Projecto Caramelos: Dia 3 - Um Gajo Vai Ter Que Se Chatear

@ Lisboa Bike

Publicado em 15/07/2021 às 23:34

Temas: bikepacking viagem

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Trujillo!


A manhã não começou muito cedo para mim. Eram já nove horas quando pus as rodas na estrada nacional 251, rumo a Cáceres. Para mais, não tinha tomado o pequeno almoço. Havia um restaurante no hotel onde tinha dormido, mas a comida gordurosa do jantar na noite anterior e a sensação de ter sido enganado com a conta, não me davam vontade de lá regressar.  Assim, fui rolando, até à vila de Malpartida de Cáceres

Aqui consegui um pequeno almoço decente. E tive a companhia de um colorido local, um sexagenário de chapéu de couro e pele curtida pelo Sol, que assim que percebeu que eu era um ciclista, fez questão de me contar a sua epopeia de viagem de bicicleta, de regresso dos Picos de Europa à Extremadura, depois de ter sido defraudado do seu salário. Sem comida e sem dinheiro, nos nos anos setenta, ele lá conseguiu fazer o seu caminho até casa. Mais engraçado eram os comentários do empregado, que parecia ter bastante confiança com o velhote, que tudo indicava ser um cliente muito regular, pois interrompia o relato com frequência, para levantar dúvidas sobre a veracidade dos factos: "Trabajar? Pero si tu nunca hás trabajado un día en la vida?!"


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Rolando no Grande Deserto Espanhol


Não muito depois estava em Cáceres, e atravessei de uma lado a outro esta bonita capital provincial. Aqui dei conta do estranho habito dos espanhóis para usar máscara facial mesmo quando correm ou andam de bicicleta. O facto de eu não fazer o mesmo levantava alguns olhares desconfiados, mas eu continuei a só usar a máscara quando desmontava, já que fazia alguma questão, pelo menos de momento, de continuar a respirar. 


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A Autovía A-58

Continuei pela estrada nacional, que por momentos seguia paralela à Autovía A-58, pelo que o trânsito era inexistente. Depois virei para Norte, rolando por estradas mais remotas, já que a Nacional não seguia para os meus lados. Este giro forçado levou-me até La Aldea del Obispo, onde entrei pela hora do almoço. O Sol ia alto, o calor apertava e eu continuava sem grandes energias.



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A paisagem rumo a La Aldea del Obispo


Ao atravessar a aldeia, encontrei por acaso um alojamento de turismo rural,  aparentemente especializado em observação de pássaros. Estavam vazios e a simpática senhora que me atendeu teria todo o gosto em alojar-me por aquela noite. Achei que precisava de descansar e um dia mais curto era mesmo o que estava à procura. Tendo em conta as distâncias entre terras, o calor abrasador e a dificuldade em encontrar comida e água entre cidades, a ideia de tomar refúgio naquela vila simpática agradava-me imenso. 

Mas não estava nas cartas. Os sorrisos desapareceram quando tentei pagar o alojamento com cartão de crédito. Não era possível. Aliás, não aceitavam pagamento de nenhuma forma que não fosse em dinheiro vivo. Eu não costumo andar com muito dinheiro, e perguntei onde era a caixa automática mais próxima. Não havia. Na próxima terra, talvez. A 30km. 


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Hora do Almoço


Consultei a internet e verifiquei que existia alojamento abundante na próxima terra, Torrecillas de la Tiesa. Tinha pena de não ficar naquela Casa Rural, mas pronto, seriam só mais 30km, segundo a senhora. E era de facto mais ou menos isso. Mas em Torrecillas todo o alojamento estava tomado de assalto por um enorme exército de trabalhadores de um gigantesca central de energia solar em construção nas redondezas. Não havia vagas em lado nenhum. 

A hora de almoço tinha chegado e passado, o dia ia longo e eu ainda não tinha alojamento. O Google mostrava que não havia alternativas de nenhum tipo na zona, a não ser a cidade de Trujillo, que ficava fora de caminho. Liguei para a casa rural de La Aldea del Obispo, depois de ter levantado dinheiro na única caixa automática da zona, mas não tive muita sorte. A senhora informou-me que já tinha saído, que morava longe e portanto já não voltava. Tinha aquele tom de voz de "temos pena". 


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Trujillo!


Rabujento, esfomeado, a ser literalmente queimado pelo Sol da tarde, fui obrigado a andar para trás, para chegar à cidade histórica de Trujillo, onde tinha reservado alojamento pelo telemóvel. Mais uma vez, pelo caminho não se encontrava nenhum sítio onde se pudesse parar, nenhuma sombra, nenhum estabelecimento para comprar bebidas, nada. Só o escaldante deserto espanhol. Eu juro que vi mesmo arbustos secos a rolar na estrada deserta, e abutres a sobrevoar-me, para completar o panorama do Oeste selvagem.
 
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As gentes de Trujillo...


O que vale é que Trujilho, a terra natal de vários Conquistadores Espanhóis, é muito bonita. A cidade parecia deserta, mas eu estava a costumar-me ao facto dos espanhóis evitarem andar na rua entre as 10 e as 19 horas, para não terem que lidar com o Sol absolutamente escaldante destas paragens. Dei umas voltas e fui ao supermercado comprar comida a devorar no hotel, bem como abastecimentos para o dia seguinte.   


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Bicicleta no quarto #2


Dia 3. Aliseda-Trujillo. 127km. (Estrada) 

 

Projecto Caramelos: Dia 2 - Para lá da Fronteira

@ Lisboa Bike

Publicado em 15/07/2021 às 13:41

Temas: bikepacking viagem

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Caramelos?


Gostava de dizer que acordei rejuvenescido depois de uma boa noite de sono, mas no mundo real, as coisas nem sempre funcionam assim. Sendo certo que tive direito a umas oito horas de descanso, a verdade é que acordei a sentir-me letárgico, completamente sem energia. Parecia claro que o corpo ainda acusava o esforço do dia anterior


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A vastidão do Alentejo


A manhã foi muito bem passada, fiquei a conhecer todos os pontos de interesse da zona, que incluem  pinturas rupestres e uma fronteira muito original, à qual voltaremos em breve. Foi engraçado o contraste do passeio com amigos, (incluído o latifundiário conhecedor da zona), versus o tempo passado em modo bikepacker, em que raramente tenho companhia nem a oportunidade de ficar a conhecer tão bem uma zona, mesmo que lá durma. 

São obviamente dois modos de viagem bem diferentes, o passeio com amigos, e a aventura na bicicleta, em solitário. Sou grande apreciador de ambos, e naquela manhã quente, as minhas preferências por boa companhia e o uso de carro para as deslocações maiores eram evidentes. Fui ficando e depois do almoço ainda lá estava, à conversa. Fiz o meu melhor por disfarçar os meus anémicos níveis de energia e o fraco entusiasmo pelos quilómetros que estavam para vir, mas chegou a altura em que a partida era inevitável.  


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Tudo preparado. Tudo menos eu!


Foi com algum esforço disfarçado que me despedi dos amigos e montei na bicicleta, agora cerca de oito quilos mais pesada, devidamente apetrechada com o conjunto completo dos meus sacos, que incluíam material de campismo. Mas pouco depois, o entusiasmo familiar de me encontrar em estrada aberta, em autonomia completa, veio ao de cima. As dúvidas e hesitações ficavam para trás, arranjaria forma de manter as pernas em movimento. Havia uma fronteira para passar, e depois disso, o mundo era a minha ostra.


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Sim, esta é a fronteira!


