fafe a ecopista já tem continuação através de uma ciclovia que convida a entrar na cidade, penetrando no parque verde até chegar a uma praça central, poderia daí continuar cumprindo o projecto original de ligar a Chaves e aproximar o Minho e Trás-os-Montes.

Do lado de Guimarães, duas opções estratégicas: prolongar a pista até à estação de comboios pelo troço original e, enquanto isso não é feito, melhorar a sinalização a partir do centro da cidade. Vamos por partes.

A primeira impressão com que se fica, olhando para o edificado, é que o canal ferroviário foi ocupado pela expansão urbana, o que também é sugerido pela demolição de um antigo apeadeiro nesta zona. Felizmente, olhando atentamente para a vista de satélite e confrontando-a com um antigo mapa, percebe-se que o corredor permanece livre, nuns casos abandonado às ervas, noutros transformado em arruamentos, como é o caso da Avenida Rio de Janeiro. A engenharia do início do século XX tem tudo para poder voltar ao serviço, proporcionando agora uma suave subida aos ciclistas.

Via+circular.JPG
O troço entre a estação e o início da ecopista em Guimarães, a tracejado. Fonte

De acordo com as normas de sinalização vertical, uma placa cor-de-laranja, como a que indica a pista de cicloturismo, refere-se a equipamentos desportivos e estes, normalmente, existem num lugar concreto, como um hipódromo, um autódromo ou um ringue de patinagem. Contrariamente a esses equipamentos, esta pista de cicloturismo une duas cidades por meio de uma via sem tráfego motorizado e isso deveria estar inscrito na sinalética, com outra cor de fundo e, sobretudo, contendo a informação da localidade para onde segue e a respectiva distância, fundamental para quem se desloca de bicicleta.

placa+sugesta%25CC%2583o.jpg
Uma humilde sugestão gráfica do que pode estar inserido na sinalética

Enquanto esta pista for tratada como um equipamento desportivo e não como uma via de circulação, ficará por explorar o potencial turístico e patrimonial que a Ecopista Guimarães – Fafe em si contém. Ligá-la à estação de comboios trará mais visitantes, desde que devidamente anunciada e sinalizada, na estrada e nos mapas. Continuá-la de Fafe até Chaves, através de um corredor verde, deve ser visto como um investimento estratégico e o corolário de uma ideia com mais de 100 anos.


 
A última viagem do comboio

 A ecopista actualmente
 

Aprender a pedalar - como se ensina e como se aprende a andar de bicicleta

@ Bicicleta na Cidade

Publicado em 28/06/2021 às 18:28

Temas: Bicicultura Jornal Pedal Notícias e Reportagens Para além de Lisboa Segurança

Texto originalmente publicado no Jornal Pedal nº 11, de Dezembro 2012. Apesar da idade do mesmo o conteúdo mantém-se actual, salvo nas condições que cada escola aqui retratada disponibiliza para os seus cursos. Confirmem nos links abaixo a oferta em vigor.

girls_learn_to_ride_bike.jpg
Cortesia The Online Bicycle Museum


Manobrar uma máquina requer conhecê-la para lá do seu manual de instruções. Implica mais do que usar a lógica. Adquire-se com a prática. Quem ensina e quem aprende a andar de bicicleta sabe que é assim, um exercício de experimentação motora e de expulsão de receios que bloqueiam o acesso à experiência. Tudo isto se consegue mediante algumas premissas, ou antes, tudo fica mais fácil quando elas estão reunidas.

Quem escreve esta reportagem é também instrutor de condução de bicicleta, o que pode levantar algumas questões sobre o puxamento da brasa a uma sardinha que começa a dar as primeiras pedaladas como área de negócio. Creia o leitor que é uma tarefa exigente, esta de quem escreve, conquanto traz consigo a possibilidade de explorar nuances e subtilezas só ao alcance dos que conhecem o terreno e a experiência que aqui se conta.

Decidir

Muitas são as razões que levam alguém a adiar o momento em que se aprende a descolar os pés do chão e a ganhar controlo sobre um mecanismo simples, porém simbiótico, que alicerça uma nova forma de contacto entre o chão e o nosso corpo. Substituir os pés pelas rodas e o pavimento pelos pedais está ao alcance de todos os que sentem motivação para experimentá-lo. Sem isso, nada feito. A vontade antecede tudo, mesmo os pânicos de última hora que podem levar a algumas desistências ou a novos adiamentos.

Nos últimos 6 anos surgiram cursos para ensinar a pedalar e procura não tem faltado. A Escolinha da Bicicleta, do Núcleo Cicloturista de Alvalade, em Lisboa, foi a primeira a oferecer o serviço, uma ideia que surgiu depois de lhes ser concedido um espaço no Complexo Desportivo Municipal de São João de Brito, passando o colectivo a dispor de um ringue de jogos onde desde 2006 ensinam. Começou como uma “carolice”, diz-nos o presidente e instrutor João Santos: “ninguém estava à espera que alcançássemos o número de alunos nem os efeitos práticos que daí resultaram”. A procura destes cursos é geralmente antecedida de outras tentativas frustradas, a solo ou com a ajuda de familiares e amigos.

