Projecto Bacalhau: Dia 21 - Lagos

@ Lisboa Bike

Publicado em 13/05/2021 às 17:02

Temas: bikepacking viagem volta a Portugal

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Acordo numa belíssima Guest House vazia, algures em Faro. Vazia até às obras começarem, aparentemente do nada surgem homens das obras que estão a renovar uma zona contigua, que comunica misteriosamente com a Guest House. Circulam livremente pela casa que eu julgava vazia. Refeito da surpresa, pequeno almoço tomado, aproveitando a cozinha apetrechada e as sobras do jantar da noite anterior, agarro na bicicleta e saio para a rua. 

Mas para fazer o quê? Ir para onde? Desde o fim da tarde de ontem que se instalou uma crescente e inevitável sensação de que esta viagem chegou ao fim. Ainda estou a 300 ou 400Km de casa, num Algarve solarengo. Mas esta zona, e o litoral Alentejano, já foram por mim bastante exploradas de bicicleta e não exercem o mesmo fascínio que, por exemplo, uma N2, feita pela primeira vez. Depois de três semanas na estrada, talvez precise apenas de descansar. Seja como for, a expedição tem a sua própria inercia, e tal como um super petroleiro carregado, não pode parar repentinamente.  


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Mais um parque de merendas


E assim arranco na direção de Lagos, com a vaga intenção de ir passear por lá, já que gosto bem mais dessa cidade do que de Faro. O caminho sugerido pelo GPS não é grande coisa e há muito mais trânsito que aquilo a que me vim acostumando nos últimos tempos. Há muita gente, muito betão, muita urbe, muita confusão para o meu gosto. 


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Puro Algarve


A jornada termina sem grande história em Lagos, pela hora do almoço. Reservo dormida e vou passear pela cidade. A sensação de melancolia persiste. Talvez me faça bem um pouco de descanso.


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Ruelas de Lagos


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Alojamento


Dia 21. Faro-Lagos. 100Km. (Estrada).

 

Projecto Bacalhau: Dia 20 - 40º à Sombra

@ Lisboa Bike

Publicado em 12/05/2021 às 20:24

Temas: bikepacking viagem volta a Portugal

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Amanhece no Torrão


Saio para a rua com a sensação de estar atrasado. Os meus movimentos são lentos e torpes. Parece que já estou cansado. É o vigésimo dia da viagem e o sexto na N2. São quase nove horas e já se sente algum calor. Recupero a minha bicicleta do anexo e dou uma olhada no equipamento. Tenho 2 litros de água, que não deve durar muito no calor do dia, e tudo o resto parece em ordem. Penso nas vezes que já tentei este tipo de distâncias antes. Contam-se pelos dedos de uma mão. E na altura não tinha que lidar com carga, e nem com o calor. Mas Faro parece ali ao lado, tenho pelo menos que tentar. 


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N2 rumo a Faro!


Nada mais há a fazer senão começar. Essa primeira pedalada é sempre a mais importante. Depois de termos chegado à conclusão de que vamos mesmo fazer aqueles quilómetros, depois de isso estar decidido, de estar assente, o resto são formalidades. Podem ser muitas horas de sofrimento, de suor e lágrimas, mas são apenas formalidades. O teu corpo chega até onde o teu cérebro admitir que é possível chegar. 



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Mais um excelente parque de merendas


Trato de imprimir um ritmo severo. Sei que para o fim do dia a média irá inevitavelmente baixar, mas para já trato de manter-nos sempre acima dos 30Km/h. De início é fácil ir rolando depressa pela paisagem plana. Mas a meio da manhã o calor já é impossível de ignorar. Parece que estamos a ser secos pelo Sol, provavelmente porque é mesmo isso que está a acontecer. É preciso beber constantemente para evitar problemas. 



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N2 ao Sol


Para animar a manhã, cruzo-me com muitos ciclistas na estrada, e quase todos acenam. É um agradável  caso raro, o ciclista de estrada português deixa algo a desejar neste capítulo. A questão do aceno tem importância, porque reforça o sentido de comunidade. Na estrada somos o utilizador mais vulnerável e é bom sentir que podemos contar com o eventual apoio de desconhecidos se tivermos um problema ou emergência, no meio de sítio nenhum. A malta que não acena, que propositadamente não responde a um destes cumprimentos, o que está a fazer é indicar que não pertence à comunidade e que não se deve contar com eles para absolutamente nada. É engraçado como alguns ciclistas reagem, olham para a bicicleta, para o ciclista, como que somando o valor do equipamento à vista e depois então decidem se vale a pena responder ao aceno.  Eu serei muito mal vestido, pois normalmente só consigo cerca de 50% de respostas.



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Castro Verde


As paragens para me esconder por uns minutos do Sol abrasador vão aumentando, servindo também para reabastecimento de líquidos e comida. Decido não parar para almoço e continuo estrada fora no calor do meio dia. Manter o ritmo é essencial e há qualquer coisa de viciante em ver os quilómetros a passar, a acumularem-se, o destino cada vez mais ao alcance.


