paulofski @ na bicicleta
Publicado em 17/04/2024 às 11:53
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Alguns milhares de quilómetros por ano, pedaladas laborais nos dias da semana e um gosto pelo ciclismo “vintage”, paixão que há cerca de dez anos descobri com a predisposição para o ciclismo de longas distâncias. Na verdade, os Brevet’s dos Randonneur Portugal tornaram-se para mim um autêntico ritual, um encontro de amigos que aguardo com expectativa e que aquece a cuirosidade e os músculos à medida que se aproxima um sábado “breveteiro”.
Para além de revisitar o Minho num brevet com uma distância de respeito, mesmo com a celebração das 58 primaveras à porta, não via motivos para me poupar. Enquanto tiver pernas, motivação e técnica conseguirei fazê-los. O foco da minha participação nesta longa jornada seria o de levar a bicicleta “moderna” que escolhi para suceder à Tripas iNBiCLA, com quadro de aço, mudanças no quadro, travões de pinça e cubo luminoso na roda, testando a máquina e o homem.
Desta feita o meu “ferro” escolhido para a ocasião era uma bicicleta a estrear nestas “pedalanças”. A bamBina de seu nome, recebida das mãos do CEO da iNBiCLA ainda com a tinta fresca, faria a sua estreia num brevet durinho, numa espécie de vira minhoto ao longo de 300 e tal quilómetros. Assim, e com pouco mais de duas voltas mais alongadas para a testar, experimentar o quadro Pinarello e os componentes que herdou da defunta Tripas, queria sobretudo desfrutar das sensações que o anorético Columbus KL seria capaz de me oferecer. Perfeita.
Os brevet´s são tudo menos uma corrida. São para mim um grande divertimento com alguma conquista pessoal. Já me apelidaram de “maluco” que se aventura nos longos percursos em bicicletas pesadas, com mudanças pesadas, difíceis de operar. Ou mesmo sem mudanças, impraticável para algumas subidas, mas se está assim tão difícil, pois então que se desmonte e se façam parte das subidas a pé, caminhando e fotografando. A beleza do cicloturismo é precisamente essa. Com a variedade de percursos, entre aldeias e paisagens, a forma de interpretar a coisa é como quisermos, com a bicicleta que tivermos e no ritmo que melhor nos adaptarmos.
Adormeci. Com menos de uma hora para o depart e a mais de uma hora de carro até ao Posto da Cruz Vermelha em Marinhas, Esposende, sabia que não encontraria ninguém à minha espera a não ser a menina da recepção, que com um sorriso me entregou o cartãozinho do brevet. Cheguei, engoli um bolinho e um café, preparei-me e arranquei no escuro, com meia hora de atraso, pedalando sozinho atrás do prejuízo. Por isso mantive o foco na estrada e no céu, cada vez mais alaranjado. A manhã estava bem fresca, mas as temperaturas iriam subir, e muito.
Com o sol a despontar no horizonte, chegava a Barcelos para o primeiro controle do dia, só não sabia que não teria ninguém à minha espera. Uma falha de comunicação e o José Ferreira, um dos organizadores dos brevet´s Randonneur Portugal a norte e que fazia o controle de passagem, já não contava comigo. Após umas voltas em vão e uma foto para registar a passagem, prossegui a bom gás para encontrar os primeiros companheiros de route que já estavam de partida do segundo posto de controle, ao quilómetro 50 em Ponte de Lima.
A fome começa a fazer-se sentir, não tanto por estar a pedalar há duas horas mas porque devido ao meu atraso o pequeno almoço foi descurado. Mesmo assim, a paragem para o primeiro reabastecimento foi rápida, pois é importante não comer demasiado. Os quilómetros que me esperavam eram muitos e é melhor saborea-los aos poucos, provando tudo nas doses certas para não me pesar muito. As estradas que percorremos neste Brevet eram, na sua maioria, sobejamente conhecidas e o primeiro dos suculentos pontos altos do dia estava a caminho. Transpor as fraldas da Serra d’Arga.