Rui Pratas é o instrutor da Pedalnature e há dez anos deu-se conta de que algumas amigas suas não sabiam andar de bicicleta, oferecendo a sua ajuda para ensiná-las. Quando decidiu levar o assunto mais a sério acabou por encontrar a Escolinha de Alvalade, que já existia. Rui obteve depois uma formação em Jogo e Motricidade Infantil cuja metodologia adaptou para ensinar o equilíbrio da bicicleta a adultos. As primeiras amigas que ensinou representaram a ponta do icebergue que viria a descobrir mais tarde: “80% dos iniciantes que tenho são do sexo feminino, dos quais 50 ou 60% nasceram entre 1962 e 1975”. Rui avança uma possível explicação para este fenómeno que ocorre na Grande Lisboa, associando-o ao período em que a cidade cresceu e ficou dominada pelo automóvel: “Foi o final das brincadeiras de rua”, diz-nos, resultado de um sentimento de insegurança crescente.

Para Ana Pereira e Bruno Santos, da Cenas a Pedal, é difícil traçar um perfil de pessoas que os procuram. Formados em 2008 pelo britânico Cyclists' Touring Club para a instrução de condução de bicicleta (tal como este que vos escreve), lidam com aprendizes de todas as idades e com as mais diversas histórias de vida. Há receios que acompanham os aprendizes até às aulas, mas também uma dose suficiente de coragem, vontade e perseverança: “Há muitos medos associados e quanto mais velhas são as pessoas mais isso se nota, porque tiveram mais anos para criar expectativas. E não é só o medo de cair, é também o medo de falhar, medo de se meterem a fazer uma coisa que acham já não ser para a sua idade, isso tem uma importância diferente da que tem para uma pessoa de 20 ou 30 anos, há esse medo de estar a arriscar fazer algo meio atípico para a idade e depois não funcionar”, diz Ana. Mas a experiência de instrutores e alunos prova que funciona.

Avançar

São os adultos quem mais procura estas aulas, mas há também pais que optam por dar aos filhos a oportunidade de aprender num ambiente controlado. Para a Cenas a Pedal e Escolinha de Alvalade, que ensinam crianças a partir dos cinco anos, as razões para essa escolha variam entre a limitação física dos pais, para acompanhar em segurança a aprendizagem dos filhos, e o insucesso de tentativas anteriores. Embora seja normal as crianças aprenderem mais depressa que os adultos, estes cursos funcionam para todos e todas as idades como um acelerador desse processo, a forma mais eficiente de desenvolver e adquirir novas competências. Qualquer pessoa está apta a aprender, até sozinha. O que aqui se faz é evitar caminhos tortuosos e aquisição de vícios que prejudiquem ou não acrescentem nada de essencial ao andar de bicicleta. Cada instrutor tem o seu método e há, entre todos, alguns pontos de convergência.

Leonel Mendonça, instrutor nos cursos que a Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta (FPCUB) organiza pontualmente em conjunto com a Câmara Municipal de Lisboa, tem a missão de ensinar em grupo, factor que considera ajudar à aprendizagem: “uns puxam pelos outros e estão todos em pé de igualdade. Ao ser em grupo, nós não conseguimos estar a dar apoio a todos ao mesmo tempo, o que faz com que eles sejam obrigados a ter uma certa autonomia no momento em que estão a aprender”. A mesma opinião já não é partilhada por Rui Pratas da Pedalnature que, depois de ter experimentado essa abordagem, apercebeu-se da discrepância de ritmos de aprendizagem: “não é justo dar mais atenção aos que evoluem mais depressa. [Agora] as aulas são sempre individuais e reservo três horas para cada uma”, refere.

Este ano, surgiu o primeiro curso do género na cidade do Porto pela mão de Pedro Rosa, bailarino e coreógrafo. “A minha experiência no ensino da dança contemporânea a jovens e adultos é a base do meu método”, conta-nos. “Passa por uma desconstrução precisa da postura e do movimento, de uma análise cuidada do funcionamento do corpo e da própria mecânica envolvida no acto de dirigir uma bicicleta. Trata-se de fazer um trabalho passo a passo, começando com noções e tarefas mais simples e progredindo até ao acto completo de dirigir a bicicleta com segurança e leveza”, continua.

Todos concordam que um bom espaço de ensino é condição fundamental para a eficácia da aprendizagem. Zonas amplas, planas ou com ligeira inclinação para facilitar o arranque, sem trânsito, sem obstáculos numa primeira fase, com curvas e obstáculos na fase final. Nem sempre é possível reunir num mesmo local todas as características desejáveis, sendo necessário priorizar e ajustar. Os instrutores têm locais de treino habituais podendo, no caso da Cenas a Pedal e Pedalnature, deslocar-se até à zona de residência do aluno, caso seja do seu interesse e exista um local de treino adequado nas proximidades.

