Ana Paula Rodrigues Matos @ Braga Ciclável
Publicado em 11/10/2025 às 7:00
Temas: Opinião Ana Paula Rodrigues Matos Bicicleta Braga cicloexpresso Mobilidade Sustentável mobilidade urbana paula matos pedibus regresso às aulas School Bus Braga Segurança Rodoviária Sustentabilidade trânsito escolar Transportes públicos
Todos os anos com o regresso às aulas persiste o problema, transito caótico. Portugal tem uma população estudantil significativa, o que faz com que a gestão do trânsito à volta das escolas seja um desafio constante. Os números de alunos inscritos no ensino obrigatório em Portugal para o ano letivo de 2025/2026 não foram divulgados oficialmente pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, no entanto, é possível estimar um valor com base em dados de anos anteriores. Em 2023/2024, havia mais de 1,1 milhão de alunos no ensino básico e secundário (pré-escolar, 1.º, 2.º e 3.º ciclos e secundário) e mais de 448 mil alunos no ensino superior, totalizando cerca de 1,6 milhões de alunos nos diferentes níveis de ensino.
A frase “pensar local para agir global” é um conceito central para a sustentabilidade e a responsabilidade social, e aplica-se de forma muito concreta ao seu dia a dia. Algumas dicas de como contornar o problema do trânsito.
Planeie a sua rota, evite as horas de ponta e considere rotas alternativas que não passem diretamente pelas escolas.
Estacione a uma distância segura e faça o resto do caminho a pé.
Use transportes públicos, verifique se existem opções de autocarro, convenientes para a sua rota.
Organize turnos, fale com outros pais na sua zona e combine levar as crianças à escola em turnos.
Caminhe ou vá de bicicleta, se a escola for perto, esta é uma ótima opção. Além de evitar o trânsito, é uma forma de exercício físico e uma boa maneira de as crianças começarem o dia com mais energia.
Em Braga, o School Bus – projeto de transporte escolar sustentável e gratuito está de volta a partir de 11 de setembro 2025 e vai abranger todas as escolas do segundo e terceiro ciclos do concelho. Nesta fase, estão abrangidas 17 escolas, com 27 viaturas, num total de 103 circulações diárias e 1.318 quilómetros percorridos por dia. As viaturas, devidamente identificadas, estão equipadas com cintos de segurança e contam com vigilantes a bordo, garantindo que todos os alunos viajam sentados e em segurança. O serviço tem como objetivo reduzir o congestionamento de trânsito, a sinistralidade e incentivar a autonomia das crianças.
Pedibus, é um projeto-piloto que organiza “comboios a pé” para a escola, grupos de alunos caminham juntos em percursos definidos e com a supervisão de adultos. Esta iniciativa ajuda a tirar carros da estrada, incentiva a atividade física e a socialização. De acordo com informações disponíveis, o projeto funcionou em algumas escolas de Braga, incluindo a EB1 de S. João do Souto, EB1 de Ponte Pedrinha e o Colégio D. Pedro V, a Câmara Municipal tem planos para expandir a iniciativa.
CicloExpresso, semelhante ao Pedibus, cria “comboios de bicicleta” para as crianças irem de bicicleta para a escola de forma segura e acompanhada. O objetivo é promover a mobilidade ciclável e reduzir o impacto ambiental do transporte individual. Está presente nas escolas: EB2,3 André Soares, EB1 Carandá, EB N.º 2 Lamaçães, EB1 São Lázaro, EB1 Ponte Pedrinha, EB São Victor, Colégio D. Pedro V e Conservatório de Música Calouste.
Rafael Remondes @ Braga Ciclável
Publicado em 27/09/2025 às 7:00
Temas: Eventos Opinião Av. da Liberdade Avenida João XXI Avenida Padre Júlio Fragata Bicicleta Braga Parque Ciclovias Júlio Fragata kidical mass Kidical Mass Braga kidicalmass minho center Rafael Remondes Rodovia Velocidade Excessiva
No passado dia 21 de setembro, a Braga Ciclável, com a colaboração da Câmara Municipal de Braga e da Bicicultura, organizou a quarta edição da Kidicalmass em Braga. O evento, dirigido sobretudo às crianças, foi um sucesso: perto de 100 participantes percorreram algumas das avenidas mais movimentadas da cidade, como a Avenida Padre Júlio Fragata, a Avenida da Liberdade ou a Avenida João XXI. A alegria dos mais pequenos foi evidente. Pedalaram com toda a sua energia na frente do pelotão e contagiaram os adultos com o seu entusiasmo. No final, a pergunta era unânime: “Então, quando é a próxima?”
Ainda assim, houve uma reação que me deixou com alguma tristeza. Um dos pais participantes enviou-nos um texto que, apesar de felicitar a organização, apontava fragilidades: considerou que o percurso passou por estradas pouco seguras e que, mesmo com a presença da polícia, os condutores não respeitaram os limites de velocidade. A sugestão foi clara — em futuras edições, escolher um trajeto mais seguro.
Compreendo a preocupação e reconheço a realidade. O limite nas avenidas escolhidas é, no máximo, 70 km/h. Mas naquela manhã seria mais provável encontrar uma nota de 20 € no chão do que um condutor a circular abaixo desse valor. O excesso de velocidade e a ausência de ciclovias transformam a deslocação de bicicleta na Rodovia ou no eixo Bragaparque–Minho Center num desporto radical, e não num simples meio de transporte. Eu próprio, como ciclista, faço tudo para evitar essas vias.
Mas privar as crianças (e também os adultos) de pedalar na cidade porque é perigosa é olhar para o problema do lado errado. O problema não são as bicicletas. O problema são as avenidas onde os carros circulam a mais de 100 km/h no coração da cidade, com risco quase certo de matar uma pessoa. O problema é não existir uma ciclovia junto ao Bragaparque ou à Rodovia. É não haver semáforos ou estreitamentos que obriguem os carros a cumprir os limites de velocidade, permitindo que as crianças possam ir de bicicleta para a escola em segurança. O grande problema é termos deixado de permitir que uma criança brinque e corra na rua, porque aceitámos que o automóvel impera no espaço público.