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Almodovar

 
Mas o calor é implacável. Não há uma nuvem no céu e não há brisa que refresque. Apenas a deslocação do ar da nossa velocidade permite algum conforto, mas esse vem à conta do esforço e eu não consigo manter o ritmo indefinidamente. A média começa a baixar e há mesmo uma altura em que tenho que procurar abrigo em mais uma paragem de autocarro, um pedaço de sombra, uma ilha num vasto oceano de calor abrasador.



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Na paragem do Autocarro


Mas na paragem de autocarro não se acumulam quilómetros, nem nos supermercados, cafés, tascas e parques de merendas onde eu foi parando, em busca de abrigo e líquidos. O progresso faz-se na estrada solitária, pedalada após pedalada. A estrada que não se incomoda com a nossa indumentária, a estrada não quer saber a marca da tua bicicleta, nem se interessa pelo fabricante do teu GPS, a N2 não te vai julgar se os teus sapatos são de BTT e estão a ser usados em estrada. A estrada não te julga pela tua cadência nem pela altura das tuas meias, mas fica sempre satisfeita de te ver de volta.  


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No cimo do Caldeirão


O calor já tinha feito estragos quando sou recordado de que o pior ainda estava para vir. Todos os ciclistas sabem que não se chega ao Algarve sem passar a serra do Caldeirão primeiro. Não serão propriamente os Alpes, mas o nome não engana ninguém. E quando o pavimento começa a inclinar eu já levo muitos quilómetros nas pernas. E as coisas começam a ficar confusas.


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40º C


O termómetro marca agora 40º C e não parece que haja alivio à vista. Como noutros momentos na vida, a única solução é continuar, a única vitória possível agora é persistir. Uma pedalada depois da outra. Uma pedalada depois da outra. Como que em transe, o Dentuça e eu continuamos numa marcha de condenados, com um ritmo que provavelmente não seria recomendável com este tempo, mas enquanto houver forças, e água, eu quero chegar depressa.   


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Faro! Yes! Ou será Caracas..?


Depois de muito subir, e muito penar, a paisagem vai ficando progressivamente mais urbana, e isso só pode significar que estamos a chegar. Infelizmente, depois desta cavalgada histórica, depois dos 170Km épicos, a entrada de Faro, os subúrbios, mais parece que entramos numa qualquer cidade de segunda importância da América Latina. Sem ofensa, mas por aqui tudo é sujo, tudo é feio, tudo é desordenado. Baldios, bermas cheias de entulho e lixo, carroças puxadas por burros, isto, aparentemente, é Faro.  


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Ah pois é!


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Km 738!

A histórica N2 termina (agora) numa rotunda urbana. Enquanto trato das fotos da praxe e me congratulo por ter concluído a travessia da estrada em 6 dias, menos um que o previsto, começo a sentir uma ligeira ansiedade a vir à tona. Está tudo muito bem, objectivo cumprido e coisa e tal, mas... E o que acontece agora? 


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Bacalhau!

Dia 20. Torrão-Faro. 170Km. (Estrada). 

 

Projecto Bacalhau: Dia 19 - A Estrada para a Eternidade

@ Lisboa Bike

Publicado em 11/05/2021 às 20:44

Temas: bikepacking viagem volta a Portugal

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O balcão do café era bastante antigo e transmitia ambiente ao resto do estabelecimento. Mal sinalizado, o humilde café da beira da estrada fora um achado importante, em mais uma manhã de fim Junho na Nacional 2. Estava a absorver esse ambiente, sentado numa cadeira barata, em frente a uma mesa onde repousavam um pão de carcaça com queijo e um galão que arrefecia no seu tradicional copo estriado. 

Um cliente local conversa, algum esforço de sedução à mistura, com a jovem empregada. Eu tinha feito os primeiros quilómetros da manhã em jejum, por falta de opções, e imaginava o quanto me penalizariam estes comportamentos. Em qualquer caso, por aqueles tempos sentia-me um veterano, um viajante intrépido, um bikepacker endurecido, que não temia nem o clima nem a distância, e que confortavelmente se instalava em qualquer espaço público, indiferente aos olhares à sua indumentária de licra e habituais camadas de pó e suor.         

A minha atenção recaiu então no pequeno televisor instalado a um canto, que transmitia um popular programa matinal. Num segmento sobre celebridades, no contexto de um ano de 2020 cheio de adversidade, discutia-se o falecimento recente de Pedro Lima. Isto era novo para mim. Tinha brevemente cruzado caminho com o conhecido actor de novelas na minha carreira de fotógrafo. Enquanto eu fora fotógrafo do grupo Motorpress, o Pedro assumira a posição de director da revista Mens Health. Era um cargo quase honorífico, mas que reflectia o estatuto de estrela de Pedro Lima. 

Em pessoa, qualquer um facilmente dava esse estatuto por merecido. O Pedro tinha uma presença que não decepcionava. Era um James Bond da vida real, tinha a beleza de um modelo e o carisma de um bom líder. Tal como com o personagem de Ian Fleming, ficava a ideia de que os homens queriam ser como ele, e as mulheres desejavam estar com ele. O seu charme rivalizava apenas com a sua humildade. Por isso mesmo, a notícia de que esta privilegiada figura pública, casado e pai de filhos, tinha acabado com a própria vida, parecia deixar os comentadores do mundo social perplexos. A minha reacção não era diferente. E aquela questão fez o resto da viagem comigo.