Cerca de 5km depois estava na "ponte internacional mais pequena do mundo", e cruzava a fronteira no Marco, entrando na Extremadura Espanhola. Parece ridículo afirmar que imediatamente se nota a diferença, mas essa é a realidade. Duas coisas depressa se tornam evidentes do outro lado da linha imaginária inventada pelos nossos antepassados: o ordenamento do território e a civilidade dos condutores. Parece que em Espanha se leva muito mais a sério a obrigatoriedade de garantir uma distância mínima lateral de segurança ao ultrapassar um velocípede, mesmo no fim do mundo que é esta zona fronteiriça. Em ambos os países essa distância são 1,5 metros, mas por vezes acho que em Portugal ninguém o sabe.

Quanto ao ordenamento do território, em Espanha, como na maior parte da Europa civilizada, não se pode construir em qualquer lado, nem de qualquer maneira, como acontece em Portugal. Por isso, saindo das vilas, não se encontra absolutamente nada senão campo. Não há casas dispersas nesta zona. Não há cafés da beira de estrada, não há barracões, não há oficinas, nem roulotes, nem pessoas a vender coisas na berma da estrada... nada.   



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A estrada para Aliseda


Após os primeiros momentos iniciais de apreço pelo arrumadinhos que são os espanhóis, aos poucos um problema começava a tomar forma, e seria uma questão com implicações duradouras. É que quando eu digo que não havia nada, para além do tapete de asfalto, é que não havia mesmo nada. Nada! Não se encontravam parques de merenda, não havia abrigos de paragem de autocarro, não havia bombas de gasolina, nem quaisquer zonas com árvores ou qualquer tipo de sombra, em lado nenhum. Só o asfalto e uma planície infinita de campo, sempre atrás de uma cerca de arame farpado. 

A única alternativa era continuar a pedalar até à próxima terra. Tendo arrancado apenas pelas 16:00h, era assumido que o dia na estrada seria de poucos quilómetros, e assim fiquei-me pela pequena cidade de Aliseda. Esperava que tendo feito apenas cerca de 70km, o meu corpo não tivesse problemas em recuperar para as etapas maiores, debaixo do Sol escaldante do grande deserto espanhol, que se avizinhavam.


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Bicicleta no quarto #1


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Camas separadas!


Dia 2
. Esperança-Aliseda. 69km. (Estrada)

 

Projecto Caramelos: Dia 1 - O Homem da Marreta

@ Lisboa Bike

Publicado em 13/07/2021 às 23:54

Temas: bikepacking viagem

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Caramelos?


As coisas começaram de forma bem inocente, como quase sempre acontece. Tinha feito planos para acompanhar um amigo na sua deslocação de bicicleta ao seu lar ancestral do Alentejo. Éramos 3 ao todo, em bicicletas de estrada, e o plano era fazer a distância, cerca de 200 redondos quilómetros, num só dia. Por responsabilidades e coisas da vida, o meu amigo acabou por fazer a viagem de carro, em data inadequada para os restantes, mas eu estava decidido a ir de qualquer forma. 

E depois, já que ali estava, imaginei que seria fantástico aproveitar a proximidade à fronteira para dar um "saltinho" a Madrid e visitar mais uns amigos por lá. Afinal, no mapa eram apenas mais 400Km a solo, depois de ultrapassado o obstáculo do primeiro dia. Tinha planeado uma semana na estrada ao todo, e cerca de 700 quilómetros de caminho. Preparei o equipamento do costume, de onde apenas havia a destacar uns pneus ligeiramente mais estreitos e mais lisos, uns GravelKing de 32mm, montados como sempre Tubeless.

 

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"Isso é tudo muito giro, mas aqui há AC!"

Para a longa primeira etapa, sendo que teria companhia, e carro de apoio, iria mais leve, sem os meus sacos, para mais facilmente fazer as tais cerca de duas centenas de quilómetros a um ritmo decente. No carro seguia também o Dentuça, talvez achando que já me aturaria o suficiente na semana que estava para vir. Ou talvez preferindo a companhia das "babes", como ele diria. Conhecendo quem lá estava, não sei se ele se safou com o estilo abusado do costume. Aliás, até hoje não sei bem como lhe foi o dia, a verdade é que ninguém está a falar. 


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A caminho do Montijo


Arrancando de casa num Sábado de manhã, a horas pouco recomendáveis, e apanhando o barco das 08:00 para o Montijo, tudo corria sobre rodas, não fosse o habitual comportamento cavernícola de muitos automobilistas da margem Sul, que parecem ter recentemente perdido a namorada para um ciclista. Ou talvez um ciclista lhes tenha roubado o bilhete vencedor do Euromilhões. Não sei. Não consigo explicar de outra maneira o nível de agressividade e ignorância de alguns condutores da zona. Alguns faziam mesmo questão de abrandar, num coro de buzinadelas, para nos "informarem" de que não podíamos circular a par ou que estávamos obrigados a rolar na "ciclovia" de 25m, cheia de carros e lixo, que o cacique local tinha construído com o apoio técnico de um fulano que, certa vez, viu uma bicicleta.


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Mais de 100Km, e ainda há sorrisos


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Almoço!

O ritmo era sempre alto, pelo menos para mim, mas eu rolava protegido na roda do meu amigo João, onde passei aliás 99% do dia. O percurso era bem a Norte da Nacional 4, onde eu tenho alguma experiência, e que por isso mesmo decidimos evitar, passando por Mora, onde nos cruzamos com inúmeras motos. Era o Lés-a-Lés deste ano! Na paragem para almoço, em Pavia, mais de 100Km feitos, tudo ia bem. E aquela bifana soube divinamente. O pior ainda estava para vir.


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Sem sacos de bikepacking é mais fácil!


O calor apertava, não havia sombra nem forma de nos esquivarmos ao aperto constante do Sol. Mas tínhamos água e os quilómetros iam passando. A paisagem ia desfilando a um ritmo muito razoável de 26km/h desde o Montijo. Nem a altimetria nem o trânsito chateavam: rolávamos quase sempre em plano, e poucos carros se viam. Apenas tínhamos que lidar com as temperaturas e manter o ritmo. Apenas.



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Suponho que é nesta altura que tenho de vos apresentar, a alguns de vós pelo menos, à figura lendária do Homem da Marreta. Sim, o Homem da Marreta. Trata-se de uma personagem mitológica, tipo um Yeti da estrada nacional, ou um Big Foot das subidas de dois dígitos de inclinação. Não há provas da sua existência, mas não falta quem tenha sentido a sua presença. O Homem da Marreta é um retro-grouch, um ciclista old-school (e mais outros anglicismos que agora não consigo, assim de repente, invocar), um tipo tão duro como um marinheiro do Pequod e com o nível de empatia do Soup Nazi.

O Homem da Marreta espera pacientemente, atrás de uma moita ou a seguir a uma curva apertada, por aqueles ciclistas incautos, que não são rijos o suficiente, que não acautelaram a hidratação, não comeram como deviam, ou simplesmente se aventuraram mais longe do que a sua forma física permitia. E naquele dia, foi o meu caso. Por volta do Km 170, deixei de conseguir ir na roda do João. Tudo ficou penoso e lento e complicado. Não tinha posição na bicicleta, todas as posturas eram incómodas, o meu pé direito inchou e parecia que não cabia no sapato, o meu traseiro perecia que estava sobre umas brasas quentes. 


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Acho que me voltei a esquecer do protector solar...


Tudo o que podia fazer era arrastar-me, a velocidades ridículas. E arrastei-me mesmo até ao fim, que para o caso era num monte junto à aldeia de Esperança, a um punhado de quilómetros da fronteira espanhola. Dei por mim deitado no banco de trás do carro de apoio, pois estar de pé era demasiado cansativo, enquanto se discutiam pormenores do jantar que viria a seguir. Eu pensava era em como ia conseguir fazer, já sem sem apoio, os quilómetros que tinha pela frente. Parecia que a minha boca tinha andado a passar cheques que o meu corpinho ia ter sérias dificuldades em pagar. 