Com alguma frequência surgem pedidos para que as aulas se realizem longe de olhares indiscretos. O desejo de não querer ser visto, seja por desconforto ou por se tratar de figuras públicas, deve ser tido em conta na medida em que pode influenciar o ritmo e o à-vontade necessários para aprender. Rui Pratas recorre preferencialmente a uma área no Parque das Nações, em Lisboa, e chega a iniciar as aulas às 5h30 da manhã, quando não se vê vivalma nas redondezas, para satisfazer esses pedidos. A Cenas a Pedal realiza os seus cursos regulares no Jardim da Estrela onde tenta uma abordagem diferente sobre a privacidade: “Nós tentamos desdramatizar isso, aprender a andar de bicicleta é como fazer outra coisa qualquer”, diz Bruno acrescentando que, quando o aluno não se sente à vontade, acaba por pedir um sítio mais resguardado ou é o próprio instrutor quem toma essa decisão: “é um bocadinho mais desafiante, às vezes, e há pessoas que obviamente encaram isso com mais à-vontade do que outras, mas não tem impedido que aprendam e tem a vantagem de o fazerem num sítio mais realista, no fundo”.

Adquirir

As circunstâncias específicas de cada aluno recomendam que os instrutores adaptem o que for necessário para beneficiar a aprendizagem. É o que acontece com a escolha da bicicleta de treino, onde o tamanho, a geometria e destreza a que obriga na condução têm influência directa sobre o aluno, como nos diz João Santos: “Isso é outro segredo do ensinar a andar de bicicleta, que a pessoa se sinta bem, [sabendo que] assim que põe os pés no chão está em segurança e não cai, porque as pernas fazem um bipé sem ter que se levantar. Só depois é que começamos a subir gradualmente o selim”. Rui Pratas tem vindo a especializar-se no ensino a pessoas obesas, construindo uma bicicleta adaptada para esse efeito – com rodas mais pequenas, tamanho 24'', e um sistema de travões alterado – de forma a “não obrigar os iniciantes a dobrar tanto os membros inferiores, que é a maior dificuldade que têm”. Hoje, graças ao passar da palavra, é bastante procurado para este serviço.

A aprendizagem tem um lado mecânico e outro, mais subjectivo, que exige dos instrutores uma sensibilidade para compreender bloqueios mentais. Por mais método que se desenvolva e eficiente que se consiga tornar o processo, o instrutor é sobretudo um companheiro de aprendizagem, um apoio, um guia, alguém que encoraja e valida constantemente os pequenos avanços que o aluno realiza. A bicicleta e o ciclista devem fundir-se num corpo só: “no início os principais problemas são a verticalidade do corpo, o alinhamento com a bicicleta e a utilização funcional do guiador”, refere Pedro Rosa, notando também que “muitas vezes o corpo inclina-se para os lados, encolhe-se e fica tenso aos primeiros sinais de desequilíbrio ou receio de algum imprevisto” e a tendência é agarrar o guiador com muita força. Para conseguir aliviar a tensão “respiramos fundo”, conclui.

Ana Pereira considera “a parte emocional tão ou mais importante do que a técnica. Muitas vezes tu explicas e a pessoa percebe, mas depois têm a parte emocional a dar cabo daquilo, por isso não serve de muito seres bom a explicar a técnica se depois não tiveres um perfil de relacionamento interpessoal que permita vencer essas barreiras”. Por essa razão, o treino faz-se também do lado dos instrutores já que é fundamental criar uma relação de confiança e para isso é necessária uma boa dose de reforço positivo: “As pessoas costumam dizer que nós somos muito simpáticos e temos muita paciência. A experiência aí ajuda imenso, porque eu não tenho que fingir confiança, eu tenho confiança que aquilo vai funcionar. Por isso, às vezes as pessoas acreditam nelas próprias simplesmente porque sentem que eu acredito nelas”, remata Ana.

Talvez a maioria das pessoas passe pela experiência de aprender a andar de bicicleta duas vezes ao longo da sua vida – a primeira como aprendiz, a segunda para ensinar os filhos. É raro encontrar quem não se lembre do momento da sua “descolagem”, tal é a grandeza da emoção que se sente. Para os instrutores, apesar do aperfeiçoamento da técnica e da automatização dos processos, a alegria de ver alguém ganhar asas mantém-se, como se fosse a primeira vez.

Cursos

Lisboa:

Ciclábil

- Cenas a Pedal

- Escolinha da Bicicleta

- FPCUB / CML

- Pedalnature

Porto:

- Aprender a Andar de Bicicleta


 

Cenas para ver e ouvir

Ana Pereira @ Cenas a Pedal

Publicado em 14/06/2021 às 23:27

Temas: Mulheres Pessoas Viagens e Aventuras Videos Web e outros Media podcasts vídeos

Então, maltinha, fartos das redes sociais? Andam a leste? Fazem muito bem. Ora aqui está um apanhado de umas conversas fixes que podem ter perdido no meio do vosso detox digital. 🙂

A Cicloda (aka Cicloficina) tem organizado, em colaboração com a Câmara Municipal de Lisboa, uma série de tertúlias online cobrindo vários temas. O ciclo começou em Abril e eu tive a oportunidade de participar agora no início de Junho num sobre Bicicletas e Férias, e aproveito para o sugerir como primeiro a assistir, nãos estivéssemos nós bem entrados na época alta das viagens a pedal. 😉

Mas esta é só uma das tertúlias, não percam as outras. Eu gostei partcularmente desta, sobre Bicicletas e Mulheres!

