A viver em Bruxelas há precisamente 3 meses, venho agora escrever sobre a minha experiência até agora.
Não tenho carro por cá e a bicicleta é utilizada em 95% das deslocações que faço. Ficam de fora apenas as deslocações de e para os aeroportos e uma outra viagem de metro (ainda nem gastei um bilhete de 10 viagens, que tenho).
Dito isto, acho que tenho a experiência necessária para poder partilhar e opinar sobre o que é utilizar a bicicleta em Bruxelas.
Antes, algumas considerações.
Bruxelas (e a Bélgica em geral) tem imensos carros, tirando a zona histórica da cidade, há carros por todo o lado, mas...
O centro da cidade é enorme e é onde ficam os vários Centros Comerciais, que são assim :)...
Nesse aspecto - na quantidade de carros - pode dizer-se que tem muitas semelhanças com Lisboa, embora em Lisboa, para além da Rua Augusta e metade da Duque d'Ávila, os automóveis cheguem a todo o lado. Mesmo a todo o lado.
Apesar de serem muitos carros, o seu estacionamento não invade os passeios, ou zonas interditas. Não tenho visto acções de fiscalização, portanto assumo que há oferta de lugares ajustada à procura e mais civismo por parte dos condutores.
A "fama"/ realidade(?) da cidade de ter muito trânsito passa despercebida a quem não anda de carro.
A forma com o trânsito é gerido "empurra-o" quase todo para as grandes avenidas principais e essas avenidas foram afundadas em túneis e mais túneis e vêm à superfície em cruzamentos para permitir a quem o deseje, sair delas.
A primeira vez que andei de carro cá foi no regresso de uma visita a Portugal em que tive que apanhar um táxi devido à hora tardia a que o voo chegou, hora a que já não haviam transportes públicos (por ser domingo). Em cerca de 10 minutos cheguei a casa (13km), sempre "a abrir" e por um trajecto até ali desconhecido (apesar dos 2 meses que já tinham passado) e grande parte dele em zonas que atravesso com regularidade - quase sempre por auto-estradas, avenidas e túneis.
Por outro lado, a rede de transportes públicos é bastante boa, totalmente integrada e com uma oferta bastante razoável (comboios, metro, tram e autocarros). Talvez fale disso num post próprio, um dia.
De bicicleta, como é?
Para quem vem de um país como Portugal, onde andava de bicicleta, pedalar em Bruxelas é super tranquilo. É 10x mais fácil.
Ao contrário do que este
vídeo (versão completa
aqui) dá a entender, pode pedalar-se em Bruxelas "quase" sem conviver com carros, sem ser "um de vez em quando", claro.
Como é possível, se há tanto carros?
Estas duas fotos, de duas vias paralelas, que distam entre si menos de 100 metros, explicam muita coisa.
Obviamente que os ciclistas usam as ruas secundárias e evitam estas grandes avenidas. Mesmo nestas avenidas, as laterais nem são muito congestionadas, uma vez que têm um perfil bastante lento.
Ao contrário de Lisboa, onde cada uma é igual à do lado, com a excepção da largura e número de faixas, em Bruxelas as vias em zonas residenciais são muito distintas das vias onde circula a grande parte do trânsito. A grande maravilha, é que elas se misturam e por isso é possível atravessar Bruxelas de uma ponta à outra (uns 20km) sempre por vias com perfil super tranquilo. Depois, lá está, quanto mais se conhecer, mais melhora a selecção dos trajectos.
Alguns exemplos do tipo de vias de que falo:
Para que, como eu, gosta de conduzir sem mãos, Bruxelas (e as ruas ruas "interiores" praticamente sem trânsito) é "perfeita".
Mesmo em zonas mais centrais, como a zona onde estão todas as instituições europeias, há várias vias que têm tão pouco trânsito que permitem que os ciclistas se desloquem nelas com toda a calma.
Na foto a seguir, tirada pelas 9h da manhã, todo o trânsito desenrola-se por baixo desta via, num mega túnel.
Eu diria que 80% das vias da cidade têm trânsito reduzido ou muito reduzido, o que permite que ciclistas se desloquem com grande relax por essas vias.
Um factor determinante para essa distribuição desequilibrada de trânsito pelas diferentes vias, tem a ver com quantidade de vias de sentido único que existem. Mesmo numa rua com sentido único, esse sentido não é o mesmo de início ao fim da rua, o que a torna impossível de ser percorrida na totalidade, muitas vezes servindo apenas aos que se destinam à própria rua (moradores, etc).