Na descida para Vila Praia de Âncora pressinto a brisa marítima e até Caminha cumpro mais uma bela etapa do dia. A partir daí o plano passa em procurar o pavimento plano das ecovias do Minho. O rio, a passarada e os peregrinos para Santiago seriam os meus parceiros. Chego a Valença e encontro três ciclistas de coletes amarelados que, como eu, já se queixavam do calor.
Da antiga linha ferroviária para Monção, das primeiras a serem encerradas e transformadas em pistas “velocipédicas”, tudo muito lindo, tudo muito tranquilo, a não ser as barreiras e o piso bastante degradado. As lombas que resultam do crescimento das raízes, provocaram-me um valente susto e deixaram a bamBina com queixas. Subitamente a corrente dá em falso, estranho, desmonto, e dou com o desviador traseiro sem uma das roldanas. “Que diacho!” Vá lá que as pecinhas, espalhadas no chão, estavam intactas e não rebolaram para o desconhecido. O parafuso deveria estar solto e aquele solavanco foi quase o rastilho para o desastre. Os três companheiros com que me havia cruzado param ao meu lado e auxiliam-me na reparação da pequena avaria. Grato ao João, ao Marcos e ao Juan, com quem prossegui para almoçarmos juntos.
A estrada eleva-se gradualmente e torna-se quase deserta. Depois de Melgaço raramente passamos por veículos a motor. Quem por nós passa são os randonneurs mais céleres que já desciam o percurso no sentido inverso desde S. Gregório, a localidade mais a Norte de Portugal, onde o roaming espanhol continua a sobrepor-se ao luso, onde o Café Coelho continua sem carimbo, e onde o José Ferreira nos aguardava para fazer o registo da nossa chegada com a respectiva carimbadela.
Meia volta pela mesma estrada, mas a descer, até que quase nas duas centenas de quilómetros percorridos se inicia a subida do dia em direcção ao Sistelo. Com algumas rampas de forte inclinação para aguçar o apetite, os oito quilómetros que se seguiarm foram percorridos sob um calor sufocante, até ao conhecido posto de controle em Portela d’Alvite, mas sem o direito às sandes de presunto que eu esperava trincar. Em todos os casos, para enfrentar o desce, e sobe e desce, que teriamos pela frente, convinha mesmo comer e beber alguma coisa.
A noite ainda vinha longe, no entanto achei conveniente ligar o farol moderno que a bamBina herdou da Tripas. Parece um elemento estranho para um quadro com pedigree Pinarello, mas tem um feixe de luz potente, que não gasta pilhas e ilumina perfeitamente a estrada, a tal ponto que quando seguia atrás do grupeto quase poderia dizer que eles não precisavam de ligar as suas luzes.
Ponte da Barca cruzada e lentamente cai a noite. Durante a ascensão para Vila Verde a pedalada torna-se algo monótona, mas como não se está sozinho dá para entabular conversas e não ouvir tanto o barulho da corrente. À custa de tantos anos à seca dentro de um caixote, range cada vez mais, quilómetro após quilómetro, a suplicar por uns pingos de óleo. Após paragem mais demorada num ponto de controle que nos permitiu confortar barriga, o reforço térmico foi providencial. Mais à frente, sensivelmente ao km 300 nova paragem no famoso posto de controle em Punhe, desta vez para a responder a um questionário sem a desejada dose de cafeina. De pernas esgotadas e baterias fracas, os últimos quilómetros em direcção a Marinhas até se passaram depressa. É quando começamos a ansiar pela chegada, cada vez mais próxima, que encontramos no fundo do depósito um aliado adicional, aquele shot de adrenalina que nos ajuda a concluir o Brevet, bem para lá das 23h.
Uma das conversas que tivemos durante um bom período foi em relação à escolha da bicicleta certa para determinado tipo de Brevet. A bicicleta certa significa uma bicicleta que antes de tudo funcione e que depois tenha as relações de transmissão adequadas à condição física e ao percurso que temos pela frente. Uma coisa é certa, em comparação às modernas bicicletas de carbono, os antigos modelos de aço são mais difíceis de pedalar em percursos com bastante acumulado, mas o facto é que a maior suavidade do quadro, as sensações e o desempenho, mudam o caráter da bicicleta, mudam de acordo com a velocidade do momento e mudam de acordo com o terreno. Uma bicicleta de aço tem uma alma calorosa, e quanto mais se usa mais se pode descobrir a verdadeira essência da tabela periódica dos elementos.