Antes deste ciclo, entre o fim de Fevereiro e o início de Março, o Rafael Polónia, da Landescape, organizou uma série de conversas one-on-one ao vivo no Facebook. Umas foram mais claramente à volta do tema das viagens: com a Tânia Muxima, o Paulo Guerra Santos (e o seu guia), o Jorge Vassalo (do mítico Até onde Vais com 1000 Euros?), com o Gonçalo Peres, e com o João e a Valerie (do Pedalar Devagar). Mas também abordou outros temas laterais, comigo e com a Laura Alves.

https://www.facebook.com/orafaeldapolonia/videos/10158471399508241/
https://www.facebook.com/orafaeldapolonia/videos/10158473938548241/
https://www.facebook.com/orafaeldapolonia/videos/10158478192288241/
https://www.facebook.com/orafaeldapolonia/videos/10158484813383241/
https://www.facebook.com/orafaeldapolonia/videos/10158486391183241
https://www.facebook.com/orafaeldapolonia/videos/10158490732643241/
https://www.facebook.com/orafaeldapolonia/videos/10158495966998241/

E finalmente, deixo também o 2º episódio do podcast De Ventos em Popa, da Roda dos Ventos, em que o Tiago Carvalho entrevista a Inês Sanches, dos projetos Femina e Selim.

 

Apoios à aquisição de bicicletas 2021

Ana Pereira @ Cenas a Pedal

Publicado em 14/06/2021 às 20:31

Temas: Ambiente e Energia Incentivos necessidades especiais Políticas fundo ambiental

Fundo Ambiental

Depois da pressão da MUBi, em 2019 o programa de Incentivo à Introdução no Consumo de Veículos de Baixas Emissões, gerido pelo Fundo Ambiental, passou a incluir também bicicletas elétricas. E após mais pressão da MUBi, em 2020 foi alargado para bicicletas de carga.

Atualmente, em 2021, este programa apoia a aquisição, por pessoas singulares e por pessoas colectivas, de bicicletas:

  • convencionais (20 %, e máximo 100 €)
  • bicicletas elétricas (50 %, e máximo 350 €)
  • bicicletas de carga (50 %, e máximo 500 €)
  • bicicletas de carga elétricas (50 % e máximo 1000 €)

E está a ser muito procurado, tendo esgotado rapidamente os apoios para as bicicletas convencionais e para as bicicletas elétricas. Embora, as candidaturas continuam abertas – espera-se (fazendo a MUBi lobby para isso), que o fundo seja reforçado para as cobrir. Nesta data (14/06/2021), ainda há apoios disponíveis para as bicicletas de carga. O incentivo só se aplica a bicicletas novas e destinadas a uso citadino, não cobrindo bicicletas destinadas a uso desportivo.

Ideias para melhoria

Um próximo passo mais coerente com os objetivos deste programa do Fundo Ambiental de «aceleração da apropriação de energias de tração alternativas e ambientalmente mais favoráveis», de descarbonização do sector dos transportes e de fomento dos modos ativos, seria o programa deixar de financiar separadamente automóveis e velocípedes. Poderia passar para uma categorização que permita às bicicletas competirem com os carros, e atribuir apoios baseados em valores máximos absolutos em vez de limitados a uma percentagem. Eventualmente poderia salvaguar uma quota mínima para as bicicletas, mas se calhar já nem precisaríamos disso, uma vez regularizada a cadeia de produção internacional, em disrupção desde o início da pandemia da covid19.

Por exemplo, usando os montantes deste ano, teríamos:

  • 3.000 €, aplicável a motociclos ou ciclomotores elétricos, automóveis ligeiros de passageiros, elétricos, ou a bicicletas elétricas e acessórios para transporte de carga ou passageiros (atrelados, cadeiras, sacos, etc)
  • 6.000 €, aplicável a automóveis ligeiros de mercadorias, elétricos, ou a bicicletas de carga elétricas ou convencionais, ou a bicicletas elétricas ou convencionais adaptadas para pessoas com limitações motoras
  • 350 €, aplicável a bicicletas convencionais, atrelados, e kits de conversão carga ou elétrica

Isto permitiria às pessoas e às organizações otimizarem o valor do apoio e do seu investimento próprio, valorizando as vantagens competitivas das bicicletas e tomando decisões mais racionais.

Além disso, permitiria o acesso às bicicletas elétricas e de carga, e às bicicletas adaptadas, em particular, a uma grande parte da população que poderia beneficiar imenso delas mas que atualmente não tem capacidade financeira para investir nas mesmas, mesmo com os apoios em vigor. (Faltam 2-3 coisas essenciais: um programa de crédito bancário barato e de fácil acesso, e provisão de estacionamento seguro e prático para bicicletas de carga e bicicletas elétricas nos edifícios residenciais ou nas ruas dos mesmos, e oferta no mercado de seguros contra furto a um preço razoável.)