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Fim de dia no Alentejo


Dia 1. Isaltinistão-Esperança. 201km. (Estrada) 

 

Ecopista do Dão : Bicicleta + Comboio

@ Eu e as minhas bicicletas

Publicado em 12/07/2021 às 10:18

Temas: comboio cp dão ecopista viseu

Andava com esta ideia fisgada há que tempos de pegar em mim e numa das bicicletas e fazer a Ecopista do Dão ali na antiga linha férrea entre Santa Comba Dão e Viseu... e surgiu uma oportunidade de uma escapadinha de fds com o meu primo N, que é como um irmão mais velho, e com quem não tenho passado tempo a não ser em esporádicas visitas. O meu bro V também devia ter vindo, mas "prontos", não deu!

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ver info:

-  Ecopista do Dão no site da IP

https://ecopistadodao.pt/

- ver videos no youtube da Ecopista do Dão

Lancei o desafio que foi aceite e começámos a planear com entusiasmo a viagem, com tempo e controlando as evoluções da pandemia e demais restrições neste Verão de 2021.

A ideia era simples, ir no Sábado de manhã de comboio, fazer a Ecopista do Dão de Santa Comba Dão até Viseu, devagar devagarinho que afinal são apenas quase 50kms, de entre as 10h15 a meio da tarde, ficar alojados em Viseu de Sábado para Domingo, jantando lá, dormir, acordar, almoço e rolar de volta devagar devagarinho de Viseu para Santa Comba Dão, para apanhar o comboio de volta.

Eu já tinha ideia de ir de casa apanhar o comboio de bicicleta algures numa estação de Lisboa, para evitar ter de levar o carro, mas o meu primo pelas indisponibilidades ou até ausência de alternativas lá teve de ir de casa de carro até ao comboio em Santarém. Daí seguimos juntos.

Comprámos antecipadamente e com desconto as viagens no site da CP, para garantir o lugar da bicicleta, pois apesar de ser gratuito (que pessoalmente discordo, deveria ser pago mas com muitos mais lugares e de forma a garantir que houvesse oferta e não ficasse ao sabor dos humores dos revisores - no caso dos Regionais e Inter Regionais onde não há possibilidade de compra prévia)... dizia eu, apesar de ser gratuito tem de ser reservado. Nos Inter-Cidades existe um limite de duas bicicletas por carruagem. O que é manifestamente pouco.

Ver info no site da CP.pt

Para ter a garantia do transporte das bicicletas optámos pelos Inter-Cidades, sai de Lisboa às 7h39 e chega a Santa Comba Dão pelas 10h12 de Sábado. A vinda seria Domingo pelas 19h37 chegando a Lisboa pelas 22h22. Há outros comboios, os Inter-Regionais, mas garantia de transporte de bicicleta não há :(

Fiz um pouco mal as contas no Sábado, e demorei quase uma hora de bicicleta de minha casa à Estação do Oriente, pelo que cheguei com o coração a bater forte, e ainda por cima com uma chuvinha molha-tolos irritante. Mas cheguei a tempo, 3 minutos antes, e lá apanhei o comboio a caminho de Santa Comba, apanhando o primo pelo caminho em Santarém!

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Chegados à estação de Santa Comba Dão, que não é mesmo em Santa Comba mas nos arrebaldes, não existe nenhuma tabuleta que indique a Ecopista, mas sabendo de antemão e até seguindo outros ciclistas já conhecedores no momento, é indo para o final da plataforma seguindo o sentido do comboio, para norte.

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Uma das coisas que aconselho é levarem comidinha, pois não encontrei muita informação sobre cafés ou restaurantes pelo caminho. A não ser que queiram fazer desvios da Ecopista é melhor levarem farnel.

Os melhores spot para comer no curso da ecopista são em Farmilhão e Figueiró, ambos na zona norte. 

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A nossa ideia era mesmo ir a conversar, desfrutar, passear, devagar, na natureza, pelo que não tinhamos pressas e horas para cumprir, levámos alguma comida e bebida para estarmos sem necessidade de desvios ou acelerar para os cafés e outros locais de comezaima no caminho mas mais para lá de meio da Ecopista.

O que já tinha visto noutros blogs e videos e fóruns é o mau acesso da plataforma da estação de comboio à Ecopista. Muito mauzito mesmo. Já podiam ter resolvido isto... Uma pessoa com cadeira de rodas esquece, um carrinho de bebé é preciso fazer ginástica... enfim, mau! Ainda são uns 200 a 300 metros disto, terra batida com calhaus soltos e gravinha. Baah! 

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Depois de entrar, é rolar! A pendente/inclinação é a subir no sentido Viseu mas quase nem se nota... aliás, nós só notámos à vinda, pois as bicicletas rolavam embaladas com a parca inclinação que não sentimos no dia anterior. Impressionante... não custa nada. 

A Ecopista atravessa 3 concelhos, e cada qual tem a sua cor pintada no pavimento: Azul para Santa Comba Dão, Verde para Tondela e Vermelho para Viseu.

As cores estão desbotadas, sendo que onde tem as cores vivas são os trechos que tiveram manutenção mais recente, mas toda a Ecopista é de piso liso e rolante, não tem troços de terra batida - exceto onde as águas pluviais trazem as areias dos montes que os eucaliptos destroem as terras (enfim).

Tem pontes, tem túneis, tem retas (pequenas), tem cercas, tem vistas largas, tem passagem aberta na pedra, tem árvores com belas sombras, tem partes sem sombras, tem casas e terreólas, tem partes sem viválma, tem rebanhos de cabras, tem aves de rapina - não vimos cães, só ouvimos ao longe.

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Pernoitámos em Viseu, na Albergaria Hotel José Alberto, mais ou menos no centro, mas de distância a pé ao centro, onde jantámos e deambulámos (pelo Rossio, Parque da Cidade, mercado, zona da Sé).

Tinhamos previamente validado que podiamos ter espaço para guardar as bicicletas e tudo correu bem!

Simpatia do staff, localização e preço/qualidade muito bom.

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Com os COVIDs as unidades hoteleiras tiveram de se adaptar e assim não há buffets para ninguém, escolhes do cardápio e de manhã entregam o pedido. Mas o pequeno-almoço estava bom e simpaticamente indicaram que podiamos repetir o que quisêssemos. 

No dia seguinte era para almoçarmos em Viseu, mas com os planos furados, resolvemos ir andando devagar devagarinho, agora no sentido descendente... e claramente apesar da nossa surpresa a pendente é mesmo muito a descer, mas no dia anterior nem notámos que subíamos tal a suavidade que foi - afinal era a linha do comboio, há muitos muitos anos.

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O regresso foi mais rápido, será por irmos embalados a descer para sul seguindo o curso da água?! e rapidamente sem querermos chegámos a Santa Comba Dão onde esperámos pelo IC rumo a Sul e lá fomos de volta a casa com o coração cheio pela companhia um do outro e do passeio pela natureza de forma suave e sustentável. HAPPY DAYS!


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Dicas:

- Vão de comboio se puderem, ou até de autocarro; Comprem bilhetes para reservar o transporte de bicicleta, não arrisquem, pode correr menos bem;

- Façam em um fim-de-semana, ida no sábado e volta no domingo, devagar e sem pressas, sozinhos, com amigos ou família;

- Levem comida e água, não há lá muitos locais para refeições pelo caminho; os que há são já mais para meio em diante na parte de Tondela e de Viseu;

- Primavera ou Outono é capaz de ser melhor, nós apanhámos um dia de Verão muito ameno, mas com calor deve ser chato de fazer;

- Have fun! Ride bikes!