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No calor do Alentejo


Há qualquer coisa no Alentejo, qualquer coisa que me agrada. Pode ser da comida, pode ser das gentes, ou pode ser simplesmente da fraca densidade de população e os amplos espaços abertos. A N2 por estas bandas não tem a diversão das curvas, nem o desafio das subidas, mas acreditem que o desafio existe. O calor é real e o abrigo escasso. Mesmo começando de manhã cedo, quando o meio do dia chega, não queres ser apanhado na estrada. Nestes momentos, umas árvores ou uma dos magníficos abrigos de paragem de autocarro ajudam a proteger do Sol, enquanto bebemos uns líquidos e planeamos como sobreviver ao resto do dia. 


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Montargil


Da N2 é possível ver alguns empreendimentos turísticos claramente destinados a indivíduos de elevado poder adquisitivo. Abundam as carrinhas de transferes para VIP's, cor de prata e vidros fumados, e também carros de elevada cilindrada e matrícula estrangeira. Aparentemente o atractivo, além da tranquilidade do Alentejo, é a albufeira da barragem de Montargil, que a N2 contorna.  



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A albufeira


Parei para observar a albufeira e fazer umas fotos. Meto conversa com um casal de meia idade, que ali chegou de autocaravana. Depois de falar da minha viagem, e só mencionei que estava a fazer a N2, eles dizem-me que também gostavam de fazer a N2, "um dia". Para já vão fazendo uns quilómetros da estrada, quando podem, ao fim de semana, mas não sabem quando conseguirão realizar o sonho de fazer o percurso completo.

Mais uma vez, sinto-me um privilegiado por poder fazer esta viagem, ao meu ritmo e segundo as minhas regras. Às vezes ajuda que outros nos digam, nos recordem, o boa que é a nossa vida. 



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Puro Alentejo



De volta à estrada, arranjar água é quase uma ocupação a tempo inteiro. Se insistirmos em continuar a rolar na hora do calor, vai ser preciso repor líquidos periodicamente e isso obriga a constantes paragens. Nem sempre é preciso que seja num café, já que há alguns parques de merendas com fontes de água (e sombra) e fontes públicas fantásticas ao longo da estrada. 


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Mesmo a calhar



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R2?


A paragem mais memorável do dia foi talvez em Ciborro, a simpática aldeia alentejana surge de uma curva para abrigar-nos dos ferozes raios do Sol, e parece ter abraçado a sua entidade de porto de abrigo da N2. O Ciborro é o Km 500 da histórica via. Tenho que admitir que aqui fiquei mesmo com pena de saber que estava bem mais próximo do fim do que do início da viagem por esta estrada. Isto é o que a N2 faz.




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500!


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Foto obrigatória


Uns amendoins e estamos de volta à estrada. O piso nem sempre é recente, nem sempre é decente, e bermas não existem por aqui. Mas sou atraído pela austeridade, pela solidão deste troço da estrada. Sem companhia durante horas, o Dentuça e eu resolvemos um a um os problemas da humanidade. O conflicto israelo-palestiniano? Fácil. As alterações climáticas? No papo. Quem matou o JFK? Estávamos quase a desembrulhar esse mistério embrulhado num enigma quando rolamos pela entrada do  Torrão, talvez a terra que mais entusiasticamente abraçou a sua identidade "N2". Por todo o lado os estabelecimentos comerciais têm nomes alusivos ao percurso e em cada esquina encontramos motas e motards, em grandes grupos.   



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N2-R2



Fico alojado no Torrão, numa Guest House simpática e deserta, com um pátio interior. Hoje não parei para almoço, mais uma vez a tentar acumular quilómetros antes do calor do dia dar cabo de mim. Tentei compensar com um jantar reforçado, uma piza gigante e uma caixa de morangos. Mais reestabelecido, tenho que analisar a situação. Graças ao esforço dos últimos dias, esta noite durmo a apenas 170Km de Faro. Com um esforço final, posso chegar um dia inteiro antes do estipulado pelo desafio do Dentuça, num total de 6 dias para completar a N2. 

Amanhã a previsão aponta para um dia ainda mais quente no Sul do país, e a verdade é que eu não tenho pressa. Mas era fixe...



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O cenário para jantar


Dia 19. Ponte de Sor-Torrão. 131km. (Estrada).

 

Projecto Bacalhau: Dia 18 - No Caldeirão da Sertã

@ Lisboa Bike

Publicado em 10/05/2021 às 21:01

Temas: bikepacking viagem volta a Portugal

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Um tapete rolante. Mas prefiro o Norte.


E depois de 1187Km, um furo. Ou será que não? Na roda traseira a pressão vai-se perdendo misteriosamente. O líquido mágico do Tubeless não está a fazer a sua função e tenho que parar com frequência nas bermas da estrada escaldante na zona da Sertã. Está muito calor hoje, será que isso interfere com as propriedades do líquido?  Tenho câmaras de ar, mas usar uma significa abdicar do Tubeless nessa roda para o resto da viagem, e não sei se estou pronto para isso.