Mesmo que não o façam, seria bom o progama passar a incluir também bicicletas adaptadas, elétricas e não elétricas, no apoio, ao mesmo nível do atribuído às bicicletas de carga, pois as bicicletas adaptadas são tão ou mais caras quantos as de carga, e ainda atrelados de carga e de transporte de animais, kits de conversão de bicicletas em bicicletas e triciclos de carga, e kits de assistência elétrica.

A par disto, seria positivo passar a restringir os apoios a bicicletas compradas a entidades nacionais / locais, de forma a beneficiar o tecido económico local e a facilitar a assistência, garantia e pós-venda. Isto permitiria ainda alavancar o impacto do programa ao levar a que os beneficiários funcionassem como agentes de divulgação destes tipos de veículos mais utilitários junto das lojas de bicicletas nacionais, ainda muito focadas apenas no desporto, e servissem de pretexto para estas lojas encetarem ou reforçarem contactos e relações com fornecedores estrangeiros.

Câmara Municipal de Lisboa

Entretanto, estes apoios do Fundo Ambiental, são acumuláveis com os apoios do Programa de Apoio à Aquisição de Bicicletas do Município de Lisboa, iniciado em 2020, entretanto reaberto e expandido em 2021, e aberto a pessoas singulares – quem viva, estude ou trabalhe nesta cidade, bem como a empresas e a empresários em nome individual, a Juntas de Freguesia e a instituições sem fins lucrativos.

Atualmente, em 2021, este programa da CML apoia a aquisição de:

  • bicicletas convencionais (50 %, e máximo 100 €)
  • bicicletas elétricas (50 %, e máximo 350 €)
  • bicicletas de carga (50 %, e máximo 300 €)
  • bicicletas de carga elétricas (50 % e máximo 500 €)
  • bicicletas adaptadas (75 %, e máximo 200 €)
  • e bicicletas adaptadas elétricas (75 %, e máximo 500 €).

Este incentivo também só se aplica a bicicletas novas e destinadas a uso citadino, não cobrindo bicicletas destinadas a uso desportivo.

Este ano o programa da Câmara Municipal de Lisboa apoia ainda a reparação de bicicletas (50 % do valor de materiais e serviços de reparação, até um máximo de 80 €) e a compra de alguns acessórios (50 % do valor de acessórios de segurança – luzes e cadeados, entre outros – e de transporte de crianças – cadeiras, atrelados, trail-a-bikes, até um máximo de 80 €). Isto é importante porque permite às pessoas beneficiar de um incentivo à recuperação / reconversão de bicicletas que já possuam, ou de bicicletas usadas, para um novo uso, tornando a bicicleta mais acessível a mais pessoas, e contribuindo para a reutilização de bens e materiais já existentes (evitar que acabem no lixo mais tarde, e evitar o consumo de novos materiais).

Os produtos e serviços têm que ser adquiridos a lojas/oficinas locais, sediadas ou em funcionamento em Lisboa, o que ajuda a fortalecer o sector local, promove a construção de comunidade, reduz os problemas de garantia e pós-venda, e estimula as lojas locais a terem mais contacto e experiência com bicicletas utilitárias. Claro que nós somos uma loja aderente! Mas há muitas mais.

O prazo de candidaturas fecha dia 30 de Novembro de 2021, ou antes se o fundo esgotar.

Ideias para melhoria

A nível de melhoria do programa da CML, diria que apoiar a formação em condução seria um passo lógico, que tornaria a adesão à bicicleta acessível a mais pessoas e melhoraria o nível de segurança das que já a usam, embora imagino que pudesse ser muito mais difícil de evitar a fraude, e que surgiriam de repente milhentos novos “instrutores de bicicleta”, a vender serviços fictícios ou a serviços não qualificados, o que dada a natureza da atividade (a bicicleta é um veículo, e em que nos deslocamos facilmente a velocidades muito superiores ao andar a pé – 15-40 Km/h, na proximidade de outros veículos e de pessoas a pé), poderia ser contraproducente. Mas pronto, era realmente muito bom que formação como a que desenvolvemos, presencialmente e online, pudesse ser tornada mais acessível e pudesse chegar a mais pessoas que dela beneficiassem, pois ter uma bicicleta não basta para termos uma boa experiência a usá-la.

Seria bom também que o programa apoiasse a compra de atrelados de carga e de transporte de animais, de kits de conversão de bicicletas em bicicletas e triciclos de carga, e de kits de assistência elétrica, aumentando o valor do apoio para 350 € ou 500 €, ajudando as pessoas a usar as bicicletas que já têm, mas tendo o apoio para expandir a sua capacidade para o nível de bicicleta de carga / bicicleta elétrica.

Mas o que são bicicletas de carga?

O mercado oferece cada vez mais soluções utilitárias e por vezes é difícil identificar fronteiras claras. Como costumamos dizer, todas as bicicletas são bicicletas de carga. 🙂 Ou seja, o que queremos dizer é que todas as bicicletas não de desporto mesmo a sério, têm uma enorme capacidade utilitária, com os acessórios certos.