Trezentos e treze quilómetros depois paro e descontraio com emoção. Emoção com aquele sentimento de desafio concluído. Emoção partilhada com quem se faz parte do caminho e se coloca o último carimbo. A emoção que volta a ser exclusiva quando se diz cá por dentro “pronto, está feito”.
paulofski @ na bicicleta
Publicado em 8/04/2024 às 9:38
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As bicicletas com aquele charme clássico italiano, o L’Eroica style, ainda são apreciadas e procuradas em todo o mundo. Marcas históricas que nasceram das ideias e determinação de ex-ciclistas, que marcaram presença no ciclismo ao longo dos tempos.
Tubos de aço soldados e pintados à mão, embelezados com cromados, pantografados e acabamentos personalizados, que nos remete aos tempos das autênticas obras de arte sobre duas rodas. Aquele material antigo com o qual as bicicletas foram feitas há mais de cem anos e que continuam a dar alegrias e muita satisfação a muitos ciclistas, exactamente como acontece comigo.
Recriar uma bicicleta vintage requer uma lista de componentes de época. Peças mecânicas de tecnologia requintada, de criação italiana ou outra, estão entre as mais procuradas pelos entusiastas das clássicas fiéis aos modelos originais. Verdadeiras “máquinas” intemporais, cada uma delas com muito para contar, com pormenores que são pistas para encontrar a sua história. No entanto outros sobreviventes escondem bem os seus segredos.
Para substituir o danificado quadro da Tripas iNBiCLA, a minha intenção inicial era construir de raiz um quadro à minha medida com atributos Tourer/Randonneur. Por vicissitudes várias a soldadura dos tubos Reynolds não se completou, o que me obrigou a colocar o plano B em acção: encontrar um quadro de aço que simplesmente me enchesse o olho e as medidas corporais. Descobri um puro-sangue italiano de tubos Columbus bem longe de casa.
Sendo uma das marcas velocipédicas mais carismáticas, a Cicli Pinarello implementou muitas das novas ideias na construção manual dos seus quadros. Com geometria mais apropriada à corrida, que permitiu um historial vitorioso nas míticas estradas de França e Itália, este Columbus KL modelo Super Prestige é elegante e pede componentes clássicos a condizer. Tenho tudo aqui: Cinelli, Mavic, e um mix de genuína joalharia mecânica com aquele logotipo alado que deu asas ao ciclismo, a Campagnolo.
O quadro, que, no fundo, é a base de tudo, é uma tela em branco que possibilita juntar o gosto pessoal à inspiração do master das pinturas. É isso que aprecio no mundo das bicicletas customizadas, a originalidade que as faz fugir dos padrões que são impostos no catálogo. E para inspirar o verdadeiro artista, pedi-lhe um acabamento de catálogo, o efeito defumado do modelo da TT Asolo Prólogo.
Com a sua perícia e criatividade, o meu amigo Vitor Machado deu-lhe o seu toque especial. Para lá da mestria na pintura, da perfeição nos acabamentos, a ilusão pretendida foi conseguida com a chama de um maçarico. A escolha de um lettering incandescente tornou esta bicicleta exclusiva ainda mais “especial”. Esta bina é uma brasa.
Para mim não há de todo uma regra a seguir na geometria de um quadro. Acho que, em grande parte, o acerto pretendido está mesmo nessa liberdade e criatividade em fazer algo diferente do que seria suposto. Neste ponto é natural que existam toda uma série de limitações, ao nível de roscas, espaçamentos, e pequenos pormenores que possam complicar um pouco a coisa. Nesse sentido, a aposta foi não só manter o formato original como adaptar o material existente, misturando conceitos dentro das possibilidades para se chegar ao resultado pretendido, uma espécie híbrida: uma “commuter” diária, uma “estradeira” para as voltas ao fim-de-semana e uma “randonneur” para as longas distâncias, com a matéria prima herdada da defunta Tripas iNBiCLA, mesmo que não fosse garantido o conforto de uma endurance de gema.