A Braga Ciclável continuará a lutar por mais espaço e melhores condições para a bicicleta. É por isso que organizamos a Kidicalmass. Porque a Kidicalmass é mais do que um passeio: é um protesto, uma reivindicação do espaço público, uma forma de lembrar a todos que as crianças também têm direito a andar de bicicleta. Esse espaço é tão delas como dos carros. E é por isso que precisamos de sair à rua com elas e reclamar a cidade. Elas merecem — e nós temos o dever de lhes deixar a cidade que merecem.
Tânia Covas @ Braga Ciclável
Publicado em 13/09/2025 às 7:00
Temas: Opinião Ciclovias espaço público Espaço Urbano espacopublico Espanha justiça social liberdade Tânia Covas Costa
Voltar de férias tem sempre um sabor agridoce. Depois de uns dias de pausa, regressamos ao ritmo diário, às rotinas repetitivas, ao leva e traz dos filhos, às correrias entre casa, escola dos filhos e trabalho / escola e atividades extra. Mas este regresso trouxe-me também uma inquietação interior: a perceção clara de que precisamos de fazer mais, de exigir mais, de lutar por um espaço público que verdadeiramente pertença às pessoas.
No país vizinho, Espanha, onde recentemente estive, percebi o que significa viver em cidades que apostam em devolver o espaço urbano aos cidadãos. Ruas transformadas em espaços e praças vivas, ciclovias que ligam quarteirões inteiros, escolas rodeadas por zonas amplas e seguras, livres de automóveis e de poluição. É uma realidade que nos mostra que é possível outro caminho, que há alternativas ao modelo atual de cidade dominada pelos carros, pelo ruído e pelo ambiente poluído.
De regresso a Braga, o contraste é duro. O nosso quotidiano está marcado por deslocações que deveriam ser simples, mas que se tornam num desafio à segurança, à saúde e até ao bem-estar psicológico. Como aceitar que as nossas crianças continuem a respirar ar contaminado à porta da escola, entre carros em segunda fila, motores a trabalhar e buzinas impacientes? Como aceitar que não consigam circular de bicicleta em segurança, porque as ciclovias são escassas, descontínuas ou simplesmente inexistentes? Como ignorar que o ruído constante das avenidas nos impede até de conversar sem levantar a voz?
Reconquistar o espaço público é mais do que uma questão de urbanismo: é uma questão de justiça social, de saúde pública e de futuro coletivo. Precisamos de cidades que devolvam autonomia às pessoas, começando pelos mais pequenos. Dar-lhes condições para irem sozinhos ou acompanhados de bicicleta para a escola não é apenas um capricho; é um investimento na sua independência, na sua confiança e na sua saúde. É também um ato de respeito para com o ambiente e as gerações que virão.
Braga tem de apostar, com coragem, na mobilidade suave: mais e melhores ciclovias, passeios seguros, ruas pacificadas junto às escolas, transportes públicos que sejam de facto uma opção prática e sustentável. Não podemos continuar a adiar esta transformação. A cada ano que passa, estamos a hipotecar a qualidade de vida não só dos nossos filhos, mas de todos os que habitam a cidade.
Se noutras cidades é possível, por que razão não será em Braga? Precisamos de acreditar que merecemos melhor. Precisamos de exigir que o espaço público seja pensado para as pessoas — e não para os automóveis. É tempo de nos levantarmos contra a apatia e a resignação. O futuro constrói-se hoje, no caminho para a escola, no passeio diário, no ar que respiramos e no silêncio que ainda podemos recuperar.
Reconquistar o espaço público é, afinal, reconquistar a nossa liberdade.
Victor Domingos @ Braga Ciclável
Publicado em 30/08/2025 às 7:00
Temas: Opinião Bicicleta Bosch Campus de Gualtar Centro Empresarial de Braga Ciclovias Complexo Desportivo da Rodovia Escola escolas Ferreiros Maximinos Piscinas Rodovia Trabalhar Universidade do Minho
Entre Ferreiros e Gualtar há uma distância de apenas seis quilómetros. Pelo caminho, encontramos milhares de postos de trabalho, áreas residenciais, um apeadeiro ferroviário, escolas, piscinas, o Complexo Desportivo da Rodovia e a Universidade do Minho. Numa zona da cidade marcadamente plana, tudo isto poderia e deveria estar ligado por uma ciclovia simples, direta, segura e útil. Mas, em vez disso, continuamos a entregar este trajeto quase em exclusivo ao automóvel.
Nesse eixo, só na zona entre Maximinos e Ferreiros, a presença de grandes empresas, que diariamente obrigam à deslocação de milhares de trabalhadores, faz desta freguesia uma das zonas mais ativas do concelho. Mais ainda quando, a dois passos dali, no Centro Empresarial de Braga, encontramos outro polo com dezenas de empresas e centenas de postos de trabalho. Trata-se, portanto, de uma zona da cidade com importância considerável em termos de mobilidade.
Em Gualtar, o cenário é igualmente intenso: inclui a Universidade do Minho, com cerca de 20 mil estudantes e dois mil trabalhadores, numa zona com milhares de residentes. Um eixo que liga emprego, habitação, ensino, saúde e comércio, e que não pode continuar a ser ignorado.
Atualmente, pedalar de Ferreiros a Gualtar é tarefa quase impossível. A infraestrutura ciclável é descontínua, insegura e pouco convidativa. O resultado é previsível: quem pode, vai de carro, mesmo em trajetos curtos, com custos para a carteira, para o erário público e, pela poluição atmosférica e sonora, para a saúde de todos. Os estudos mostram que grande parte das deslocações urbanas não ultrapassam os 8 quilómetros — exatamente a escala onde a bicicleta tende a ser mais eficiente que o automóvel. A ecovia junto ao rio Este, partilhada por peões e bicicletas, não é solução viável para quem precisa de fazer o seu dia-a-dia e cumprir com os horários da escola, da universidade ou do trabalho. O percurso pelo conjunto de ruas e avenidas que ligam à EN14 (mais comummente designadas como “Rodovia”) é bem mais curto, mais plano e poderia ser confortável e eficiente de bicicleta, se tivesse a infraestrutura adequada.