Contudo, claro que depois isto é um espectro, de uma bicicleta normal otimizada com acessórios até bicicletas de carga de diferentes tipos, algumas autênticas “carrinhas”, passando pelos tandem. 🙂

As candidaturas a estes dois apoios aqui descritos, são sempre alvo de avaliação, e eles têm lá os seus critérios. Mas bicicletas de carga começam nas midtails e “butcher’s bikes”, que têm uma capacidade de carga ligeiramente maior do que bicicletas convencionais, sendo que às vezes nem se percebe logo ao olhar para elas, e as bakfietsen mais compactas, e vão por aí afora pelas longtails e bakfietsen de maior capacidade, e triciclos. Alguns exemplos básicos:

As bicicletas de carga minimamente equipadas começam, tipicamente, nos cerca de 1.500 €, e as elétricas de carga começam geralmente nos cerca de 3.500 €. Mas o mais comum é rondarem os 5.000-6.000 € já com os acessórios todos.

E o que são bicicletas adaptadas?

As soluções para pessoas com limitações motoras também incluem uma grande diversidade de formatos. Podem ser bicicletas, triciclos, atrelados, andadores, kits de conversão para cadeiras de rodas, etc. Podem ser para a pessoa poder deslocar-se autonomamente sozinha, para ser transportada passivamente por outra pessoa que conduza e pedale, ou para deslocar-se pedalando mas em tandem com outra pessoa que conduza. Abaixo partilhamos um documento que dá uma ideia básica de tipos de soluções e preços.

Interessados? Podemos tentar ajudar. O primeiro passo é facultarem-nos a informação básica, através deste formulário. Temos alguns modelos disponíveis para teste de condução, e fazemos a ponte com donos de outros modelos.

Para quem não conhece a nossa história e o que fazemos e como fazemos: não mantemos bicicletas novas em stock, é tudo encomendado de propósito para cada cliente, consoante as suas necessidades. A pandemia da covid19 criou uma disrupção nas cadeias internacionais de produção de bicicletas (e não só), o que criou problemas de fornecimento e aumento de preços. Ao mesmo tempo, houve uma explosão na procura de bicicletas. Tempestade perfeita: muita procura e pouca oferta, é normal não encontrar bicicletas nas lojas, e é normal ter que encomendar bicicletas com 6 meses de espera. Os especialistas dizem que só em 2023 as coisas se restabelecerão, e que até lá irá continuar a ser difícil comprar bicicletas, e que os preços deverão aumentar mais. Tenham isto em conta quando contactam lojas e quando decidem avançar com encomendas, e concorrer a apoios, OK?

Entretanto, sim, temos bicicletas que têm prazos de entrega de 6 meses ou mais, mas também temos outras que chegam em 2 semanas. 🙂 Preencham lá o formuláriozinho e logo conversamos!

Conclusões

Há apoios nacionais e apoios locais acumuláveis, pelo que pode-se conseguir um apoio máximo de 1580 € na compra de uma bicicleta de carga elétrica, o trabalho das organizações da sociedade civil como a MUBi são fundamentais para as coisas evoluírem, por isso colaborem (tornem-se voluntários e judem no trabalho, dêem donativos monetários se não têm tempo para dar, e partilhem os sites e os trabalho das organizações nas vossas redes), e não adiem as vossas decisões de compra porque os fundos esgotam, há falta generalizada de stock de bicicletas até 2022-2023, e pró ano pode sempre não haver apoios…

Entretanto, um #ativismodesofá acessível a qualquer um é mandar um email para paab@cm-lisboa.pt e/ou para incentivovbe@sgambiente.gov.pt e deixar sugestões de melhoria como as que avançámos aqui. 😉

 

Projecto Bacalhau: Notas & Fotos Finais

@ Lisboa Bike

Publicado em 16/05/2021 às 16:27

Temas: bikepacking viagem volta a Portugal

IMG_20200620_083641__01.jpg


Algumas notas sobre viagens aventura de longo curso e outros projectos assim mais malucos. Cabe talvez realçar que o mais importante nesta questão não são as finanças, ou negociar o tempo suficiente longe do trabalho e de muitas outras responsabilidades. Nem é o treino, a preparação física, a compra do material para a bicicleta, a roupa, o planeamento exaustivo da viagem em termos de geografia, estradas, previsões meteorológicas, cálculo de distâncias diárias, etc. 

Não, por mais trabalhoso que seja resolver estas questões prácticas, que são importantes, o mais complicado é mesmo decidir ir. Parece simples, mas não é. Tem de haver motivação, e essa não surge do nada. É preciso querer mesmo ir, estar motivado é a única forma de sobreviver sozinho, na estrada, dia após dia. Quando as coisas começarem a correr mal, e vão correr mal em alguma altura, não pode haver dúvidas que é ali que queres estar. 

Resolvida esta questão, tudo o resto se torna mais manejável e as coisas acontecem. 