Sobra dar à bomba. Ao Sol. Já desci bastante para Sul pela N2 e as temperaturas são muito elevadas a partir do meio da manhã. A N2 também é agora mais rolante, por vezes com mais faixas. A estrada é agora mais despida, mais desabrigada. E os carros circulam bem mais depressa. Felizmente não há muito trânsito.


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Despedida de Pedrogão


O meu quarto dia da N2 foi muito repetitivo: dar à bomba, para manter a roda traseira minimamente cheia de ar. E comprar água cada hora ou hora e meia, que o calor de outra forma não se aguenta. Fui rolando e rolando para Sul, a determinada altura estava no caminho errado e tive de voltar para trás, mais uma vez por causa do meu GPS do demo, que ainda por cima só avisa que eu estou "fora do track", mas não oferece explicações nem alternativas.



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O verde vai desaparecendo aos poucos 


Esta zona do país ainda apresenta as cicatrizes do fatídico ano de 2017 e não é complicado, olhando para algumas paisagens, imaginar os horrores daquele verão terrível. De resto, é impressionante ver a paisagem a mudar, o território vaio ficando progressivamente mais despovoado, mais plano, mais seco e menos arborizado à medida que vamos avançando para Sul. 



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Heranças de 2017



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Marcos novos!



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Mais marcos novos!



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Sombra agradece-se.


Não parei para almoço. Simplesmente continuei a rolar, alimentado a coca-colas e frutos secos. Não sei porquê, mas simplesmente continuei a rolar. E a rolar. E a rolar. Numa das paragens marquei dormida numa Guest House em Ponte de Sor, onde cheguei relativamente cedo. Aproveitei para tratar, além das compras e lavagens habituais, da manutenção da bicicleta. A casa era toda só para mim, e tinha um espaço tipo pátio onde podia tratar da bicicleta. 

Depois de uma limpeza completa com toalhetes húmidos, coloquei cera na corrente. Era a primeira vez desde a partida que me preocupava com a lubrificação. Porque não tinha tido razões para me preocupar! E continuava a não ter, mas o susto com o "furo" fez-me dar mais atenção à bicicleta. Falando deste furo, voltei a dar uma olhada na roda traseira, agora com calma e tendo limpo todo o pneu. Mesmo assim não consegui identificar o furo e tudo o que fiz foi colocar mais ar e rodar a roda, para distribuir o líquido.



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Alguma atenção depois de 1200Km 



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Cera para cima!


Depois do jantar, cozinhado pelas minhas mãozinhas na cozinha completa disponibilizada (o Dentuça não se ajeita), ponderei instalar-me no prometedor sofá da sala, onde um enorme televisor prometia entretenimento para o serão. Mas estava demasiado cansado para TV ou filmes. E como em noites anteriores, pouco depois de escurecer já estava a dormir.

Dia 18. Pedrógão Grande-Ponte de Sor. 117Km. (Estrada).
 

Projecto Bacalhau: Dia 17 - Camiões, Cães e uma Piscina de Borla

@ Lisboa Bike

Publicado em 9/05/2021 às 18:27

Temas: bikepacking viagem volta a Portugal

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N2?


- Mas porque é que não ficámos no sofá a ver a Netflix?! - Questiona o Dentuça debaixo do implacável Sol da manhã, enquanto o colossal camião ruge, impaciente, centímetros atrás da minha roda traseira. Atrás deste TIR segue outro, e mais uma fila interminável de outros veículos ligeiros e pesados, rodando ao meu ritmo, até que eu consiga sair da famigerada ponte do IP3. Já tinha dito que odeio pontes?


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N2??


A manhã do meu terceiro dia na N2 até tinha começado bem, um pouco como a noite tinha acabado: à conversa com o proprietário do turismo rural onde me tinha instalado, no Vimieiro. Descobri que ele conhece também o Isaltinistão e em tempos até lá viveu, não muito longe de mim. Curioso. Aproveito também que tenho direito ao pequeno almoço para sair para a estrada já devidamente munido de umas calorias para alguns quilómetros. O anfitrião faz questão de me tirar uma foto com a bicicleta, para o seu site, antes de eu abalar de volta à N2.

E sabe bem estar de volta à estrada. Mas a manhã traria consigo algumas surpresas. Uma coisa que é preciso compreender é que a N2, com 738Km de extensão, na verdade não existe... Ou melhor, ao longo do longo percurso, a estrada por vezes desaparece, para se transformar em IP ou IC, para ser uma avenida urbana, ou um arruamento. E por vezes fica difícil seguir o percurso. Em anos recentes, uma vez consolidada a fama desta Route 66 portuguesa, foram colocadas placas em algumas zonas, com vista a ajudar os viajantes a navegar alguma destas zonas mais complicadas.           


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N2???



E foi assim que dei por mim a sair e entrar da "N2" naquela manhã, para evitar as zonas em que ela se transforma em IP. Em alguns casos existe sinalização nova que indica que a N2 é agora numa via paralela, claramente de construção recente. Outras vezes somos obrigados a passar por debaixo da estrada principal e andar no meio do nada. Fica difícil fazer a navegação nesta zona, mas o pior é a ponte sobre o rio (Dão, Mondego?) onde a N2 nos atira de volta para o IP3, que nesta zona perde temporariamente esse estatuto, pelo que bicicletas podem passar (E é o único local onde o podem fazer).  