 

No País dos Rodinhas Tudo Corre Sobre Rodas

@ Lisboa Bike

Publicado em 30/06/2021 às 20:19

Temas: activismo ditadura do automovel

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DR


Não costumo falar destas coisas, mas esta situação é demasiado triste e acontece demasiado perto de casa, literalmente. Para mais, acabado de regressar de uma viagem pelo país vizinho, que penso trazer em breve a estas páginas, há realidades que saltam à vista e têm que ser mencionadas.

Em primeiro lugar, as minhas sentidas condolências e uma palavra de apoio para os familiares e amigos da Patrizia Paradiso, a ciclista abalroada por um automobilista na Marginal no fim de semana passado. Quando falamos destas coisas, é fácil passar rapidamente para as questões prácticas, técnicas e até morais da discussão. Nunca será demais lembrar que se extinguiu uma vida, ou duas neste caso, já que a Patrizia se encontrava grávida. Talvez por isso, e por se tratar de uma jovem académica, e uma pessoa que parecia ter muito para contribuir para a sociedade, tem havido um maior interesse mediático neste caso. Pensem na tragédia que este acidente significa, para os familiares, os colegas, os amigos da Patrizia. O impacto que terá nas próximas semanas, meses e anos das suas vidas.

E no entanto, lendo sobre o assunto, e sobre a temática em geral, somos imediatamente recordados que como estas coisas são tratadas em Portugal. É como se existissem uma série de consensos à priori, que moldam invariavelmente a discussão. Quem ler como a comunicação social aborda estes temas, encontra sempre dois elementos em comum:

  • Uma vontade irresistível de culpar a vítima. Ou pelo menos os ciclistas em geral. Porque "eles" saltam vermelhos, não usam luzes, não usam coletes reflectores, não circulam suficientemente encostados à berma, etc. (No fundo, porque existem).
  • A mesma vontade de desculpar o automobilista. Porque a estrada era estreita. Porque havia má visibilidade. Porque a diferença de velocidade era muito grande. Porque as condições climatéricas eram más, etc. (No fundo, porque não têm culpa que "eles" existam).

Os próprios ciclistas, que, recordemos, são na maioria das vezes também automobilistas, se dividem. Por exemplo, os apologistas da obrigatoriedade do uso do capacete parecem sentir um alívio intenso, se souberem que a vítima em causa não levava capacete. Assim podem viver na ilusão de estarem eles próprios completamente seguros, sempre que saem para a estrada com um pedaço de esferovite na cabeça. 

Há um par de semanas eu cruzei uma obscura fronteira no Alentejo e entrei na Extremadura Espanhola. Imediatamente me senti brindado por uma tremenda "cortesia" por parte dos automobilistas locais. A distância lateral que 95% deles me davam durante as ultrapassagens era, parecia-me, gigantesca. Um luxo, pensava eu. Toda a viagem me senti incrivelmente seguro, mesmo que não se visse nem mais um ciclista por aquelas paragens. Em Portugal, mesmo em zonas onde os ciclistas são presença habitual, as razias ao meu guiador são um acontecimento frequente. Ninguém é penalizado, e os automobilistas parecem desfrutar de "apertar" com o ciclista. 


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A sinalética não abunda por cá, mas as regras são as mesmas


Passados um dias, e pensado sobre o assunto, constatei o obvio. Aqueles automobilistas, de uma das zonas mais pobres e de menor nível educativo do país vizinho, note-se, estavam apenas a cumprir a lei. Sim, porque a lei exige que se abrande e se guarde pelo menos 1,5 metros de distância lateral ao ultrapassar um velocípede. Idéntica legislação existe em Portugal. Mas os portugueses ignoram ou desprezam o código da estrada, e as autoridades não se interessam minimamente por garantir o seu cumprimento. 

Eu passo com alguma frequência no local do acidente da Patrizia, pois vivo muito perto. O limite de velocidade são 50Km/h. Não sendo ideal, e tendo bastante trânsito, não considero a estrada em si perigosa, afinal é plana, com bom piso e boa visibilidade. Sim, as faixas de rodagem são estreitas, como acontece em toda a N6, mas há duas para cada sentido. Por isso mesmo, os automobilistas deveriam mudar de faixa para realizar a ultrapassagem a um ciclista. O código da estrada a isso obriga. Mas o facto é que a maioria das pessoas da zona não se dá a esse trabalho. Menos ainda abrandam. Perderiam um par de segundos e não estão para isso. Muitos circulam em excesso de velocidade. Não poucos limitam-se a poupar a vida do ciclista no último momento, passando a uns míseros centímetros do guiador. 

É tão simples quanto isto: o condutor que atropelou a Patrizia é objectivamente um homicida negligente, era sua obrigação garantir que podia parar em segurança se algum obstáculo lhe surgisse na faixa de rodagem, e devia igualmente garantir que no caso de uma ultrapassagem, esta seria efectuada a baixa velocidade e garantindo uma distância mínima lateral de 1,5 metros do velocípede. Tal não aconteceu, e agora ele é responsável por uma tragédia. Pouco há para discutir neste caso. Como é obvio, este condutor deveria estar neste momento detido, aguardando uma investigação, mas duvido muito que seja o caso. 

Duvido mesmo, por experiência, que este homem venha a ser punido de alguma forma concreta ou sequer simbólica. E é esta ausência de qualquer castigo, qualquer responsabilização, tão portuguesa por sinal, que garante que continuarão a existir estes casos. Porque no fundo basta dizer "não vi" ou "aconteceu tudo muito rápido" e os culpados vão para casa, deixando um rasto de morte e destruição atrás de si. Não é falta de legislação, não é falta de ciclovias segregadas, é a actitude irresponsável de uma enorme fatia da população, que inclui a elite política e o poder judicial, para quem mobilidade é igual a automóvel e para quem as bicicletas são uns brinquedos incómodos, que devem simplesmente sair do caminho, como por magia, quando o veículo dos adultos se aproxima.

 


Pouco mudou. Este é uma país de rodinhas, onde as pessoas persistem em ir a todo o lado de automóvel, e consideram ter uma espécie de direito divino de nunca abrandar e ter lugar de estacionamento garantido a 10 metros do destino. Demasiados cidadãos olham para o mundo a partir desta visão provinciana do novo rico que adora o seu brinquedo mais caro. Um país onde por sistema se ignoram os limites de velocidade, impunemente. Onde diariamente se estaciona de qualquer maneira, em cima de passadeiras, de passeios, bloqueando a passagem em ciclovias, sem consequências. Onde uma enorme fatia da população não sabe, não conhece, não concebe outra forma de deslocar-se que não seja recorrendo ao automóvel. Assim é muito difícil ter uma discussão construtiva. O nível de ignorância em relação à temática dos modos suaves é demasiado grande. 

Num país de analfabrutos, patos bravos, rufiões e chicos-espertos, andar de bicicleta na via pública é de facto arriscado. Mas não será por culpa da legislação, nem sequer da infraestructura, (embora muito se possa fazer neste capítulo) e muito menos dos ciclistas.

 

Ecopista Guimarães – Fafe: longe da vista, longe do viajante

@ Bicicleta na Cidade

Publicado em 28/06/2021 às 18:42

Temas: Bicicultura Notícias e Reportagens Para além de Lisboa Segurança trajecto Vídeos

Este artigo faz parte de um conjunto de textos sobre as Ecopistas de Portugal – projecto para o desenvolvimento de caminhos para bicicletas e peões através do aproveitamento de linhas ferroviárias desactivadas – servindo como base para uma análise mais aprofundada do potencial destas infraestruturas. Discute-se o seu uso do ponto de vista da bicicleta e não ferroviário.