Uma ciclovia estruturante neste eixo traria ganhos claros. Os residentes e trabalhadores de Ferreiros e das outras freguesias ao longo do percurso chegariam de bicicleta ao centro ou a Gualtar em menos de 20 minutos, em vez dos atuais 35 ou 40. Os estudantes e os trabalhadores poderiam deslocar-se em segurança para os seus destinos. Cada bicicleta traduz-se em menos um carro na estrada, diminuindo a sobrecarga viária e aumentando a fluidez do trânsito.
O traçado é simples e linear, e praticamente plano. Avenidas como a Imaculada Conceição ou a João XXI oferecem espaço mais do que suficiente para implementar ciclovias segregadas com largura adequada. Em 2017, chegou a ser elaborado para o Município um projeto abrangente, que contemplava ciclovias ao longo de boa parte do percurso aqui descrito, mas nunca chegou a sair do papel…
Braga tem algumas ciclovias, mas parecem surgir como “ilhas”, em vez de se ligarem para criar o necessário efeito de rede. Está, pois, na hora de investir numa rede coerente, eficaz e útil. A ligação Ferreiros–Gualtar tem por isso potencial para se revelar, não meramente como mais uma ciclovia, mas sobretudo como um eixo estruturante que aproxima pessoas, trabalho, estudo e saúde.
A mudança é possível, o benefício será de todos.
Raquel Rocha Afonso @ Braga Ciclável
Publicado em 16/08/2025 às 7:00
Temas: Opinião Aprende a Pedalar aprender aprender a andar de bicicleta Aula Iniciação Bicicleta Bicicleta crianças Equilíbrio Raquel Rocha Afonso rodinhas
Para muitos de nós, as memórias mais queridas da infância incluem um triciclo. Essa máquina de três rodas, com os seus pedais diretos e a sua capacidade de nos levar para a frente e para trás, foi a nossa primeira sensação de independência sobre rodas. Com os seus pedais e o seu assento baixo, os triciclos não exigem equilíbrio; mas são a primeira lição de autonomia. No entanto, a verdadeira aventura começa quando nos atrevemos a ir mais além.
O próximo passo, muitas vezes subestimado, é a bicicleta de equilíbrio, sem pedais. Embora à primeira vista possa parecer um brinquedo simples demais, é, na realidade, a ferramenta de aprendizagem mais eficiente para o futuro ciclista. A sua genialidade está na sua simplicidade. Ao sentar-se, a criança tem os pés no chão, o que lhe dá segurança. À medida que se impulsiona, a criança aprende instintivamente a levantar os pés e a manter o equilíbrio por breves momentos. É um processo natural, sem a pressão de pedalar, permitindo que a criança se concentre na habilidade mais crucial de todas: o equilíbrio.
O que se segue é a bicicleta com pedais. A transição da bicicleta de equilíbrio é muitas vezes mais suave e rápida do que se imagina. Depois de dominar o equilíbrio na primeira, a criança só precisa aprender a coordenar os pedais. Para muitos pais e mães, essa fase é acompanhada pelas famosas rodinhas laterais. No entanto, as rodinhas podem ser um obstáculo mais do que uma ajuda. Elas dão uma falsa sensação de segurança, ao mesmo tempo que impedem a criança de aprender a inclinar o corpo para equilibrar a bicicleta. Quando a criança finalmente tira as rodinhas, é necessário reaprender a equilibrar-se, o que pode ser frustrante.
Aprender a andar de bicicleta não é apenas sobre pedalar ou ir para a frente; é sobre confiança, resiliência e a capacidade de cair e se levantar. E o mais importante, é sobre a liberdade de explorar o mundo ao seu próprio ritmo. Ao priorizar o equilíbrio desde o início, estamos a preparar a próxima geração de ciclistas para a estrada, para a vida, e para a importância de saber como se manter de pé, mesmo quando tudo parece estar em movimento.
Essa geração, ao crescer com esta base sólida, não verá a bicicleta apenas como um brinquedo, mas como uma ferramenta de liberdade e autonomia que os pode levar a qualquer lugar. Em cada criança que aprende a equilibrar-se sobre duas rodas, estamos a plantar a semente de um futuro mais sustentável, onde as cidades são projetadas para as pessoas e não para os carros. São estes futuros ciclistas que se tornarão os adultos que exigirão e criarão cidades mais seguras e mais amigáveis para as bicicletas, transformando a nossa paisagem urbana, uma pedalada de cada vez.
Seja numa rua de terra batida ou numa ciclovia urbana, cada pedalada é uma vitória, uma prova de que a mais importante das lições é aquela que nos ensina a encontrar o nosso próprio centro, o nosso próprio equilíbrio. E essa é uma lição que não tem preço.
Luís Tarroso Gomes @ Braga Ciclável
Publicado em 2/08/2025 às 13:57
Temas: Opinião Bicicleta Bordéus debate Luís Tarroso Gomes Mesquita Machado Metrobus Braga Mobilidade PRR Ricardo Rio Tarroso
Agora que chega ao fim o terceiro mandato da atual equipa autárquica e que se encerra um capítulo, é tempo de balanço. Durante anos julguei que, quem quer que sucedesse a Mesquita Machado, só tinha margem para fazer uma cidade melhor, tal era o desastre do legado no domínio da mobilidade urbana (transportes, deslocações, segurança e qualidade de vida). Enganei-me. Com todas as possibilidades de mudança nas mãos, Ricardo Rio deixou que o concelho, em contracorrente com a tendência inexorável das cidades europeias, se continuasse a afundar num martírio de automóveis, ruído, poluição, aceleração, impaciência, postura agressiva, atropelamentos fatais e sinistros diários. Sem carro não é fácil sobreviver em Braga. E isso nada mais é do que um sinal claro de que uma cidade média fracassou.