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N2????


Sucede que nessa altura o IP3 estava em obras, e os meticulosos senhores da empreitada tinham reservado para si todo o piso da estrada e das bermas, com a excepção de uma faixa, estreita, delimitada por enormes blocos de cimento de ambos os lados. Ultrapassagens não eram possíveis, mesmo a uma bicicleta. E foi assim que dei por mim a segurar o transito, que até há umas centenas de metros rodava como em autoestrada e agora tinha de esperar pelo ciclista. Para que não restassem dúvidas, eu rolava mesmo no meio da faixa, não fosse o camião sentir-se tentado a fazer a ultrapassagem, que seria para mim morte certa. 


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?


Saindo do IP3 na primeira oportunidade, para alívio de dúzias de enlatados,  ainda tive que saltar uns separadores para regressar à N2, mas daqui para a frente as coisas melhoraram muito. As paisagens continuavam incríveis. Foi nesta altura que encontrei mais ciclistas. Primeiro estive à conversa com um local, que se interessou pela minha viagem e me informou que havia um grupo mais à frente, também a fazer a N2, com carro de apoio. Alcancei este grupo de uns 5 ciclistas e a sua autocaravana de apoio numa subida ingreme, e para minha surpresa, ultrapassei todos eles. Seguiam sem pesos extra e tinham por objectivo fazer a N2 em menos dias que eu, pelo que o seu ritmo me surpreendeu. Confesso que a sensação foi incrível, com carga e sem treino, na minha bicicleta do supermercado, como alguns lhe chamam, eu passei por aqueles companheiros como se estivessem parados, e não mais os voltei a ver.

 

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Come-se bem em Góis...


O almoço foi um petisco jeitoso em Góis, numa bomba de gasolina-restaurante-padaria-posto turístico. Fiz a minha pesquisa do costume e identifiquei um parque de campismo em Pedrogão Grande. Sempre me falaram bem da terra e eu há muito que queria lá ir e hoje teria a oportunidade! Em princípio faria sentido também lá ficar em termos de quilómetros diários percorridos.
 

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Vistas da estrada



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A Famosa


O parque de campismo de Pedrogão Grande fica junto à albufeira, e para quem vem da N2, no final de uma descida considerável. Pelo caminho ia pensando que o parque de campismo tinha que estar aberto, porque eu não ia conseguir voltar a subir aquilo tudo para regressar à N2 sem um bom descanso primeiro. As primeiras impressões não auguravam nada de bom, a recepção não tinha ninguém e o parque tinha um portão, que estava fechado. Mas depois apareceu um senhor e à conversa percebi que se tratava de um funcionário da Câmara local, a quem o parque pertencia. Fui informado que o parque aguardava por nova gestão privada, e até lá não estava nem aberto nem fechado, já que a Câmara autorizava os residentes de longa data a permanecer, mas não tinha forma de receber novos utentes. 

Simpaticamente, fui convidado a permanecer por uma noite, sem pagar nada, desde que me entendesse com os moradores locais, já que o portão seria de novo fechado. O parque tinha espaços com um matagal impressionante, e claramente precisava de manutenção em algumas zonas, mas os WC's estavam impecavelmente limpos e, melhor que isso, havia uma piscina com água em bom estado! Rejubilai!



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SIM! Só para mim!



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Parece-me um bom lugar para jantar


E quanto ao jantar? Como disse, eu dificilmente conseguiria deslocar-me por uma distância significativa, mesmo para comer. Mas fui uma vez mais lambido pela língua viscosa da sorte, pois junto à albufeira, uns metros mais abaixo do parque, estava uma roulotte de petiscos, onde comi um hamburger delicioso e brindei ao pôr do Sol. 
   


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Home, sweet home!


Dia 17. Vimieiro-Pedrogrão Grande. 101km. (Estrada).

 

Projecto Bacalhau: Dia 16 - Até à Casa do Salazar

@ Lisboa Bike

Publicado em 9/05/2021 às 8:10

Temas: bikepacking viagem volta a Portugal

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Viseu


Amanhece em Lamego. É o segundo dia na N2, que fica mesmo ali no fim da rampa de acesso do Parque de Campismo. Despeço-me do velho pastor alemão gigante, um amistoso local, que veio mais uma vez ver se eu precisava de alguma coisa. O que eu precisava era de um bom pequeno almoço, mas hoje não há disso por aqui. Mais vale ir andando para esta que será mais uma etapa de 100Km, como acordado. 


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Castro Daire

A estrada é agradável até Castro Daire. Mas depois desta bela localidade, a N2 está cortada. Sou encaminhado para uma volta por estradas secundárias, onde a determinada altura até o asfalto desaparece. Por mim tudo bem, para isso é que tenho uma bicicleta Gravel. Mas isto corta a velocidade média e hoje não sei mesmo onde irei acabar. 


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Às voltas pelos montes, a tentar regressar à N2

Depois de alguns atalhos, o desvio leva-me de novo para a N2. Pela hora do almoço estou em Viseu e mais uma vez estranho o burburinho da urbe, já não lido bem com muita gente, nem com muito trânsito. Eu estou bem é nos montes e vales, em zonas recônditas onde por vezes tenho a N2 toda só para mim.