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Casas, campos agrícolas e um acesso privilegiado

Chegando à estação de comboios de Guimarães, esperava encontrar algum vestígio da linha que até 1986 dali partia em direcção a Fafe. A estação fora entretanto substituída por uma nova, construída mais à frente, terminando agora numa parede de betão atrás da qual um parque de estacionamento automóvel e uma rotunda separam a moderna infra-estrutura de um terreno verde de erva pujante, onde só a ausência de edifícios deixa imaginar que por ali, em tempos, terá passado um comboio.

A Ecopista de Guimarães faz parte do Plano Nacional de Ecopistas criado em 2001 pela então REFER Património, gestora da rede ferroviária, agora denominada IP Património. O plano foi criado “tendo em vista a requalificação e reutilização das linhas e canais ferroviários sem exploração”, pode ler-se no site da empresa, onde o trajecto entre Guimarães e Fafe é anunciado como parcialmente concluído – de um total de 21 quilómetros, pouco mais de 14 estão finalizados.

Entrada pelas traseiras


No posto de turismo da cidade que foi a primeira capital do país explica-se como chegar ao local onde a via começa. Os mapas disponíveis para oferecer aos visitantes estão circunscritos a uma zona mais central da cidade e o guia precisou de recorrer a um exercício de imaginação para me ilustrar o que faltava do caminho. Perguntei o que tinha acontecido à parte da linha que saía da estação e atravessava a cidade antes de começar a subida à Penha. “Já não existe”, foi a resposta dada num tom simpático, como é tudo aqui.

A Penha é o nome do monte que os primeiros quatro quilómetros de linha serpenteavam para alcançar o seu topo, cerca de 150 metros acima da estação, deixando para trás a cidade e, ao mesmo tempo, proporcionando uma vista panorâmica sobre ela. Um artigo publicado na revista Ilustração Portugueza aquando da inauguração da linha em 1907, dá conta do que se podia observar à época:

Sae esta nova linha da estação de Guimarães agarrando-se ao magestoso monte da Penha, encimado com a estatua de Pio IX e um pittoresco hotel, e, durante quatro kilometros, sempre subindo, vae-nos mostrando soberbos panoramas que se estendem desde a cidade de Guimarães até às alturas do Sameiro. Rodeado um contraforte do monte da Penha, entra-se então no extensissimo valle de S. Torquato.

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Vista para o Vale de São Torcato

Hoje, este troço do percurso faz-se por uma alternativa menos sonante, a antiga Estrada Nacional 101, que foi transformada nas ruas Padre António Caldas e da Cruz da Argola depois de construída a sua variante. Tem a vantagem de encurtar a distância e os senões de ser mais íngreme e de ter trânsito motorizado pouco afeito à partilha com ciclistas. A vista até pode ser boa mas a falta de sinalização que indique o início da ecopista e o movimento rodoviário constante convidam pouco à contemplação. A primeira indicação da “pista de cicloturismo” aparece somente para assinalar a saída desta estrada, voltando a surgir a partir daqui sempre que é necessário mudar de direcção. Quando em recta, mesmo passando por rotundas e outras junções, não há qualquer placa indicativa, o que só aumenta a ansiedade do ciclista durante a subida... ter-me-ei enganado no caminho?

É nas traseiras de uma fábrica do sector têxtil que se entra na ecopista, assinalada com um pórtico metálico de dimensão um tanto ou quanto exagerada, como que tentando devolver o prestígio a algo importante, sem dúvida, que porém se esconde nas traseiras de uma fábrica. Rapidamente se esquece tudo isto quando se olha para o vale que preenche a paisagem à esquerda.

Chamar-lhe “pista” adequa-se, mas não devia


A construção desta linha de comboio tornou-se viável financeiramente após uma revisão do traçado que permitiu eliminar dois túneis inicialmente previstos. O plano nunca concretizado era, a partir de Fafe, fazer a ligação com as linhas do Tâmega e do Corgo, aproximando o Minho e Trás-os-Montes, até à cidade de Chaves.

Após o encerramento do serviço ferroviário, a Câmara Municipal de Fafe foi a primeira a converter o canal em pista de cicloturismo, como lhe chamam na placa que assinala a sua inauguração em 1996. Seguiu-se-lhe o município de Guimarães, três anos depois, que a completou até ao local onde ainda hoje principia.

Em bom estado de conservação está o asfalto, que é acompanhado por uma linha branca que percorre todo o trajecto, um traço continuo que dificilmente cumpre a função de proibir a transposição da via de circulação porque, numa faixa com estas características, tal regra é desnecessária e até contraditória desde logo porque é partilhada por ciclistas e peões, recomendando ultrapassagens com alguma distância lateral. Uma despesa em tinta que poderia ser poupada sem que a segurança dos utilizadores fosse afectada.

Nalguns troços vemos rails de protecção lateral iguais aos das autoestradas, estes sim uma ameaça à segurança dos ciclistas. O que é bom para os automobilistas, como estes são, pode transmitir uma falsa sensação de segurança a quem tem o corpo exposto em caso de embate ou queda e estes rails, que deveriam ser almofadas, são antes facas sem gume.

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Rail de protecção lateral e pórtico
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Cruzamento com uma estrada











Um trabalho realizado pela Universidade do Minho em 2001 aponta todos estes pormenores, colocando a tónica na segurança dos ciclistas e na sua fruição do percurso – aspectos que se interligam, obtendo-se um por via do outro. No artigo são referidas medidas que permitiriam transformar este canal num verdadeiro corredor verde, o que, apesar de algumas melhorias, ainda está por concretizar. Percebe-se que a escolha das protecções laterais teve como principal preocupação impedir o acesso de veículos motorizados à ecopista mas, conspicuamente, todos os equipamentos obedecem a uma linguagem rodoviária e não de ciclovia, como também é notado nesta passagem:

Estes elementos estruturantes (...) não devem reflectir o aspecto, dimensões, ou tipo de material usados standardizadamente nas estradas. Deve-se implementar uma imagem própria à ciclovia (...). A título de exemplo, as velocidades inerentes a velocípedes justificam sinais de menores dimensões, que não têm que ser de tão rápida percepção como a sinalização de estrada.

Tudo isto se torna pouco importante quando se olha em volta a vista imensa. É, todavia, justamente esse o motivo que deve orientar a escolha de soluções, permitindo uma distracção segura e desejável em vez de iludir na segurança ou fantasiar com estradas como as dos automóveis, como se as vias para bicicletas fossem uma brincadeira infanto-juvenil. Nunca foram.

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Estação de Paçô Vieira, concelho de Guimarães
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Estação de Cepães, com esplanada, concelho de Fafe











O que pode ser melhorado


A remeter para algum outro imaginário que não o de uma via para ciclistas e peões, a ecopista deverá valorizar o património ferroviário e relembrar ao viajante a história deste canal e o porquê dele existir. Dificilmente se cortariam montanhas e fariam taludes, túneis e pontes como aqui se fosse para criar de raiz um corredor verde. Esta via e o seu suave declive existem porque em tempos passaram por aqui comboios fumegantes.

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Ciclovia do Parque da Cidade, Fafe
Contudo, para dar maior coerência a esta via, é necessário prolongá-la em ambos os sentidos. Se em Fafe a ecopista já tem continuação através de uma ciclovia que convida a entrar na cidade, penetrando no parque verde até chegar a uma praça central, poderia daí continuar cumprindo o projecto original de ligar a Chaves e aproximar o Minho e Trás-os-Montes.

Do lado de Guimarães, duas opções estratégicas: prolongar a pista até à estação de comboios pelo troço original e, enquanto isso não é feito, melhorar a sinalização a partir do centro da cidade. Vamos por partes.

A primeira impressão com que se fica, olhando para o edificado, é que o canal ferroviário foi ocupado pela expansão urbana, o que também é sugerido pela demolição de um antigo apeadeiro nesta zona. Felizmente, olhando atentamente para a vista de satélite e confrontando-a com um antigo mapa, percebe-se que o corredor permanece livre, nuns casos abandonado às ervas, noutros transformado em arruamentos, como é o caso da Avenida Rio de Janeiro. A engenharia do início do século XX tem tudo para poder voltar ao serviço, proporcionando agora uma suave subida aos ciclistas.