Aprecio ver uma bicicleta recuperada e fiel à sua origem. Há quem dê mais valor à pintura original mesmo que exiba as cicatrizes do tempo, a “patina”. Também respeito quem desaprove quando se desvirtua um conceito. As bicicletas clássicas no seu estado original não deixam de evidenciar a sua história se porventura lhes for montado material contemporâneo. Não me choca ver a mistura do antigo com o moderno. O material vintage, original, em bom estado e de qualidade é caro. Isto tudo para dizer que, basicamente, não há fronteiras nem regras nisto das bicicletas antigas. O que manda mesmo é o gosto pessoal e a possibilidade de o pôr em prática.
Certamente que o metal tem o seu peso, mas desde quando as emoções são pesadas numa balança? Pedalar uma velha bicicleta de aço certamente nos fará redescobrir sabores e emoções antigas. Decididamente, os progressos notáveis da tecnologia nos agrada. Assim é em tudo na vida, o que poderá fazer pensar que uma moderna bicicleta de carbono, cheia de fibra, teve uma querida avó de aço, tão bela e fascinante…
Esta é a bamBina, uma Pinarello com o sabor do passado e que promete satisfação por muitos e bons quilómetros.
Publicado em 18/10/2021 às 23:22
Temas: bikepacking review
A Triban no Gerês |
Comprei a minha Triban quase por impulso, em Novembro de 2019, quando em casa moravam já outras duas bicicletas de estrada. Estes modelos eram algo peculiares: uma Surly Long Haul Trucker, a bicicleta mais confortável em que já rolei, e uma velhinha Raleigh inglesa dos anos oitenta, que eu usava sobretudo para fins utilitários.
A minha antiga Surly |
O que eu procurava, já há algum tempo, era um modelo que permitisse substituir todas as outras bicicletas (as duas já citadas e uma BTT). A elusiva bicicleta única, que fosse capaz de fazer estrada a sério, viagens de longa distância, com carga, BTT em eventos e passeios, uso utilitário, e tudo o mais que se me ocorresse. E que fizesse tudo isto com alguma competitividade, que me permitisse participar ocasionalmente em eventos. Bem sei que não é pedir pouco, para mais de um modelo "económico".
A Triban com todos os componentes de origem |
A escolha da Triban foi motivada, se for sincero, sobretudo pelo preço aliciante, tendo em conta tudo o que oferecia. Mas pareceu-me na altura uma solução de compromisso, já que eu considerava que a Decathlon tinha sido um pouco preguiçosa e simplesmente mudado o nome e a pintura a um dos seus quadros de estrada. Era apenas uma estratégia para a marca ter um producto que lhe permitisse concorrer no mercado na área então muito na moda, o "Gravel".
Bom, isso não deixa de ser um facto: trata-se de uma bicicleta de estrada, com algumas alterações, mas eu estava enganado. Para mim esta escolha veio a revelar-se extremamente acertada, e embora a bicicleta tenha certamente limitações, é difícil para mim ver alternativas viáveis neste momento. Vamos ver o que está em causa. (Nota: não tenho nenhuma ligação com a Decathlon e estas opiniões são minhas apenas).
Quadro: Para mim carbono estava fora de questão, por causa do uso para viagens longas em autonomia e o uso de bolsas de bikepacking. Os danos por atrito dos sacos ou numa queda são um risco demasiado grande. Aço e Titânio são materiais interessantes e esteticamente mais apelativos, mas mais caros e também pesados. Por isso alumínio acaba por ser uma boa escolha. O peso neste caso é apenas aceitável (os números estão no site). A surpresa veio da geometria. Eu tinha estudado a tabela e sabia que o quadro é exactamente o mesmo da gama de estrada. Portanto trata-se de um quadro "barato" de Endurance, com uma testa alta e uma posição pouco agressiva. Isso é ideal para longas distâncias e muitas horas no selim, e a geometria veio a revelar-se muito adequada para a minha fisionomia, depois de alguns ajustes. Eu não tenho muita flexibilidade natural e a minha postura não é muito agressiva. A bicicleta é muito estável em qualquer circunstância, mas mantém a capacidade de reacção e aceleração de uma bicicleta de estrada, que uma bicicleta de viagem (touring) não tem. E fora de estrada só em BTT mais sério perde a compostura, como seria inevitável.