Convém talvez esclarecer, para quem não conhece, o perfil da N2. Esta estrada nacional, como tantas outras, não tem sempre as mesmas características, devido ao progresso e ao crescimento urbano e do tráfico. Mas na maioria dos quilómetros, a N2 é a típica estrada de duas faixas, uma para cada sentido de transito, com uma berma pequena ou mesmo inexistente. No Norte do país, a N2 sobe e desce bastante, mas sem exageros. Há também muitas curvas, que fazem as delicias dos motards e ciclistas, e obrigam os outros utilizadores a estarem sempre atentos ao volante, o que juntamente com o trânsito reduzido, torna o percurso, a meu ver, bastante seguro.

    

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Conhecem?

O Almoço foi McPorcarias numa McEsplanada. Estava em caminho e eu tinha preguiça de ir à procura de algo mais substantivo. Nesta fase já desci pelo país o suficiente para o calor ter regressado e preciso de me abrigar um pouco do Sol do meio dia. Mas também não me posso acomodar, ainda falta bastante para os 100Km do dia.


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Oi?

Mais a Sul encontro a Ecopista do Dão, e como ela é paralela à N2, a determinado ponto eu decido ir explorar. O caminho é super agradável, com árvores, muita sombra e tranquilidade. E ainda são uns largos quilómetros. Mas a ecopista comete o erro de tantas outras ciclo-coisas, termina no meio do nada, sem indicações de nenhum tipo. Largado num arvoredo, sigo o Google Maps até encontrar a estação ferroviária de... wait for it... Santa Comba Dão!  

Mas estou do lado errado da via e sou perseguido por mais um cão dos Baskervilles. O enorme animal parece ser o cão de guarda de umas obras e claramente não está ali para fazer amigos. Tenho que pular literalmente a cerca e depois atravessar várias linhas férreas para chegar à bonita estação, abandonada ao calor do dia, que já vai longo. 


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Ecopista!


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Respirar fundo. Isso.

Não muito longe da estação está uma casa de um cavalheiro bem conhecido, um filho da terra. Parece-me estar a reconhecer a modesta vivenda, de filmes e fotografias antigas e parei para confirmar. Uma placa esclarece que, sim senhor, ali nasceu Salazar.


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Aqui nasceu Salazar


O meu alojamento para o dia é um fantástico turismo rural, uma quinta que me obriga a afastar-me da estrada. Mas não há problema, amanhã retornarei ao mesmo exacto ponto. À chegada encontro apenas inúmeros cães e gatos e vários outros animais. O portão está aberto, mas na casa não se encontra ninguém. O meu telemóvel tem várias chamadas não atendidas de um número que eu não conheço. A reserva, feita pela net, não indica hora de chegada, e eu parece que cheguei em hora inconveniente para o proprietário. A coisa resolve-se por telefone, e recorrendo ao uso de uma chave escondida!     


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A propriedade é muito gira, e como disse, está cheia de animais que andam soltos. Já na presença do proprietário, não posso deixar de reparar que o preço que paguei não condiz com a qualidade do serviço de porcelana empregue para me servir o jantar, pelo que tudo indica que esta quinta antecede a era do turismo massificado em Portugal. Em tempos deve ter atraído clientela bem mais abonada que este vosso escriba, que janta no salão com a indumentária de sempre: chinelos de dedo, calções e camisola sintética de desporto. Tudo cinza, claro, que eu não brinco em termos de opções cromáticas. 



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Bicicleta no quarto III

Em conversa com o proprietário, fico a conhecer um bocadinho mais da zona. Ele parece estar envolvido na dinamização da Ecopista do Dão. Aliás, toda a temática da natureza visa atrair turistas sensíveis a estas questões para a zona, sobretudo do Norte da Europa. Foi uma rara conversa nestes dias, uma agradável troca de ideias com um tipo inteligente, mas não podia durar. Because COVID, e também porque eu tenho mesmo que ir dormir. Cumpri mais uma vez com a distancia mínima e amanhã isso é para repetir. 

Dia 16. Lamego-Vimieiro. 109km. (Estrada).

 

Projecto Bacalhau: Dia 15 - Com um Mamute e um Cacho de Bananas na N2

@ Lisboa Bike

Publicado em 7/05/2021 às 12:12

Temas: bikepacking viagem volta a Portugal

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Cá vamos nós!


O modesto hotel de Chaves não desilude na simpatia e no pequeno almoço. O ambiente é de enorme expectativa. Depois de duas semanas na estrada, hoje começa a N2! Mas no briefing que faço de manhã cedo com o Dentuça, há uma questão que surge. Acontece que conhecemos quem tenha feito esta rota antes, de bicicleta, mas com carro de apoio e alojamento tratado. E quem fez, fez muitos mais quilómetros por dia do que aquilo que eu sou capaz. Por causa das comparações, o Dentuça acha que temos andado a pastar, a vagabundear pelo país até agora, e se não estipularmos uma meta, um objectivo, eu vou "arrastar-me" também pela N2 abaixo, porque aparentemente sou "um granda menino". 