Soma-se a essa falta de arrojo de Ricardo Rio, um desperdício de oportunidades históricas para repensar, exigir e revolucionar a mobilidade local e regional: entre outras, os períodos de confinamento, os fundos do PRR, a alta velocidade ferroviária. A ambição resume-se em converter a mais antiga linha de transportes urbanos da cidade (o eixo Estação-Universidade, a operar há quase 150 anos) numa versão pomposamente batizada de metrobus. O resto das linhas de autocarros manter-se-á a funcionar naquele sistema arcaico, desatualizado e imprevisível que sabemos que não convence, nem serve os bracarenses. Por outro lado, a “rede” prometida de ciclovias, apesar dos trechos acrescentados, é uma miragem e vive ainda à custa dos dois eixos (rio Este e Lamaçães) que o anterior autarca criou (e Mesquita Machado ainda era menos entusiasta das bicicletas).
O executivo de Ricardo Rio viveu 12 anos inebriado pela sua constante propaganda e vaidade mas paralisado na ação. A Braga renovada das notícias e dos comunicados de imprensa constantes não existe e, sem carro, deslocamo-nos pelo concelho com as mesmas limitações e obstáculos de há três décadas. Problemas de simples resolução mantêm-se anos a fio por solucionar, demonstrando uma total falta de atenção do Executivo municipal à realidade das ruas e praças e aos detalhes. Acresce que, o que tem sido feito, proposto ou mantido nunca é precedido de discussão pública, envolvimento dos bracarenses nas decisões ou confronto de alternativas.
E se a Câmara teve um papel apagado na revisão da mobilidade urbana, também não soube incentivar os agentes privados a construírem uma cidade moderna. As novas urbanizações e as constantes alterações dos loteamentos apresentam-se com as mesmas soluções erradas do passado: espaço público entediante, desligado da envolvente, dedicado na sua maioria aos automóveis, espraiado por inúteis canteiros verdes nos locais sobrantes, com mobiliário urbano fraco e mal posicionado, sem incentivo para a autonomização das crianças, nem para as deslocações a pé, de bicicleta e noutros modos suaves. Já nem refiro melhorias que, aos olhos da Câmara, devem parecer ficção científica: corredores verdes, coberturas vegetais, refúgios climáticos, autoprodução de energia, etc.
Tudo isto pode parecer ambicioso mas pergunto: como é que outras cidades médias – e até de grandes dimensões – deram um salto para outro paradigma de mobilidade na mesma dúzia de anos?
paulofski @ na bicicleta
Publicado em 16/07/2025 às 15:00
Temas: bicicleta 1 carro a menos a gloriosa bicicleta bom ano Canyon ciclismo ciclismo urbano ciclistas urbanos do Porto cicloturismo fotografia gravel longas pedaladas Maneirinha memórias mobilidade momento motivação outras coisas penso eu de que... Roadlite STRAVA
Após um ano de uso intenso, à data deste postal vai com seis mil e seiscentos quilómetros contabilizados, apenas perturbado com um furo e um patético trambolhão, o investimento que fiz na aquisição desta pequena máquina velocipédica compensou, e de sobremaneira!
Não hajam dúvidas que esta bicicleta ultrapassou largamente as minhas expectativas. Nada mal para quem já percorreu tanto. Nada mal para quem ousou optar e não dispensa este veículo de eleição nos commutes diários.. e extraordinários.
Conhecida por ser um modelo versátil, focada para o desempenho urbano, o conforto para quem busca algo entre o asfalto, o empedrado e a terra batida, o seu quadro leve e a geometria versátil tem-me oferecido uma experiência extraordinária, pedalada estável e potente, incrivelmente eficaz mesmo em longas distâncias. Para além de me garantir uma boa performance no trajecto diário, para e do trabalho, oferece-me ao mesmo tempo o conforto e segurança em aventuras mais off-road.
A Canyon Roadlite cumpre na perfeição o papel que se exige a uma bicicleta multifacetada. Perfeitamente adaptada a rodar em terrenos variados, não lhe poderei exigir o desempenho de uma bicicleta específica para cada função, mas esta mistura de utilização está proporcional às suas capacidades, onde o critério conforto é crucial.
Teve os upgrades que achei necessários, um ou outro acessório foi-lhe adicionado, o que melhorou significativamente a sua polivalência e a minha experiência.
.Deixo um apanhado “Stravico” das voltas inesquecíveis que ambos tivemos durante este ano:
paulofski @ na bicicleta
Publicado em 6/06/2025 às 13:58
Temas: marcas do selim Alan amigo Pawel Arouca bicicleta boas pedaladas brevet BRM 200 Castelo de Paiva cicloturismo devaneios a pedais dos malucos das biclas voadoras esta malta tem cá um pedal!... estrada Feira fotografia fotopedaladas Furadouro Gorka Gralheira longas pedaladas Miranda Mizarela montanhas de quilómetros Montanhas Mágicas motivação outras coisas Ovar pelas ruas do Porto Porto randonneur randonneurs portugal roda de amigos Serra da Freita Subida mais longa Zé Ferreira
A apenas vinte minutos pedalados de casa para o local de depart, poderia dar a entender que os preparativos para nova rodada “randonneira” fossem mais relaxados! Só que não. Se no planeamento deste brevet e posterior averiguação in loco do percurso participei com todo o gosto, não ia faltar ao apoio com os organizadores Manuel Miranda e José Ferreira no bike check da saída. Assim, lá tive de saltar da cama pelas cinco da matina, tal e qual como se fosse viajar para Marinhas, o local habitual de saída do brevets para norte!