Cassete, corrente e pedaleiro alterados |
Grupo: A Triban vinha com um grupo Shimano 105 R7000 quase completo. Apenas a pedaleira era uma Shimano compacta de 11 velocidades, mas sem grupo, um pouco mais pesada que a 105 equivalente. Aqui eu achava que era mais uma das situações em que a Decathlon tinha feito a coisa mal, a cassete 11-32 (não Shimano) era demasiado pequena, e pensava na altura que a bicicleta deveria vir com um pedaleiro sub-compacto e talvez com um grupo GRX. A verdade é que esta mania da super-especialização dos componentes é muitas vezes exagerada. A transmissão não se desfaz se apanhar poeira por ser um grupo de estrada. O desviador Shimano 105 não é muito diferente de um Deore, as correntes e cassetes são aliás idênticas em vários grupos de estrada e BTT da Shimano, pelo que o desempenho fora de estrada não compromete. Já as relações de transmissão são claramente mais pensadas para o asfalto. Para rolar com peso extra e/ou fora de estrada (como sucede em bikepacking), optei por colocar uma pedaleira Miche 46-30 e uma cassete Shimano 105 maior, 11-34. Mesmo assim, eu agora reconheço que para um uso maioritariamente de estrada, a bicicleta vinha com um bom mix de peças. De tal forma que recentemente voltei a usar a cassete de 32 dentes original, para beneficiar de relações mais próximas entre si.
Os travões facilmente se ressentem com o pó |
Travões: Os travões TRP mecânico-hidráulicos permitem casar um grupo totalmente mecânico, mais barato, nestes caso os shifters Shimano 105 R7000, com o modulação e sensações de um travão hidráulico. E a verdade é que funciona. Esteticamente é uma desgraça, mas funciona. Eu travo só com um dedo a maior parte das vezes. E a sensação de controlo é sempre boa. Há que notar contudo que estes travões estão mais à vontade em estrada, basta um pouco de pó para começar a haver vibrações e perdas de potência na travagem, quando em uso em gravilha ou terra. E só depois de uma limpeza cuidadosa é possível voltar a ter uma boa performance.
Guiador 44, mais estreito |
Periféricos: Não posso falar muito destas coisas, porque foi quase tudo substituído rapidamente. O guiador era demasiado largo, o meu quadro XL vinha com guiador de 46cm, com um desenho de drops com que eu não me identifiquei. Troquei por um simples FSA de gravel, abertura a 12º, de tamanho 44. Apesar de mais pequeno ainda permitia o uso de sacos de bikepaking. O avanço de 120cm foi trocado por um de 80, para afinar a posição na bicicleta. Muitas bicicletas de gravel modernas são desenhadas para avanços curtos, e neste caso a adaptação foi natural. Sim, ao princípio eu também achei que era muito curto, mas fez maravilhas pela postura e pelo controlo da bicicleta. Mudei também o selim, por outro muito semelhante, e o espigão do selim, por estética e peso.
No Porto! |
Rodas & Pneus: Usei pouco as rodas. Eram robustas e não deram problemas, lembro-me que os cubos pareciam bastante bons para esta gama de preços. Foram trocadas por umas DT Swiss, para perder umas gramas. Os pneus Hutchinson Overide de 35mm são excelentes. Têm uma aderência teimosa e salvaram-me o pelo em mais de uma ocasião. Permitem aventuras fora de estrada que a sua diminuta largura não deixa prever. E em estrada rolam muito bem. Há melhor e mais leve (e mais caro), mas não muito. Quando comprei a bicicleta achei que os pneus eram mais um compromisso, agora acho que são um excelente compromisso! Actualmente monto pneus de 38mm, a marca só recomenda até 36, mas a verdade é que cabem 40mm se fizer falta. Mas penso voltar aos 35mm quando surgir a oportunidade, julgo que é o melhor equilíbrio estrada-gravel e a marca voltou a acertar neste aspecto.