Assim, para não ser demasiado fácil, para ter mais um aliciante, mais um incentivo, fica estipulado que tenho que fazer a N2 completa em sete dias no máximo, o que se traduz numa média diária sempre superior a 100km. A altimetria no Norte mete respeito, mas melhora no Sul do país. O facto de nesta altura já ter mais quilómetros nas pernas que os 738 da própria N2 dá-me alguma confiança. No entusiasmo da manhã, eu acho tudo boa ideia e comprometo-me a cumprir os objectivos traçados pelo paquiderme estofado. 


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Na ponte romana


Chega a hora da partida. Atravesso Chaves com um cacho de bananas pendurado na bolsa do selim, e a sensação de estar a dar início a uma missão, alguma coisa importante. Localizo o Km 0 sem dificuldades. Fica no meio de uma banal rotunda concorrida. Imediatamente alguém reconhece os meus propósitos e se oferece para tirar a minha fotografia com a bicicleta, em frente ao marco quilométrico que indica simplesmente 0Km. Boas energias.  


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O Km Zero

E a coisa começa. Rolando pela cidade, já na N2, recebo várias buzinadelas de incentivo. As pessoas acenam, sou uma pequena vedeta temporária. Os habitantes estão acostumados ao colorido de ciclistas e motards a passar por aqui, mas não devem ter visto muitos recentemente, devido ao COVID. A sensação é incrível, ontem era só um ciclista esquisito anónimo, cheio de coisas penduradas na bicicleta. Hoje sou como um peregrino de Santiago, toda a gente parece perceber o que estou a fazer. E parecem gostar.  


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Vidago

A estrada em si tem ambiente. Nos últimos anos parece ter havido um esforço por divulgar o traçado da N2 como forma de fomentar o turismo nos concelhos abrangidos e os indícios estão por toda a parte. Desde os cafés e restaurantes que mudaram de nome para algo referente à N2, até uma app dedicada para o telemóvel e um passaporte, ao estilo da credencial do peregrino de Santiago. Mas não se enganem, a N2 não é feita de marketing, o traçado é de facto simplesmente magnífico, e depressa a sua fama se justifica.


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Decididamente não estamos no Isaltinistão


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Mais Chaimites em Vila Real


A manhã corre a bom ritmo, estou a levar a questão dos 100Km/dia a sério. O almoço é numa esplanada em Vila Real, em frente ao novo hospital e em conversa com alguns nativos. Foi uma excelente refeição, mas tenho de voltar para a estrada. Uma olhada no telemóvel confirma a existência de um parque de campismo em Lamego. Essa é a distância certa para os meus objectivos e Lamego passa a ser o nosso destino para o dia. 


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A4, Viaduto do Corgo


A saída de Vila Real é feita com alguma relutância, as pernas estão pesadas. Mas depressa dou por mim numa sequência delirante de curvas em cotovelo, uma descida daquelas para guardar na memória. Dou por mim a pedalar a velocidades absurdas, a ultrapassar carros, e sim, a correr riscos. Mas quando chego lá abaixo e tenho que meter a pedaleira pequena para começar uma subida interminável, sou recordado do que ando aqui a fazer.
 
Naquele momento não há preocupações com o COVID, ou questões familiares por resolver, não há problemas profissionais, não há aspirações financeiras, não dúvidas e ansiedades avulsas. Sou só eu e o Dentuça, numa bicicleta, a tentar chegar a algum lado. Enquanto houver estrada, e ar nos pneus e força nas pernas, o mundo é um sítio muito simples de compreender.


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Não está mal



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Razoável


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Aceitavelzito


A chegada a Lamego é uma sequencia de subidas que parecem não ter fim. Mas já me sinto um veterano da estrada e tenho aquela confiança baseada na experiencia: se eu simplesmente continuar a pedalar, mesmo que devagar,  eventualmente vou chegar ao destino e todo aquele esforço será mais tarde recompensado. E recompensado sou, depois de mais de 1700 metros de acumulado, com as vistas familiares de Lamego. O parque de campismo fica na própria N2, mas do outro lado da cidade.


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Lamego!

Há um enlatado que quebra o zen, quando quase me atira ao chão numa ultrapassagem absurda, forçada dentro de uma faixa estreita, no centro. Cidades! Ao ver que o Fittipaldi ficou inevitavelmente imobilizado numa fila 40 metros mais à frente, o Dentuça sugere que eu lhe alargue o esfíncter com o Specialized 44, mas eu deixo o anormal para trás e sigo para o parque de campismo. As surpresas não acabam, a entrada do parque fica no final de uma subida muito ingreme em empedrado e tenho mesmo que desmontar. Os vizinhos de frente são as caves Raposeira, pois então. 

 
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O Dentuça já fazia planos para o serão

O parque de campismo é absolutamente deslumbrante. Assente numa encosta, onde quer que monte a tenda tenho vistas espetaculares. A super prestável senhora do parque empresta-me uma chave para que eu possa sair pelas traseiras, cortar caminho para o centro, e evitar a rampa inclinada da entrada principal. Uso o atalho para ir jantar, num tasco daqueles mesmo tasco! De barriga e alma cheia e depois de umas fotografias, regresso ao parque no frio do crepúsculo, já a pensar no meu saco cama quente e num descanso merecido. 