O prato principal é contagiar os ciclistas com a magia da Freita, mas para chegar ao ponto alto do dia foi preciso encher alguns chouriços. Os primeiros quilómetros serão mais tranquilos, cumprindo o plano mais plano. Gradualmente o ondulante perfil interior orientará os ciclistas rumo ao objectivo. Com a serra na linha do horizonte, os ciclistas vão sentir a progressiva ascensão pelo lado de Arões. Vai, quem sabe, pausar em Mira Freita. Irá resistir ao calor na escalada para o planalto. Poderá interrogar-se, “o que é isso das Pedras Parideias!?”. Não escapará à contemplação da cascata da Frecha da Mizarela… no fundo, irá maravilhar-se com locais de rara beleza e pura dureza.
Seis e meia da matina, aos poucos, os participantes foram chegando, juntando-se no parque de estacionamento da Portgás. Conversas de circunstância, revisão das regras à indumentária e às máquinas, finda a reunião preparatória, vinte e nove randonneurs e uma randonneuse perfilaram-se para a foto da praxe. Sete e meia, lentamente fomos descendo a Estrada da Circunvalação rumo ao Douro.
Passado o tabuleiro inferior da Ponte Luiz I, um bando de coletes florescentes espantava turistas errantes, colorindo a estrada ao longo da marginal de Gaia. A neblina proveniente do oceano entrava na bacia do Douro, envolvendo o inconfundível arco da Ponte da Arrábida. À passagem pela piscatória Afurada a temperatura desce ligeiramente. O ex-libris de Miramar, a Capela do Senhor da Pedra, não figurou nos álbuns fotográficos dos passantes porque, simplesmente, não se conseguia mirar nada!
Os cinquenta quilómetros iniciais são rodados em terreno plano, ao longo das ciclovias à beira-mar plantadas. Após Espinho fez-se a rodagem num troço sem trânsito, paralelo à linha de comboio, até que os ciclistas se embrenharem na ondulante e verdejante estrada florestal, de Cortegaça ao Furadouro, onde o Zé Ferreira os aguardava, munido de um mini carimbo para registar a passagem no primeiro posto de controlo, no Café Rota do Mar onde também estava assegurado o abastecimento calórico.
Com a viragem para Nascente, paulatinamente a névoa da manhã se foi e o sol voltou a dar um ar de sua graça. Com a passagem pelo centro de Ovar, da pacifica pedalada que houve até ali seria o contraste. Face ao crescente volume de trafico que iriam enfrentar, soariam alarmes com redobrados cuidados entre o pelotão.
A estrada ainda é plana, por agora, mas em breve irá dará lugar a alguns topos mais elevados. Outro ponto de indiscutível interesse foi a passagem por Santa Maria da Feira, estrategicamente incluída no roteiro. Depois de apontados os telemóveis ao imponente Castelo da Feira, os ciclistas tiveram de se amanhar por um massacrante piso paralelepípedo. Vá lá que era a descer… até ver!
A abordagem para o interior obrigou à passagem por alguns centros urbanos, prendendo toda a atenção, tanto na orientação, cautelas redobradas no atravessamento de estradas mais movimentadas, até que progressivamente as paisagens rurais com caminhos mais calmos começam a ser mais frequentes. Ali, facilmente somos testemunhas das rotinas diárias de um modo de vida mais tranquilo, onde um audível “Bom Dia” nos sai naturalmente, ao qual as pessoas devolvem o gesto com simpatia.
Cerca de dez graus acima do começo da jornada, agora que a leve ascensão na estrada nos impele para a frente, clicando nas manetes à procura de uma engrenagem mais leve e, em seguida, esgotar as possibilidades disponíveis no pedaleiro maior, uma série de colinas se intermedeiam, antecipando no horizonte o que aí vem. A vista da serra revela-nos a sua grandeza e ainda estamos a aquecer.
Na berma da estrada, um senhor idoso colocava garrafões de plástico na mala do carro. De tão ressoados que estavam os garrafões, dava a ideia que a água era fresquíssima, e indaguei: “Caro senhor, essa água vem de onde? Não vejo aqui nenhum fontanário!”. Outro homem surge do meio do mato, carregando mais dois garrafões cheios. “Ali ao fundo, e é água muito boa, podem estar seguros, mas tenham cuidado que o chão escorrega”. Fazendo uma pausa para um longo gole de água gelada, saimos dali com os bidons cheiinhos e prosseguimos a subida à conversa.
No horizonte, saídos debaixo da sombreada copa das arvores, as cores da serra e as aldeias sobressaiam no panorama. Já a subida ia a meio e só agora passávamos pelo primeiro carro desde há largos minutos. Na rota da dita “Subida mais longa”, ao quilómetro 13, alcançamos Mira Freita e a hipótese de uma paragem, não porque estivéssemos cansados, mas porque sabia d’antemão que ali haviam boas sandes de presunto e frescas cervejinhas para quem quisesse antecipar o almoço.
Sábado foi um dia em que o calor apertou e bem. Péssima hora para atacar a Serra da Freita, pensámos, mas disso a montanha não tem culpa. Nós é que quisemos estar ali, a sofrer, a derreter sob o abrasador sol do meio-dia, mas não nos podíamos queixar. O dia estava fantástico e dava para ver perfeitamente toda a paisagem que nos rodeia.
Retoma-se a subida. A estrada diante de mim é cada vez mais severa. Numa curva com vistas largas, páro para fotografar e desfrutar da agradável panorâmica. Sorvo da minha garrafa de água, procuro me refrescar aproveitando uma brisa leve, mas os níveis do mercúrio estão bem acima dos 35 graus! Ao longe, a visão do radar meteorológico relembra-me que tenho mais quilómetros de subida pela frente, e eu estou a contar com eles.
O ritmo é lento, também muito por culpa do panorama paisagístico que me envolve de sobremaneira. O suor escorre pelo meu rosto e não resisto a mais um momento de pé no chão para outra fotografia, captando alguns dos meus companheiros que me perseguem. Aqui pode-se desfrutar de uma paisagem que quase atinge o infinito. Para onde quer que se olhe o momento é de silencio, só nós, as nossas bicicletas e a fantástica paisagem. Agora sente-se uma ligeira brida de vento, mas que não é capaz de pôr as eólicas a girar.