E uma nota final: não esperem que todos compreendam a vossa vontade de devorar quilómetros. Haverá quem vos tente desmoralizar, colocando buracos nos vossos planos. Por vezes é um amigo bem intencionado, que julga que te vai salvar de um embaraçoso falhanço. Por vezes é alguém mais invejoso, que considera impossível que faças algo que ele próprio nunca conseguiria. Eu tive quem me dissesse que a viagem acabaria ao segundo dia na parte de trás de uma ambulância. E tive gente a dizer-me que eu parava demais, que parava de menos, e porque é que não ia a museus, que ia demasiado depressa, que ia demasiado devagar...  

Uma viagem destas é tua, não é de mais ninguém. Seria bonito, mas não esperes que toda a gente apoie a tua decisão. Ela pode parecer a algumas pessoas uma coisa demasiado estranha. E as pessoas não lidam muito bem com o que não compreendem. 

Dito isto, também ninguém faz nada sozinho. Eu contei com o apoio à distancia de vários amigos que vibraram com as noticias do meu progresso e me animaram ao longo do caminho. E do inestimável apoio em coisas mais técnicas do meu amigo João Serôdio, ao contrário de mim, um atleta a sério. Graças a ele, a minha posição na bicicleta estava muito bem afinada e não tive quaisquer problemas físicos. Obrigado João!

Deixo-vos com mais algumas imagens, para quem busque inspiração.


IMG_20200604_144142.jpg



IMG_20200605_141307.jpg



IMG_20200605_154604.jpg



IMG_20200609_154653_01.jpg



IMG_20200609_162230.jpg



IMG_20200611_112001.jpg



IMG_20200615_142614__01.jpg



IMG_20200616_135340.jpg



IMG_20200617_162743.jpg



IMG_20200621_133713.jpg



IMG_20200624_153552.jpg



IMG_20200609_154536.jpg



IMG_20200616_145053.jpg



IMG_20200616_195052.jpg



IMG_20200618_142452.jpg



IMG_20200618_155255.jpg




IMG_20200618_194318.jpg



IMG_20200620_183609.jpg



IMG_20200621_085422.jpg



IMG_20200621_160824.jpg



IMG_20200621_175627.jpg



IMG_20200622_192037.jpg



IMG_20200623_125512.jpg

 

Projecto Bacalhau: Dia 23 - Até ao Fim

@ Lisboa Bike

Publicado em 15/05/2021 às 15:35

Temas: bikepacking viagem volta a Portugal

IMG_20200624_182946.jpg
Almada. O Isaltinistão ali tão perto

A manhã do último dia começa em algumas das estradas onde eu mais evitaria pedalar em Portugal. As nacionais ao redor de Sines. Sem bermas, sempre com trânsito relativamente denso e rápido, e com malta que ultrapassa as bicicletas de qualquer maneira. Um TIR passou a milímetros do meu guiador e o Dentuça chamou-lhe nomes que eu nem sabia existirem. Este percurso foi tanto mais inglório porque eu fui mesmo obrigado a voltar para trás. Eu explico: há poucos anos algum iluminado resolveu caçar uns votos "inaugurando" uma autoestrada nesta zona, ou melhor, mudando o nome à antiga estrada de duas faixas por sentido que vinha para Sines, e com a alteração, para sempre banindo os velocípedes de ali circularem.

 

IMG_20200624_111725.jpg
Por aqui?


Embora tudo indicasse o contrário, eu estava convencido que existiria um caminho para Norte para bicicletas, passando por Sines, mas evitando a dita A26, e o GPS, por uma vez, concordava comigo. O que eu não contava era com o que seria preciso para sair dali sem usar a dita nova "autoestrada". Para o GPS um caminho é um caminho. Mas eu é que tenho que lá passar!


IMG_20200624_111213__02.jpg
Por aqui??


Primeiro tive de usar uns acessos a um estacionamento, depois tive de contornar por trilhos a refinaria e os depósitos de hidrocarbonetos de Sines. Mais tarde andei mesmo no meio do mato, usei umas estradas de acesso para trabalhadores da refinaria e depois de circular numa linha férrea encerrada, lá encontrei uma saída para uma estrada nacional que seguia para Norte. 


IMG_20200624_111730.jpg
Por aqui!


Quando finalmente vi a zona de Sines pelas costas, realmente tinha evitado a autoestrada, mas era quase hora de almoço e o calor apertava. Tinha os pulsos em mau estado, devido ao piso e o terreno que tinha atravessado, e estava a ficar claro que não haveria pausa para almoço, não se eu queria estar em casa, no Isaltinistão, antes de escurecer.


IMG_20200624_113517.jpg
Hum...


Cheguei sem muitos incidentes a Troia, mas sempre debaixo de imenso calor. O trânsito cada vez mais intenso e os condutores que desprezam a vida dos outros vão tirando alguma piada a circular por estas bandas. Nesta altura ainda faltavam duas travessias de ferry e mais de 40Km para eu chegar a casa, mas eu sentia que era já mesmo ali ao lado.