Dois anos depois, dois Tróia-Sagres, uma volta a Portugal de várias semanas em autonomia, uma viagem a Madrid, o caminho de Fátima, uma subida à serra da Estrela, e muitas aventuras mais pequenas pelo meio depois, a Triban provou que não é só um modelo barato feito à pressa para seduzir os adeptos da "moda" do gravel. Não se deixem enganar pelas soldaduras mais abrutalhadas, nem pela palavra "Decathlon" na testa do quadro, a bicicleta foi bem pensada, o desempenho nunca compromete e tem alma para tudo o que se propuserem fazer com ela.
Set-up recente, na Serra da Estrela |
O facto de custar menos um terço ou metade dos modelos da concorrência também não é propriamente mau. Actualmente há vários modelos e cores disponíveis, baseados no mesmo quadro, que, consta, é fabricado em Portugal (o meu, especificamente, diz "made in France"). É possível também comprar um dos modelos de estrada da gama 520 e depois adaptar a um uso mais polivalente, já que o quadro é idêntico, mudando a pintura e a selecção de componentes.
Não tenho actualmente nenhuma outra bicicleta, nem sinto falta de nada. Sei que não é solução para toda a gente, o meu uso tem sido muito lúdico e mais estradista, ultimamente. Mas é inegável que esta proposta low-cost permite acceder a um inesgotável mundo de aventuras, cujos limites não serão impostos pela bicicleta.
Publicado em 23/07/2021 às 0:20
Temas: bikepacking viagem
Caramelos? |
Decidido a evitar mais apertões de calor e surpresas tardias na jornada, na manhã do quarto dia levantei o rabo da cama o mais cedo que consegui. Tomei o pequeno almoço, incluído na estadia, tão cedo quanto era permitido e fiz-me à estrada. Desta vez tinha alojamento reservado, e estava decidido a ter um dia diferente. Para minha surpresa consegui mesmo fazer a navegação para fora da zona urbana de Trujillo sem percalços. Normalmente o meu GPS não permite esses luxos, mas naquela manhã tudo corria sobre rodas.
Rumo a Este, como sempre |
É claro que esta bonanza não poderia ser duradoura. Depressa percebi que a altimetria para a jornada era mais desafiante que nos dias anteriores. E o que não mudava contudo, era a temperatura elevada, e as grandes distâncias entre terras, amplos espaços onde não havia nenhuma possibilidade de descanso, refugio do Sol ou reabastecimento. O Deserto Espanhol, como lhe chamam alguns Portugueses de passagem, a caminho de destinos mais populares na Península Ibérica, faz jus ao seu nome.
Olha, montanhas! |
A manhã foi gasta a deambular por estradas de montanha, a ritmos muito lentos, enquanto a temperatura ia aumentado, até ficar intolerável. Continuava a não haver sombras para parar, nem lugares onde obter água ou comida. O desgaste era grande e o moral da expedição ia descendo ao ritmo que desciam também as reservas de líquidos disponíveis a bordo. Começava a ficar claro que, mais uma vez, não ia conseguir arrumar a etapa a tempo de evitar o calor infernal da tarde, no Deserto Espanhol.
As coisas não são fáceis no deserto |
Umas bombas de gasolina foram a minha salvação. Estava a ficar viciado em Aquarius, a coisa mais parecida a uma bebida energética que era possível encontrar em quase todos os postos de abastecimento de combustíveis. Eventualmente a estrada "alisou", depois de uma longa descida, onde cheguei a passar dos 75km/h. Tinha voltado a ficar sem almoço pois não encontrei nada pelo caminho na hora apropriada, estava a ficar frito pelo Sol, mas sabia que já estava perto do destino.