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O troço entre a estação e o início da ecopista em Guimarães, a tracejado. Fonte

De acordo com as normas de sinalização vertical, uma placa cor-de-laranja, como a que indica a pista de cicloturismo, refere-se a equipamentos desportivos e estes, normalmente, existem num lugar concreto, como um hipódromo, um autódromo ou um ringue de patinagem. Contrariamente a esses equipamentos, esta pista de cicloturismo une duas cidades por meio de uma via sem tráfego motorizado e isso deveria estar inscrito na sinalética, com outra cor de fundo e, sobretudo, contendo a informação da localidade para onde segue e a respectiva distância, fundamental para quem se desloca de bicicleta.

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Uma humilde sugestão gráfica do que pode estar inserido na sinalética

Enquanto esta pista for tratada como um equipamento desportivo e não como uma via de circulação, ficará por explorar o potencial turístico e patrimonial que a Ecopista Guimarães – Fafe em si contém. Ligá-la à estação de comboios trará mais visitantes, desde que devidamente anunciada e sinalizada, na estrada e nos mapas. Continuá-la de Fafe até Chaves, através de um corredor verde, deve ser visto como um investimento estratégico e o corolário de uma ideia com mais de 100 anos.


 
A última viagem do comboio

 A ecopista actualmente
 

Aprender a pedalar - como se ensina e como se aprende a andar de bicicleta

@ Bicicleta na Cidade

Publicado em 28/06/2021 às 18:28

Temas: Bicicultura Jornal Pedal Notícias e Reportagens Para além de Lisboa Segurança

Texto originalmente publicado no Jornal Pedal nº 11, de Dezembro 2012. Apesar da idade do mesmo o conteúdo mantém-se actual, salvo nas condições que cada escola aqui retratada disponibiliza para os seus cursos. Confirmem nos links abaixo a oferta em vigor.

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Cortesia The Online Bicycle Museum


Manobrar uma máquina requer conhecê-la para lá do seu manual de instruções. Implica mais do que usar a lógica. Adquire-se com a prática. Quem ensina e quem aprende a andar de bicicleta sabe que é assim, um exercício de experimentação motora e de expulsão de receios que bloqueiam o acesso à experiência. Tudo isto se consegue mediante algumas premissas, ou antes, tudo fica mais fácil quando elas estão reunidas.

Quem escreve esta reportagem é também instrutor de condução de bicicleta, o que pode levantar algumas questões sobre o puxamento da brasa a uma sardinha que começa a dar as primeiras pedaladas como área de negócio. Creia o leitor que é uma tarefa exigente, esta de quem escreve, conquanto traz consigo a possibilidade de explorar nuances e subtilezas só ao alcance dos que conhecem o terreno e a experiência que aqui se conta.

Decidir

Muitas são as razões que levam alguém a adiar o momento em que se aprende a descolar os pés do chão e a ganhar controlo sobre um mecanismo simples, porém simbiótico, que alicerça uma nova forma de contacto entre o chão e o nosso corpo. Substituir os pés pelas rodas e o pavimento pelos pedais está ao alcance de todos os que sentem motivação para experimentá-lo. Sem isso, nada feito. A vontade antecede tudo, mesmo os pânicos de última hora que podem levar a algumas desistências ou a novos adiamentos.

Nos últimos 6 anos surgiram cursos para ensinar a pedalar e procura não tem faltado. A Escolinha da Bicicleta, do Núcleo Cicloturista de Alvalade, em Lisboa, foi a primeira a oferecer o serviço, uma ideia que surgiu depois de lhes ser concedido um espaço no Complexo Desportivo Municipal de São João de Brito, passando o colectivo a dispor de um ringue de jogos onde desde 2006 ensinam. Começou como uma “carolice”, diz-nos o presidente e instrutor João Santos: “ninguém estava à espera que alcançássemos o número de alunos nem os efeitos práticos que daí resultaram”. A procura destes cursos é geralmente antecedida de outras tentativas frustradas, a solo ou com a ajuda de familiares e amigos.

Rui Pratas é o instrutor da Pedalnature e há dez anos deu-se conta de que algumas amigas suas não sabiam andar de bicicleta, oferecendo a sua ajuda para ensiná-las. Quando decidiu levar o assunto mais a sério acabou por encontrar a Escolinha de Alvalade, que já existia. Rui obteve depois uma formação em Jogo e Motricidade Infantil cuja metodologia adaptou para ensinar o equilíbrio da bicicleta a adultos. As primeiras amigas que ensinou representaram a ponta do icebergue que viria a descobrir mais tarde: “80% dos iniciantes que tenho são do sexo feminino, dos quais 50 ou 60% nasceram entre 1962 e 1975”. Rui avança uma possível explicação para este fenómeno que ocorre na Grande Lisboa, associando-o ao período em que a cidade cresceu e ficou dominada pelo automóvel: “Foi o final das brincadeiras de rua”, diz-nos, resultado de um sentimento de insegurança crescente.

Para Ana Pereira e Bruno Santos, da Cenas a Pedal, é difícil traçar um perfil de pessoas que os procuram. Formados em 2008 pelo britânico Cyclists' Touring Club para a instrução de condução de bicicleta (tal como este que vos escreve), lidam com aprendizes de todas as idades e com as mais diversas histórias de vida. Há receios que acompanham os aprendizes até às aulas, mas também uma dose suficiente de coragem, vontade e perseverança: “Há muitos medos associados e quanto mais velhas são as pessoas mais isso se nota, porque tiveram mais anos para criar expectativas. E não é só o medo de cair, é também o medo de falhar, medo de se meterem a fazer uma coisa que acham já não ser para a sua idade, isso tem uma importância diferente da que tem para uma pessoa de 20 ou 30 anos, há esse medo de estar a arriscar fazer algo meio atípico para a idade e depois não funcionar”, diz Ana. Mas a experiência de instrutores e alunos prova que funciona.

Avançar

São os adultos quem mais procura estas aulas, mas há também pais que optam por dar aos filhos a oportunidade de aprender num ambiente controlado. Para a Cenas a Pedal e Escolinha de Alvalade, que ensinam crianças a partir dos cinco anos, as razões para essa escolha variam entre a limitação física dos pais, para acompanhar em segurança a aprendizagem dos filhos, e o insucesso de tentativas anteriores. Embora seja normal as crianças aprenderem mais depressa que os adultos, estes cursos funcionam para todos e todas as idades como um acelerador desse processo, a forma mais eficiente de desenvolver e adquirir novas competências. Qualquer pessoa está apta a aprender, até sozinha. O que aqui se faz é evitar caminhos tortuosos e aquisição de vícios que prejudiquem ou não acrescentem nada de essencial ao andar de bicicleta. Cada instrutor tem o seu método e há, entre todos, alguns pontos de convergência.

Leonel Mendonça, instrutor nos cursos que a Federação Portuguesa de Cicloturismo e Utilizadores de Bicicleta (FPCUB) organiza pontualmente em conjunto com a Câmara Municipal de Lisboa, tem a missão de ensinar em grupo, factor que considera ajudar à aprendizagem: “uns puxam pelos outros e estão todos em pé de igualdade. Ao ser em grupo, nós não conseguimos estar a dar apoio a todos ao mesmo tempo, o que faz com que eles sejam obrigados a ter uma certa autonomia no momento em que estão a aprender”. A mesma opinião já não é partilhada por Rui Pratas da Pedalnature que, depois de ter experimentado essa abordagem, apercebeu-se da discrepância de ritmos de aprendizagem: “não é justo dar mais atenção aos que evoluem mais depressa. [Agora] as aulas são sempre individuais e reservo três horas para cada uma”, refere.