IMG_20200624_160253.jpg
No Ferry



IMG_20200624_161818.jpg
Pronta para os últimos Km


Não era. No Ferry para Setúbal vimos golfinhos e a criançada a bordo correu para ver os simpáticos animais, que pareciam saudar a nossa passagem. Foi um momento de serenidade, que não me preparou para o que viria a seguir. A subida à saída de Setúbal fui brutal. Pouco depois encontrava um trânsito absolutamente infernal entre Setúbal e Almada, em hora de ponta e debaixo de um calor abrasador. Filas e filas de transito caótico, os paquidermes metálicos enfurecidos, que eu contornava e deixava para trás, apesar do cansaço dos mais de cem quilómetros nas pernas.


projecto+bacalhau.jpg
De maneiras que foi isto

Suponho que não poderia ser de outra maneira, haveria esforço até ao fim. Em Almada tive de correr para o barco. Uns minutos depois estávamos a ser libertados na outra margem, no Cais do Sodré. O Dentuça exclamou um sentido "I'm back, bitches!" mas a euforia durou-lhe pouco. A rolar lentamente numa Marginal repleta de carros, uma certa melancolia pareceu instalar-se. Parecia incrível estar de volta, mas era verdade, ali estávamos nós, 23 dias e 1900Km depois, practicamente de volta ao ponto de partida. No ar andava uma pergunta, pesada, inevitável, incontornável. "E agora?"

Para libertar a mente destas questões fracturantes, comecei a assobiar o tema de Lucky Luke, como tinha feito em tantos outros finais de dia, nas semanas anteriores. Depressa o Dentuça me acompanhou e juntos cantarolamos pela estrada fora, enquanto mergulhávamos cada vez mais no caos do fim do dia do Isaltinistão. 



IMG_20200624_193547.jpg
Km finais: 1909


Obrigado a todos os que seguiram esta pequena saga desde o início, espero ter motivado alguém a fazer uma viagem mais longa de bicicleta ou ajudado a esclarecer o que acontece, ou pode acontecer, num tour deste género. Estarei disponível nos comentários para questões que surjam. 

Espero também encontrar alguns de vós na estrada. O tempo está excelente. Boas pedaladas!

Dia 23. Porto Covo-Isaltinistão. 153Km. (Estrada/Trilhos)
 

Projecto Bacalhau: Dia 22 - Roendo uma Laranja na Falésia

@ Lisboa Bike

Publicado em 14/05/2021 às 14:35

Temas: bikepacking viagem volta a Portugal

IMG_20200623_174421.jpg
Porto Covo


Olhando o mundo azul à minha frente, penso em todos os sítios por onde andamos nas últimas semanas. Do profano ao sagrado, da grande urbe ao parque natural, do litoral ao interior, o Dentuça e eu vagueamos ao nosso ritmo e ao sabor do vento, por algumas das mais belas estradas do nosso país. 

Esta manhã tomámos um descansado pequeno almoço em Lagos. Mas o ambiente turístico do Algarve não me convence. As pessoas dos hotéis e restaurantes do Sul parecem demasiado mercenárias.  A moça do alojamento de Lagos, depois de me fazer esperar uma boa meia hora, fez o equivalente a atirar as chaves para o chão e dizer "desenrasca-te, eu tenho que voltar para a praia". As boas gentes da N2 deixaram-me talvez mal acostumado.  


IMG_20200623_145300.jpg
Dizem que havia um pessegueiro na ilha


O vento sopra do mar, e na tranquilidade daquele miradouro de Porto Covo, com a barriga cheia de piza obtida ali ao lado, em Vila Nova de Milfontes, eu sei que tudo está prestes a acabar. Toda esta liberdade, esta alegre vagabundagem, vai ter mesmo um fim. Mas estou em paz com essa ideia. E isso será outro dia, por hoje tenho esta paisagem. E a brisa que sopra. E um mar de recordações.


IMG_20200623_174835.jpg
Isto é capaz de não ser normal


O corpo talvez agradeça um descanso também. Nem todas as mazelas dos primeiros dias sararam completamente. O Sol de Junho continuou a fazer estragos. Eu sinto que poderia prosseguir, talvez indefinidamente, mas também não será má ideia dar atenção a estas pequenas coisas.  



IMG_20200623_173727.jpg
Porto Covo


IMG_20200623_160320.jpg
Casa, por hoje

Para aquele que será o último jantar na Estrada, faço questão de comprar uns petiscos no mini mercado local e fazer uma festa de despedida no parque de campismo de Porto Covo, onde chegamos depois do almoço, fazendo o caminho mais directo desde Lagos. A opção de rumar a Norte deveu-se à falta de entusiasmo para ir até Sagres, onde já estive muitas vezes de bicicleta, e àquela sensação omnipresente de que isto está terminado.


IMG_20200623_125536.jpg
Vila Nova de Milfontes


IMG_20200623_125438.jpg
Rio Mira e o Mar, em Milfontes


Dia 22
. Lagos-Porto Covo. 112 Km. (Estrada)

 
Página 3 de 41 | << Anterior Seguinte >>