O recorte da torre do radar meteorológico indicava que estamos quase no ponto mais alto do Maciço da Gralheira! Com ânimo redobrado, transpomos a barreira dos mil metros de altitude e alcançamos o planalto da Serra da Freita. Montes matizados do amarelo e do lilás, da carqueja e da urze, a natureza é surpreendente. Extasia-nos com maravilhas invulgares, com caminhos ancestrais, geossítios e fenómenos geológicos que originaram o Arouca Geopark. Como estas estradas são lisas e tranquilas, quase sem trânsito a atrapalhar a calmaria, e alguns montículos de bosta no meio do alcatrão revelam pistas que as vacas arouquesas pastam por ali.
Ponto obrigatório do roteiro, o miradouro da Frecha da Mizarela compensa todo o esforço que ficou para trás, para ali chegar. As chuvadas deste inverno engrossaram o rio Caima, que nasce no planalto da Freita, e ampliaram a arrebatadora beleza da cascata mais alta de Portugal Continental, ao despenhar-se a 60 metros de altura um dos locais mais emblemáticos da serra. Mais umas quantas fotografias e um pouco de conversa sobre o que tínhamos visto até ali, foi com um dos principais objectivos atingidos que nos colocamos em marcha via Merujal.
O segundo posto de controlo, na Mercearia da Montanha, prometia-nos algum descanso e reforço alimentar. Pelo tempo que demorou a chegar à mesa, nem foi necessário esperar que o caldo verde arrefecesse. Meia-hora depois e estávamos em marcha, novamente em subida, num alcatrão bem lisinho. Se a praia fluvial de Albergaria da Serra seria uma boa desculpa, alguns randonneiros acharam que sim, o passeio no parque de diversões tinha de prosseguir.
Juntamente com novos companheiros de roteiro, a estrada em excelente piso volta a empinar, refletindo as curvas sob a luz solar. Para lá da zona do parque de campismo. fora da protecção do arvoredo, somos atingidos pelo calor do ar e cozidos na fornalha do sol. Não há ponta de vento.
Uma pausa no relato para falar da bicicleta reclinada do Pedro! Subir pendentes consideráveis numa chaise long com pedais não é nada fácil. Ao contrario da capacidade que as recumbentes têm em atingir velocidades consideráveis no terreno plano, é de louvar o esforço quando a estrada se inclina à frente do ciclista. Tendo em conta a posição diferente das bicicletas convencionais, uma grande desvantagem das bicicletas reclinadas é a redução da potência devido à menor capacidade de usar as pernas contra o quadro. Por outro lado, pensava eu, não é tão simples abordar as descidas. Revela-se problemático o uso de travões convencionais em rodas de carbono. Pura e simplesmente o Pedro derreteu a pista de travagem no aro da roda traseira enquanto travava na abrupta descida para Arouca.
Chegamos a Arouca cansados do rude alcatrão e de tanto tempo a pressionar as manetes de travão. Ao vermos algum pessoal refastelado numa esplanada, que também assistia as incidências da derradeira etapa do Giro de Itália, paramos para um cafezinho e mais qualquer coisa. Passados uns minutos pusemo-nos novamente em marcha, para uns quilómetros mais à frente calcarmos a estrada rumo a Castelo de Paiva.
A N224 é uma estrada bastante prazerosa, com um perfil e envolvente muito agradáveis, curvas sensuais e absolutamente nenhum trânsito. Para além de não ter sido ultrapassado por um carro, o único veiculo por assim de dizer com que me cruzei em longos quilómetros foi uma motorizada que descia de motor desligado.
Embalados pela benesse gravitacional, subitamente calcamos os paralelos à entrada de Castelo de Paiva para nos determos na confeitaria indicada, tanto para carimbar o cartãozinho, como para voltar a hidratar e saborear um gelado… ou dois! Estávamos a um quarto de hora das 16h, só que o relógio não parava e ainda havia um quarto de percurso por pedalar. De novo com o depósito cheio, depressa estávamos de volta ao selim para mais duas horas de pedalada. Continuou-se a descer.
Com a alma revigorada, tínhamos agora a companhia do Rio Douro e o vento pela frente. O percurso pela N108 até ao Porto é sobejamente conhecido. Não sei bem porquê, desta vez os meus diabretes não apareceram para me atazanar, e aparentemente eu estava cheio de pica. Entusiasmei-me na pedalada, e sem me aperceber fui fugindo dos meus companheiros. Entretanto, “apanhei” o Rui e o Carlos que “conduzi” até às portas do Porto. Praticamente com o brevet concluído, deixei-os ir e sentei-me no trono de pedra à entrada do Parque Oriental, para espererar pelo pessoal que deixei para trás e percorrer em conjunto os derradeiros quatro quilómetros sob a frescura do curso ao longo do Rio Tinto.
Que belo dia para pedalar. Foi de facto um fantástico e inesquecível Brevet, com um grande companheirismo e, como habitualmente, mais uma irrepreensível organização dos Randonneur Portugal, nas pessoas do Manuel Miranda e José Ferreira, a quem muito louvamos o esforço e dedicação à causa. Um abraço a todos que participaram e comigo conviveram, aos meus amigos Pawel, Nelson, Jorge e em especial ao Alan, que se despediu, por agora, pois irá brevemente pedalar, entre outras coisas, para as estradas onde se circula à esquerda, para Inglaterra.
Até Breve(t), embora me pareça que pelo calendário de 2025 não poderei participar em mais algum evento randonneiro.
paulofski @ na bicicleta
Publicado em 4/04/2025 às 14:24
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Já antes pedalava diariamente, em percursos urbanos para e do trabalho. Já antes alargava os meus passeios de fim de semana. Já antes havia participado em Brevet´s dos Randonneur Mondial, mas, como entretanto vim a saber: “se não está no Strava, não aconteceu!”