Este ano, surgiu o primeiro curso do género na cidade do Porto pela mão de Pedro Rosa, bailarino e coreógrafo. “A minha experiência no ensino da dança contemporânea a jovens e adultos é a base do meu método”, conta-nos. “Passa por uma desconstrução precisa da postura e do movimento, de uma análise cuidada do funcionamento do corpo e da própria mecânica envolvida no acto de dirigir uma bicicleta. Trata-se de fazer um trabalho passo a passo, começando com noções e tarefas mais simples e progredindo até ao acto completo de dirigir a bicicleta com segurança e leveza”, continua.

Todos concordam que um bom espaço de ensino é condição fundamental para a eficácia da aprendizagem. Zonas amplas, planas ou com ligeira inclinação para facilitar o arranque, sem trânsito, sem obstáculos numa primeira fase, com curvas e obstáculos na fase final. Nem sempre é possível reunir num mesmo local todas as características desejáveis, sendo necessário priorizar e ajustar. Os instrutores têm locais de treino habituais podendo, no caso da Cenas a Pedal e Pedalnature, deslocar-se até à zona de residência do aluno, caso seja do seu interesse e exista um local de treino adequado nas proximidades.

Com alguma frequência surgem pedidos para que as aulas se realizem longe de olhares indiscretos. O desejo de não querer ser visto, seja por desconforto ou por se tratar de figuras públicas, deve ser tido em conta na medida em que pode influenciar o ritmo e o à-vontade necessários para aprender. Rui Pratas recorre preferencialmente a uma área no Parque das Nações, em Lisboa, e chega a iniciar as aulas às 5h30 da manhã, quando não se vê vivalma nas redondezas, para satisfazer esses pedidos. A Cenas a Pedal realiza os seus cursos regulares no Jardim da Estrela onde tenta uma abordagem diferente sobre a privacidade: “Nós tentamos desdramatizar isso, aprender a andar de bicicleta é como fazer outra coisa qualquer”, diz Bruno acrescentando que, quando o aluno não se sente à vontade, acaba por pedir um sítio mais resguardado ou é o próprio instrutor quem toma essa decisão: “é um bocadinho mais desafiante, às vezes, e há pessoas que obviamente encaram isso com mais à-vontade do que outras, mas não tem impedido que aprendam e tem a vantagem de o fazerem num sítio mais realista, no fundo”.

Adquirir

As circunstâncias específicas de cada aluno recomendam que os instrutores adaptem o que for necessário para beneficiar a aprendizagem. É o que acontece com a escolha da bicicleta de treino, onde o tamanho, a geometria e destreza a que obriga na condução têm influência directa sobre o aluno, como nos diz João Santos: “Isso é outro segredo do ensinar a andar de bicicleta, que a pessoa se sinta bem, [sabendo que] assim que põe os pés no chão está em segurança e não cai, porque as pernas fazem um bipé sem ter que se levantar. Só depois é que começamos a subir gradualmente o selim”. Rui Pratas tem vindo a especializar-se no ensino a pessoas obesas, construindo uma bicicleta adaptada para esse efeito – com rodas mais pequenas, tamanho 24'', e um sistema de travões alterado – de forma a “não obrigar os iniciantes a dobrar tanto os membros inferiores, que é a maior dificuldade que têm”. Hoje, graças ao passar da palavra, é bastante procurado para este serviço.

A aprendizagem tem um lado mecânico e outro, mais subjectivo, que exige dos instrutores uma sensibilidade para compreender bloqueios mentais. Por mais método que se desenvolva e eficiente que se consiga tornar o processo, o instrutor é sobretudo um companheiro de aprendizagem, um apoio, um guia, alguém que encoraja e valida constantemente os pequenos avanços que o aluno realiza. A bicicleta e o ciclista devem fundir-se num corpo só: “no início os principais problemas são a verticalidade do corpo, o alinhamento com a bicicleta e a utilização funcional do guiador”, refere Pedro Rosa, notando também que “muitas vezes o corpo inclina-se para os lados, encolhe-se e fica tenso aos primeiros sinais de desequilíbrio ou receio de algum imprevisto” e a tendência é agarrar o guiador com muita força. Para conseguir aliviar a tensão “respiramos fundo”, conclui.

Ana Pereira considera “a parte emocional tão ou mais importante do que a técnica. Muitas vezes tu explicas e a pessoa percebe, mas depois têm a parte emocional a dar cabo daquilo, por isso não serve de muito seres bom a explicar a técnica se depois não tiveres um perfil de relacionamento interpessoal que permita vencer essas barreiras”. Por essa razão, o treino faz-se também do lado dos instrutores já que é fundamental criar uma relação de confiança e para isso é necessária uma boa dose de reforço positivo: “As pessoas costumam dizer que nós somos muito simpáticos e temos muita paciência. A experiência aí ajuda imenso, porque eu não tenho que fingir confiança, eu tenho confiança que aquilo vai funcionar. Por isso, às vezes as pessoas acreditam nelas próprias simplesmente porque sentem que eu acredito nelas”, remata Ana.

Talvez a maioria das pessoas passe pela experiência de aprender a andar de bicicleta duas vezes ao longo da sua vida – a primeira como aprendiz, a segunda para ensinar os filhos. É raro encontrar quem não se lembre do momento da sua “descolagem”, tal é a grandeza da emoção que se sente. Para os instrutores, apesar do aperfeiçoamento da técnica e da automatização dos processos, a alegria de ver alguém ganhar asas mantém-se, como se fosse a primeira vez.

Cursos

Lisboa:

Ciclábil

- Cenas a Pedal

- Escolinha da Bicicleta

- FPCUB / CML

- Pedalnature

Porto:

- Aprender a Andar de Bicicleta


 

Projecto Bacalhau: Notas & Fotos Finais

@ Lisboa Bike

Publicado em 16/05/2021 às 16:27

Temas: bikepacking viagem volta a Portugal

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Algumas notas sobre viagens aventura de longo curso e outros projectos assim mais malucos. Cabe talvez realçar que o mais importante nesta questão não são as finanças, ou negociar o tempo suficiente longe do trabalho e de muitas outras responsabilidades. Nem é o treino, a preparação física, a compra do material para a bicicleta, a roupa, o planeamento exaustivo da viagem em termos de geografia, estradas, previsões meteorológicas, cálculo de distâncias diárias, etc. 

Não, por mais trabalhoso que seja resolver estas questões prácticas, que são importantes, o mais complicado é mesmo decidir ir. Parece simples, mas não é. Tem de haver motivação, e essa não surge do nada. É preciso querer mesmo ir, estar motivado é a única forma de sobreviver sozinho, na estrada, dia após dia. Quando as coisas começarem a correr mal, e vão correr mal em alguma altura, não pode haver dúvidas que é ali que queres estar. 

Resolvida esta questão, tudo o resto se torna mais manejável e as coisas acontecem. 

E uma nota final: não esperem que todos compreendam a vossa vontade de devorar quilómetros. Haverá quem vos tente desmoralizar, colocando buracos nos vossos planos. Por vezes é um amigo bem intencionado, que julga que te vai salvar de um embaraçoso falhanço. Por vezes é alguém mais invejoso, que considera impossível que faças algo que ele próprio nunca conseguiria. Eu tive quem me dissesse que a viagem acabaria ao segundo dia na parte de trás de uma ambulância. E tive gente a dizer-me que eu parava demais, que parava de menos, e porque é que não ia a museus, que ia demasiado depressa, que ia demasiado devagar...  

Uma viagem destas é tua, não é de mais ninguém. Seria bonito, mas não esperes que toda a gente apoie a tua decisão. Ela pode parecer a algumas pessoas uma coisa demasiado estranha. E as pessoas não lidam muito bem com o que não compreendem. 