Sombra! Para a bicicleta... |
Eu claramente já estava acusar o desgaste do calor, do esforço e da falta de comida. Foi neste estado que rolei até um cruzamento onde a estrada em que eu estava continuava para Oeste, coisa que não me interessava nada. Eu tinha que virar para Este, no sentido de Talavera de la Reina e Madrid. A minha dormida para a noite era em Oropesa, uma cidade a meio caminho. Rolar no sentido contrário era andar para trás,
O dilema |
O percurso que eu fiz |
O caminho para "casa" |
Vista à chegada a Oropesa |
Publicado em 23/07/2021 às 0:07
Temas: bikepacking viagem
Dois ursos e uma bicicleta |
Puerta del Sol |
Calle Preciados |
E uma estátua de corvos em Lisboa? |
A velha Madrid |
O céu limpo deu lugar a nuvens sinistras |
Para Norte! |
Percebem? |
A coisa promete! |
Na paragem do BUS |
Dia 7. Madrid-Manzanares el Real. 49km. (Estrada/Ciclovia)
Publicado em 19/07/2021 às 1:10
Temas: bikepacking viagem
Caramelos? |
Na berma da via rápida em obras |
Rumo a Madrid! |
Ciclovias de luxo |
Madrid?? |
Hum... |
Sim, é uma lixeira numa estrada abandonada |
Madrid! |
Vista de quarto |
Bicicleta no quarto #4 |
Publicado em 18/07/2021 às 20:49
Temas: bikepacking viagem
What? Nunca comeram feijoada na cama? |
Não chego a articular a minha resposta, que antevejo ser hilariante e charmosa, pois há um crescente som irritante que monopoliza a minha atenção. Não percebo de onde vem, mas parece conhecido... Instintivamente, silencio o alarme do telemóvel e levo alguns segundos a reconhecer o que me rodeia. São seis da manhã e ainda está escuro lá fora. Acendo a luz e levanto-me a custo da cama. Esforço-me por recordar que estou numa casa rural em Oropesa, uma pequena terra da província de Toledo, bem no meio do Grande Deserto Espanhol.
Arrasto-me para o WC, mas as pernas pesam-me como dois marcos dos descobrimentos, e tenho o equilíbrio de um marujo bêbado recém regressado da carreira da India. Tenho muita sede, embora me lembre de me ter hidratado bem a noite anterior. Lavo os dentes e constato que, de alguma forma, tenho a boca cheia de sangue seco. A próxima etapa da minha higiene matinal não é mais animadora: pelo quarto dia consecutivo, a minha urina é da cor de Earl Grey. Saio da casa de banho a murmurar alguma coisa sobre "isso não deve ser bom". Ao lado da janela aberta, repousa o Dentuça. O seu olhar parece questionar: "O que é que estamos a fazer?"
#3 Bicicleta cá dentro |
Habitual reabastecimento num posto de combustível |
Sombras e bancos! Foi a única vez que vi tal coisa! |
Mais um dia no deserto |
Publicado em 15/07/2021 às 23:34
Temas: bikepacking viagem
Trujillo! |
Rolando no Grande Deserto Espanhol |
A Autovía A-58 |
A paisagem rumo a La Aldea del Obispo |
Hora do Almoço |
Trujillo! |
As gentes de Trujillo... |
Bicicleta no quarto #2 |
Dia 3. Aliseda-Trujillo. 127km. (Estrada)
Publicado em 15/07/2021 às 13:41
Temas: bikepacking viagem
Caramelos? |
Gostava de dizer que acordei rejuvenescido depois de uma boa noite de sono, mas no mundo real, as coisas nem sempre funcionam assim. Sendo certo que tive direito a umas oito horas de descanso, a verdade é que acordei a sentir-me letárgico, completamente sem energia. Parecia claro que o corpo ainda acusava o esforço do dia anterior.
A vastidão do Alentejo |
Tudo preparado. Tudo menos eu! |
Sim, esta é a fronteira! |
A estrada para Aliseda |
Bicicleta no quarto #1 |
Camas separadas! |
Dia 2. Esperança-Aliseda. 69km. (Estrada)
Publicado em 13/07/2021 às 23:54
Temas: bikepacking viagem
Caramelos? |
As coisas começaram de forma bem inocente, como quase sempre acontece. Tinha feito planos para acompanhar um amigo na sua deslocação de bicicleta ao seu lar ancestral do Alentejo. Éramos 3 ao todo, em bicicletas de estrada, e o plano era fazer a distância, cerca de 200 redondos quilómetros, num só dia. Por responsabilidades e coisas da vida, o meu amigo acabou por fazer a viagem de carro, em data inadequada para os restantes, mas eu estava decidido a ir de qualquer forma.