Ora, para os ciclistas isto acaba por ser uma grande vantagem graças à maravilhosa exclusão para os ciclistas em praticamente todos os sentidos proibidos.
Mesmo com pouco espaço para o contra-fluxo, os automobilistas e o ciclista acabam por negociar a passagem, na grande maioria das vezes o automobilista para ou abranda para facilitar o cruzamento.
Todos os restantes sinais estão sintonizados com essas excepções como se pode ver neste caso a seguir, onde é indicado que a rua que se cruza só tem um sentido, mas para bicicleta tem dois.
Como todas estas vias são bastante cicláveis, com medidas de acalmia de tráfego, como cruzamentos elevados, rampeados, etc, a segregação para ciclistas acabou por ser apenas implementada em vias onde a diferença de velocidades praticadas é maior e onde havia espaço para tal. De qualquer maneira, essa segregação é quase sempre bem conseguida, com bons nivelamentos nos cruzamentos e quase sempre unidireccional.
Outra coisa que joga muito a favor dos ciclistas é a cordialidade dos automobilistas, não sendo raro o automobilista esperar pelo ciclista que ainda está a uns metros do cruzamento da sua via com a dos automóveis (no caso de segregação, por exemplo), ou olhar para a via segregada que segue ao seu lado quando quer virar à direita no cruzamento.
Um colega meu, que usa colete reflector (muito comum, por cá) disse-me que desde que passou a usá-lo que os automobilistas são ainda mais simpáticos, pois apercebem-se mais depressa da sua presença. No inverno, mais frio e mais escuro, vou experimentar.
Depois, há toda um conjunto de condições, não menos importantes, que facilitam o uso da bicicleta. Em baixo, um conjunto de fotos e alguns comentários.
Estacionamentos para bicicletas, são bastante comuns e abundantes, e muitos são cobertos.
Avistar crianças a circular sozinhos pelos bairros, é um excelente indicador sobre o enraizamento da bicicleta e sua integração no trânsito (pelo menos para mim).
Apesar de ser mais comum a tradicional cadeirinha, também se vêem autocarros a pedais...
O uso das faixas para Bus e Taxis facilita imenso, até porque há muitas vias onde o espaço é maioritariamente para este tipo de veículos.
Ciclo-faixas com piso mais liso para facilitar a circulação dos ciclistas...
Ruas em zonas centrais onde, devido à tal confusão provocada por sentidos proibidos, passa a ser possível utilizar a rua para outros fins...
Em avenidas principais, é normal haver segregação.
Aqui, bidireccional, numa via principal na periferia da cidade.
Já praticamente fora da cidade, ao longo de uma via principal...
Outra medida presente é o uso de bike-boxes, que permitem que o ciclista fique sempre frente dos automóveis nos semáforos. Gosto sobretudo porque nunca fico atrás deles para respirar o seu escape e assim sempre parto com vantagem suficiente para embalar....
Aqui, numa zona bem central, este sentido é apenas permitido para ciclistas.
Outro exemplo...
Infra-estruturas específicas para ciclistas e peões também abundam pela cidade, como estas pontes, uma sobre uma avenida principal e outra sobre uma simples rua desnivelada.
Também se vêem muitas medidas de acalmia de tráfego, daquelas que só tinha visto nas apresentações do
Mário Alves... :)
Bruxelas é enorme e o que mais me espanta é que a impressão que toda a gente tem sobre a cidade, antes de a conhecer é que tem muito trânsito e praticamente se desconhece o nível de integração que a bicicleta tem na cidade. Andar de bicicleta aqui é encarado com a maior das normalidades, todo tipo de gente o faz, desde os teenagers, dos executivos, casais com filhos, senhoras de idade, pobres, ricos, tudo. É um meio de transporte como os outros e, ao contrário do que acontece nas cidades de Portugal, tem dois modos que são fortes concorrentes, o pedonal e os transportes públicos, já que para ambos há também excelentes infraestruturas.
Por tudo isto, e muito mais que ficou por dizer ou mostrar, é possível tirar fotos destas no meu dia a dia. Ida para o trabalho (esta rua tem sentido único para carros, mas está sempre a mudar o sentido autorizado):
E o parque para bicicletas no meu local de trabalho (ainda há mais dois à entrada da garagem):
Será preciso dizer que ando feliz da vida, em termo de mobilidade?
Claro que a chuva será muito mais frequente, quando for altura dela, mas logo lidarei com isso na altura.