Dito isto, também ninguém faz nada sozinho. Eu contei com o apoio à distancia de vários amigos que vibraram com as noticias do meu progresso e me animaram ao longo do caminho. E do inestimável apoio em coisas mais técnicas do meu amigo João Serôdio, ao contrário de mim, um atleta a sério. Graças a ele, a minha posição na bicicleta estava muito bem afinada e não tive quaisquer problemas físicos. Obrigado João!

Deixo-vos com mais algumas imagens, para quem busque inspiração.


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Projecto Bacalhau: Dia 23 - Até ao Fim

@ Lisboa Bike

Publicado em 15/05/2021 às 15:35

Temas: bikepacking viagem volta a Portugal

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Almada. O Isaltinistão ali tão perto

A manhã do último dia começa em algumas das estradas onde eu mais evitaria pedalar em Portugal. As nacionais ao redor de Sines. Sem bermas, sempre com trânsito relativamente denso e rápido, e com malta que ultrapassa as bicicletas de qualquer maneira. Um TIR passou a milímetros do meu guiador e o Dentuça chamou-lhe nomes que eu nem sabia existirem. Este percurso foi tanto mais inglório porque eu fui mesmo obrigado a voltar para trás. Eu explico: há poucos anos algum iluminado resolveu caçar uns votos "inaugurando" uma autoestrada nesta zona, ou melhor, mudando o nome à antiga estrada de duas faixas por sentido que vinha para Sines, e com a alteração, para sempre banindo os velocípedes de ali circularem.

 

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Por aqui?


Embora tudo indicasse o contrário, eu estava convencido que existiria um caminho para Norte para bicicletas, passando por Sines, mas evitando a dita A26, e o GPS, por uma vez, concordava comigo. O que eu não contava era com o que seria preciso para sair dali sem usar a dita nova "autoestrada". Para o GPS um caminho é um caminho. Mas eu é que tenho que lá passar!


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Por aqui??


Primeiro tive de usar uns acessos a um estacionamento, depois tive de contornar por trilhos a refinaria e os depósitos de hidrocarbonetos de Sines. Mais tarde andei mesmo no meio do mato, usei umas estradas de acesso para trabalhadores da refinaria e depois de circular numa linha férrea encerrada, lá encontrei uma saída para uma estrada nacional que seguia para Norte. 


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Por aqui!


Quando finalmente vi a zona de Sines pelas costas, realmente tinha evitado a autoestrada, mas era quase hora de almoço e o calor apertava. Tinha os pulsos em mau estado, devido ao piso e o terreno que tinha atravessado, e estava a ficar claro que não haveria pausa para almoço, não se eu queria estar em casa, no Isaltinistão, antes de escurecer.


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Hum...


Cheguei sem muitos incidentes a Troia, mas sempre debaixo de imenso calor. O trânsito cada vez mais intenso e os condutores que desprezam a vida dos outros vão tirando alguma piada a circular por estas bandas. Nesta altura ainda faltavam duas travessias de ferry e mais de 40Km para eu chegar a casa, mas eu sentia que era já mesmo ali ao lado.


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No Ferry



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Pronta para os últimos Km


Não era. No Ferry para Setúbal vimos golfinhos e a criançada a bordo correu para ver os simpáticos animais, que pareciam saudar a nossa passagem. Foi um momento de serenidade, que não me preparou para o que viria a seguir. A subida à saída de Setúbal fui brutal. Pouco depois encontrava um trânsito absolutamente infernal entre Setúbal e Almada, em hora de ponta e debaixo de um calor abrasador. Filas e filas de transito caótico, os paquidermes metálicos enfurecidos, que eu contornava e deixava para trás, apesar do cansaço dos mais de cem quilómetros nas pernas.


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De maneiras que foi isto

Suponho que não poderia ser de outra maneira, haveria esforço até ao fim. Em Almada tive de correr para o barco. Uns minutos depois estávamos a ser libertados na outra margem, no Cais do Sodré. O Dentuça exclamou um sentido "I'm back, bitches!" mas a euforia durou-lhe pouco. A rolar lentamente numa Marginal repleta de carros, uma certa melancolia pareceu instalar-se. Parecia incrível estar de volta, mas era verdade, ali estávamos nós, 23 dias e 1900Km depois, practicamente de volta ao ponto de partida. No ar andava uma pergunta, pesada, inevitável, incontornável. "E agora?"

Para libertar a mente destas questões fracturantes, comecei a assobiar o tema de Lucky Luke, como tinha feito em tantos outros finais de dia, nas semanas anteriores. Depressa o Dentuça me acompanhou e juntos cantarolamos pela estrada fora, enquanto mergulhávamos cada vez mais no caos do fim do dia do Isaltinistão. 



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Km finais: 1909


Obrigado a todos os que seguiram esta pequena saga desde o início, espero ter motivado alguém a fazer uma viagem mais longa de bicicleta ou ajudado a esclarecer o que acontece, ou pode acontecer, num tour deste género. Estarei disponível nos comentários para questões que surjam. 

Espero também encontrar alguns de vós na estrada. O tempo está excelente. Boas pedaladas!

Dia 23. Porto Covo-Isaltinistão. 153Km. (Estrada/Trilhos)
 

Projecto Bacalhau: Dia 22 - Roendo uma Laranja na Falésia

@ Lisboa Bike

Publicado em 14/05/2021 às 14:35

Temas: bikepacking viagem volta a Portugal

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Porto Covo


Olhando o mundo azul à minha frente, penso em todos os sítios por onde andamos nas últimas semanas. Do profano ao sagrado, da grande urbe ao parque natural, do litoral ao interior, o Dentuça e eu vagueamos ao nosso ritmo e ao sabor do vento, por algumas das mais belas estradas do nosso país. 

Esta manhã tomámos um descansado pequeno almoço em Lagos. Mas o ambiente turístico do Algarve não me convence. As pessoas dos hotéis e restaurantes do Sul parecem demasiado mercenárias.  A moça do alojamento de Lagos, depois de me fazer esperar uma boa meia hora, fez o equivalente a atirar as chaves para o chão e dizer "desenrasca-te, eu tenho que voltar para a praia". As boas gentes da N2 deixaram-me talvez mal acostumado.  


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Dizem que havia um pessegueiro na ilha


O vento sopra do mar, e na tranquilidade daquele miradouro de Porto Covo, com a barriga cheia de piza obtida ali ao lado, em Vila Nova de Milfontes, eu sei que tudo está prestes a acabar. Toda esta liberdade, esta alegre vagabundagem, vai ter mesmo um fim. Mas estou em paz com essa ideia. E isso será outro dia, por hoje tenho esta paisagem. E a brisa que sopra. E um mar de recordações.


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Isto é capaz de não ser normal


O corpo talvez agradeça um descanso também. Nem todas as mazelas dos primeiros dias sararam completamente. O Sol de Junho continuou a fazer estragos. Eu sinto que poderia prosseguir, talvez indefinidamente, mas também não será má ideia dar atenção a estas pequenas coisas.  



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Porto Covo


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Casa, por hoje

Para aquele que será o último jantar na Estrada, faço questão de comprar uns petiscos no mini mercado local e fazer uma festa de despedida no parque de campismo de Porto Covo, onde chegamos depois do almoço, fazendo o caminho mais directo desde Lagos. A opção de rumar a Norte deveu-se à falta de entusiasmo para ir até Sagres, onde já estive muitas vezes de bicicleta, e àquela sensação omnipresente de que isto está terminado.


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Vila Nova de Milfontes


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Rio Mira e o Mar, em Milfontes


Dia 22
. Lagos-Porto Covo. 112 Km. (Estrada)

 
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