Era uma manhã de um sábado cendrado pelo nevoeiro. De olhos turvos, ainda num estado semiconsciente e pré-cafeinado, abri o Strava, e, sem saber bem se a geringonça nova iria cumprir o prometido, dei inicio a uma boa aventura. Diz que o tempo voa, mas estes dez anos, desde a minha primeira pedalada registada no Strava, parecem ter sido supersónicos!
Não levo o Strava muito a sério. Não sou muito adepto dos desafios, nunca usei um medidor de potência e muito menos um monitor de frequência cardíaca para me dizer que o meu coração ainda bate. Continuo a ser um utilizador banal, resistindo aos constantes apelos de subscrição, no entanto tenho de agradecer a esta inigualável plataforma toda a incrível tecnologia como repositório das minhas actividades cicláveis (e algumas pedonaveis!).
Voltando aos dias inebriantes da primavera de 2015. Tudo mudou quando o Pelotão do Arrasto, um grupo de amigos que jogava cartas ao longo da estrada N108, partilhava nas publicações do Instagram: “Oh pá, já viste os nossos PR´s desta manhã?” Eu não via. Primeiro nem sabia bem o que ere um “PêéRre”. Depois não tinha um gêpêésse ou mesmo um telefone esperto capaz de correr a “App”. O Strava não tinha importância, pelo menos não tinha para mim até me decidir comprar um telemóvel de jeito e fazer o meu primeiro “upload”, numa reedição da clássica bicinigração a Fátima.
Inspirado pelos meus amigos, isso me fez conquistar “PêéRres” e coisas novas também. Pronto, aos poucos também fiquei obcecado com aquilo. Persegui os melhores tempos pessoais, pedalei distâncias cada vez maiores e escalei subidas para mim inimagináveis. Agora, ao longo do tempo, era capaz de quantificar e comparar dados com tantos outros. Admiti que passei a gostar de receber “kudos”!!! “O quê? Escudos!”… “Não pá, KUDOS. os “likes do Strava”. També os comentários e elogios às fotografias que fui, e vou, tirando. Agrada-me partilhar a minha jornada pedaleira nesta rede social. Afinal, a nossa vida é bem pouco inspiradora.
Eu não percebi na época que me estava a juntar às fileiras de uma classe crescente de novos atletas, mas nunca me encaixei no papel de atleta. Nunca tive ilusões de nada. Para além de ter sido um gajo acima do peso ideal, não lutei por recordes, não engrossei Granfondos, Zwift’s, ou isso, nem me atirei como um louco nas descidas. Em vez disso, segui um caminho diferente, enchendo as pernas de ácido láctico, como cicloturista, desfrutando e babando nas subidas.
Há dez anos atrás era apenas dez anos mais novo. Sim, é uma afirmação óbvia, mas quando me revejo em termos velocipédicos muita coisa evoluiu. É evidente que contínuo um ciclista urbano, cada vez mais enferrujado, mas o facto é que nestes anos todos pedalei e visitei muitos locais que de outra forma certamente não conheceria. Esta fantástica ferramenta permite-me manter um arquivo histórico, por onde e com quem pedalei, e que posso consultar a qualquer momento.
Alcancei alguns reptos pessoais, físicos e mentais, me deparei com a maldita da diabetes, tive alguns acidentes, vi amigos irem e virem. Melhorei sobretudo a minha experiência em cima de uma bicicleta. Juntei as pedaladas laborais, o #commutescount, à contabilidade pessoal. Uni esforços reivindicativos com a legião de guerreiros de fim de semana, totalmente relegados no direito a circular na estrada. Basicamente procurei aproveitar o extraordinário efeito transformador que as bicicletas tiveram em mim.
Não domino o teletransporte, mas quando viajo no tempo de volta a abril de 2015 percebo que, até hoje nestes 10 anos de constante movimento, já percorri mais de 100 mil quilómetros. Estes números redondos apenas alimentam o meu ego e reforçam a dependência que tenho cada vez mais das minhas bicicletas. Venham daí os próximos capítulos.
paulofski @ na bicicleta
Publicado em 21/03/2025 às 11:53
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Desta vez não me esqueci de ligar o despertador e saí do Porto bem cedinho, ainda com a última saída solitária e atabalhoada de Esposende no pensamento. Penso ter sido o segundo a chegar a Marinhas, o habitual ponto de depart dos Brevets a norte, numa manhã gelada e cinzenta, mas com o mote musical dos Foo Fighters, em “minha honra” e a desejar-me “um dia frio ao sol”.
E assim foi, um belo dia ao sol, onde cerca de quarenta randonneurs, entre eles duas randonneuses ucranianas, Mari Pori e Bori Sova mais dois amigos Riazor oriundos da Galiza, juntaram forças e coloriram as estradas rumo à vila de Soajo, o ponto alto do dia. Mas antes de lá chegarmos tínhamos um longo caminho pela frente. Não sendo nada fácil, foi um percurso bastante agradável de ser feito e que me fez reviver algumas das memórias vividas nos vários brevets percorridos pelo verde Minho.
Um percurso com séculos de história, passagem de vidas peregrinas, ora movidas pela fé, ora entregues aos afazeres e tradições populares, através de estradas tranquilas, vistas esplêndidas e aldeias rústicas. As levadas (canais de irrigação) estão sempre presentes no caminho, no certo e longo Caminho, do pão e da fé. Eram usadas para o regadio dos campos de cultivo e para movimentar os moinhos que transformavam o grão na farinha, bem como orientar e refrescar peregrinos ao longo dos caminhos.
Depois de rondarmos o rio Neiva e mais à frente cruzarmos o rio Lima, que nos voltaria a assomar na vinda, iniciamos as primeiras subidas para chegarmos em bom ritmo ao primeiro local de controlo. Com a indicação para um pequeno desvio da estrada principal, paramos junto a um belíssimo solar datado de 1864, assim consta no portão o número que deveríamos indicar no cartão do Brevet. Retratada no seu romance homónimo, a Casa Grande de Romarigães, está intimamente ligada também à vida e família do escritor Aquilino Ribeiro.