E depois, já que ali estava, imaginei que seria fantástico aproveitar a proximidade à fronteira para dar um "saltinho" a Madrid e visitar mais uns amigos por lá. Afinal, no mapa eram apenas mais 400Km a solo, depois de ultrapassado o obstáculo do primeiro dia. Tinha planeado uma semana na estrada ao todo, e cerca de 700 quilómetros de caminho. Preparei o equipamento do costume, de onde apenas havia a destacar uns pneus ligeiramente mais estreitos e mais lisos, uns GravelKing de 32mm, montados como sempre Tubeless.
"Isso é tudo muito giro, mas aqui há AC!" |
Para a longa primeira etapa, sendo que teria companhia, e carro de apoio, iria mais leve, sem os meus sacos, para mais facilmente fazer as tais cerca de duas centenas de quilómetros a um ritmo decente. No carro seguia também o Dentuça, talvez achando que já me aturaria o suficiente na semana que estava para vir. Ou talvez preferindo a companhia das "babes", como ele diria. Conhecendo quem lá estava, não sei se ele se safou com o estilo abusado do costume. Aliás, até hoje não sei bem como lhe foi o dia, a verdade é que ninguém está a falar.
A caminho do Montijo |
Mais de 100Km, e ainda há sorrisos |
Almoço! |
Sem sacos de bikepacking é mais fácil! |
O calor apertava, não havia sombra nem forma de nos esquivarmos ao aperto constante do Sol. Mas tínhamos água e os quilómetros iam passando. A paisagem ia desfilando a um ritmo muito razoável de 26km/h desde o Montijo. Nem a altimetria nem o trânsito chateavam: rolávamos quase sempre em plano, e poucos carros se viam. Apenas tínhamos que lidar com as temperaturas e manter o ritmo. Apenas.
Suponho que é nesta altura que tenho de vos apresentar, a alguns de vós pelo menos, à figura lendária do Homem da Marreta. Sim, o Homem da Marreta. Trata-se de uma personagem mitológica, tipo um Yeti da estrada nacional, ou um Big Foot das subidas de dois dígitos de inclinação. Não há provas da sua existência, mas não falta quem tenha sentido a sua presença. O Homem da Marreta é um retro-grouch, um ciclista old-school (e mais outros anglicismos que agora não consigo, assim de repente, invocar), um tipo tão duro como um marinheiro do Pequod e com o nível de empatia do Soup Nazi.
O Homem da Marreta espera pacientemente, atrás de uma moita ou a seguir a uma curva apertada, por aqueles ciclistas incautos, que não são rijos o suficiente, que não acautelaram a hidratação, não comeram como deviam, ou simplesmente se aventuraram mais longe do que a sua forma física permitia. E naquele dia, foi o meu caso. Por volta do Km 170, deixei de conseguir ir na roda do João. Tudo ficou penoso e lento e complicado. Não tinha posição na bicicleta, todas as posturas eram incómodas, o meu pé direito inchou e parecia que não cabia no sapato, o meu traseiro perecia que estava sobre umas brasas quentes.
Acho que me voltei a esquecer do protector solar... |
Tudo o que podia fazer era arrastar-me, a velocidades ridículas. E arrastei-me mesmo até ao fim, que para o caso era num monte junto à aldeia de Esperança, a um punhado de quilómetros da fronteira espanhola. Dei por mim deitado no banco de trás do carro de apoio, pois estar de pé era demasiado cansativo, enquanto se discutiam pormenores do jantar que viria a seguir. Eu pensava era em como ia conseguir fazer, já sem sem apoio, os quilómetros que tinha pela frente. Parecia que a minha boca tinha andado a passar cheques que o meu corpinho ia ter sérias dificuldades em pagar.
Fim de dia no Alentejo |
Dia 1. Isaltinistão-Esperança. 201km. (Estrada)