Por essa altura a manhã estava perfeita, céu quase limpo, apenas algumas nuvens solitárias, sem vento e com a temperatura a aconselhar o alívio de alguma roupagem. Finalizadas as necessidades, viramos rumo a Paredes de Coura pela bucólica N301, subindo e imaginando as doçarias que iriamos escolher no segundo posto de controlo, uma pastelaria no concorrido centro histórico em dia de mercado. Pacientemente, o José Ferreira aguardava a nossa chegada e registou a nossa passagem no cartão com a primeira carimbadela. Sento-me à mesa e sou reconhecido pelo Andy, amigo das redes sociais e que pedalava pelo seu quintal de adopção.
E como sempre nos PC’s, uns chegam e outros continuam Lá vai o Andy (boa recuperação amigo). Depois de subirmos até quase aos 600 metros, descemos ao rio Vez para, outra vez, voltar a subir, isso tudo e muito mais. Algumas das estradas a percorrer não eram novidade para mim, mas subir o Soajo seria. A visita à já conhecida cidade de Arcos de Valdevez foi fugaz e, como tal, embalamos.
A crescente inclinação da estrada seria uma ninharia para os prazeres que retiramos desta coisa do cicloturismo. Eu, claro, estava a suar mas também a estava a saborear. A manhã foi, entretanto, mudando de humores, ficando cada vez mais escura, mais ventosa, arrefecendo abruptamente.
No topo, a recompensa foram as vistas, incluindo o vislumbre da alva neve lá no topo da Serra do Gerês e que o Pawel fez questão de subir ali para a fotografar.
No coração do Parque Nacional da Peneda-Gerês, a Serra do Soajo é uma das suas atracções mais vibrantes e procuradas. Conhecida pelos seus fotogénicos espigueiros e pela exuberância da natureza envolvente, a aldeia do Soajo tornou-se uma terra muito procurada e visitada. Uma terra que o turismo pôs no mapa, e que a comunidade que nela reside a tem sabido preservar, o seu passado, a sua cultura e a sua autenticidade.
Com o entusiasmo de um prato de sopa que imaginava à minha espera, invadimos a aldeia pelo Largo do Eiró, procurando vestígios da história, arquitectura e o evidente orgulho que os seus conterrâneos têm na sua terra.
Um dos exemplos é o cão sabujo da serra do Soajo: “sabujo” porque é de caça grossa, e serra do Soajo porque não é um cão qualquer. Diz que é “a matriz de muitos cães portugueses”. Esta raça tem a particularidade de ser o cão que no tempo da monarquia, todos os anos os soajeiros enviavam aos reis de Portugal e que, por tal oferta, beneficiaram da isenção de impostos e outros privilégios.
Antes de ir provar a sopa e iguarias d’as Marias, subi lá em cima à Eira do Penedo e fui ver o ex-líbris da povoação. Há quem lhes chame espigueiros, há quem lhes chame caniços, os mais conhecidos estão concentrados numa eira comunitária, assentes num afloramento granítico onde 24 destas altivas construções sobressaem pelo conjunto e pela beleza.
Os espigueiros eram utilizados para guardar o milho, deixando-o bem arejado e protegido de pragas. Consta que o espigueiro mais antigo data de 1782, não identifiquei qual, estando classificado como Imóvel de Interesse Público desde 1983.
Reunimos o grupeto, com o Alain, o Pawel, o Nelson mais o Jorge e voltamos à estrada, que ia descendo abruptamente para o Lima. A natureza à volta convidava a seguir cada vez mais lento, apertando os travões e apreciando as extensões de terreno onde o cultivo do milho, a criação do gado nas brandas pastorícias são predominantes. Ao longo da estrada íamos vislumbrando as vacas cachenas, ovelhas, e ainda tivemos o encontro feliz com alguns cavalos selvagens do Soajo, o cavalo garrano.
Atravessada a ponte, junto à antiga central hidroeléctrica do Lindoso e ultrapassadas aquelas dezenas de metros de um paralelo manhoso e escorregadio, seguimos tranquilamente ao lado do rio com a cara ao vento, até Ponte da Barca.
Ah, mas havia ainda uma subida pela frente. Revisitamos a ascenção da N101 para a Portela do Vade, onde no ano passado me lembro de nos arrastarmos por ali no decurso do BRM300. Graças à conversa, desta feita a escalada passou depressa, até voltarmos a descer, a voar e a arrefecer.
Foi já sob uns grossos e gelados pingos de chuva que chegámos juntos ao último controlo em Vila Verde. O Zé Ferreira aguardava-nos na esplanada de uma cervejaria onde, para além de boa cerveja artesanal, sobressaiam saborosas sobremesas. Já não tive direito à doce regalia, mas fui salvo pela meia sandes de presunto que trazia no bolso desde o Soajo, hidratada por uma “bejeca” preta, que também fez milagres.
Para os derradeiros quarenta quilómetros os motores estavam já em modo “ralenti”. A cadência ia sendo doseada, as forças partilhadas, enfrentando um vento cada vez mais agreste que soprava frontal. Ultrapassada a malha urbana de Barcelos onde tivemos de lidar com o um tráfego enervante, não demorou meia hora para em Esposende avistarmos o oceano e reencontrarmos a N13, que seguimos até chegarmos em absoluta camaradagem ao ponto de chegada que também foi o de saída, em Marinhas.
E pronto, mais um evento soberbo por velhas estradas e serras minhotas. Magnífico roteiro desenhado e bem organizado por José Ferreira e Manuel Miranda, que também estiveram pessoalmente nos postos de controlo e onde tão bem nos receberam. Um muito obrigado à voluntariosa dedicação destes nossos amigos, que abdicaram da sua participação no Brevet, e que mais uma vez nos proporcionaram um excelente dia de pedalada.
– E o acumulado? – “Não há espiga”.