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Final de dia em Lamego


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Dia 15. Chaves-Lamego. 104Km. (Estrada).

 

Projecto Bacalhau: Dia 14 - Chaves!

@ Lisboa Bike

Publicado em 6/05/2021 às 13:25

Temas: bikepacking viagem volta a Portugal

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Chaves! Rejubilai!

O tempo continua farrusco quando regresso à N103 pela manhã, mas não chove e depois do dia de ontem, isso agradece-se. A nacional tem vindo a revelar-se muito aprazível. Não tem a altimetria maluca das estradas secundárias dos montes e vales do Gerês, mas tem curvas e sobe e desce suficiente para não ser aborrecido. O trânsito é ligeiro e não provoca stress. Pelo meio da manhã tenho que concluir que, se não chover, vai ser um dia divertido. 


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Estas nuvens ladram mas não mordem


Por vezes custa a acreditar que já levo oitocentos quilómetros nas pernas, sozinho, sem treino e sem apoios, mas sempre a carregar oito quilos de carga. Estou a atravessar o país ao meu ritmo, sem complicações, sem restrições, sem regras que não sejam as minhas. A ideia de chegar a Chaves e começar a Nacional 2 é motivação mais que suficiente para o dia, mas se isso não chegasse, há sempre a paisagem do Norte, que não desilude.  


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Quase

Tenho que parar algumas vezes para afinar o desviador, o trabalho feito no parque de campismo não ficou perfeito. Mas é só questão de usar o afinador do cabo, não é preciso ferramentas. De resto o dia vai correndo, entre visitas às barragens e paragens para as fotografias do costume. O tempo vai-se aguentando e embora esteja frio, não chove.

A nacional 103 tornou-se tão agradável que fico mesmo com pena quando percebo que me estou a aproximar dos arredores de Chaves e vou ter de parar em breve. Que estrada fixe para rolar! Tudo indica que a N2 será ainda melhor, por isso a expectativa vai aumentando e as boas energias também, enquanto as minhas rodas deslizam pela zona antiga da cidade de Chaves e as suas muitas e bonitas pontes. Nunca aqui tinha estado, e isso acrescenta à sensação de realização e aventura. 


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Pontes


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E mais pontes


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E pontes...


Fui almoçar a uma conhecida casa de hamburgers do outro lado do rio, e aproveito o WiFi para fazer uso do telemóvel e tratar da reserva num hotel muito modesto, perto do estádio municipal. Depois vou passear pela cidade, magnífica e muito acessível a pé. Tenho também compras para fazer, sinto que estou a começar uma viagem dentro da viagem, e quero estar preparado.

Mais tarde estou a tirar fotos a mais uma belíssima ponte, a da primeira imagem desta página, quando reconheço o que é. Quase sem dar conta, fico mais sério de repente. Sinto um ligeiro formigueiro no estomago. Baixo o telemóvel. Trata-se da ponte romana de Chaves! Além de ser uma obra famosa da antiguidade, aquilo é practicamente terreno sagrado. Sim meus amigos, do outro lado daquela ponte está o início da mítica Nacional 2. O lendário quilómetro zero fica logo do outro lado do rio Tâmega, para lá daquelas pedras milenárias. E está agora ao meu alcance.



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Bicicleta no quarto! Win!


Dia 14. Venda Nova-Chaves. 72Km (Estrada).
 

Projecto Bacalhau: Dia 13 - No fio da Navalha

@ Lisboa Bike

Publicado em 5/05/2021 às 14:30

Temas: bikepacking viagem volta a Portugal

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Perdido no Gerês

A manhã do 13º dia da expedição é em tudo igual às anteriores. Chove continuamente. Trata-se de um desastre, mas há esperança: a previsão é de ligeira melhoria ao longo do dia. Eu decido que já esperei o suficiente e que hoje vamos mesmo fazer quilómetros. Dê por onde der. Nisto conto com o apoio do Dentuça, já que ele é aquele tipo de mamute de peluche que quando alguém diz "mata" ele logo diz "esfola!"


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A paisagem nunca desaponta

Ainda demos tempo ao tempo, a ver se este melhorava, mas não parou de chover. A tenda foi arrumada molhada, o que é sempre bastante desagradável, mas não havia alternativa. No GPS tinha um caminho carregado que serpenteava e ziguezagueava pelos montes. Isto era uma contrariedade inevitável, já que o caminho mais simples e com menor altimetria era pela fronteira, que estávamos impedidos de cruzar. A manhã já ia longa quando por fim tudo ficou arrumado, e arrancámos, debaixo de chuva e de um céu tenebroso. 


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O GPS achava que era por aqui


Uma coisa que os caminhos camarários e outras estradas secundárias têm de particular é a aparente ausência de regras no que toca a inclinação máxima ou o quanto apertadas podem ser as curvas. Houve momentos em que tive que desmontar, a inclinação da estrada era demasiado mesmo para a minha mudança super baixa 30-34. As descidas não eram menos animadas, aliás nada como uns 20% em empedrado molhado cheio de musgo para definir novos patamares de modulação da travagem em descida. Os travões mecânico-hidráulicos estiveram sempre à altura. 

A paisagem nunca desapontava, mas já o GPS continuava a fazer das suas. Dei por mim a entrar em trilhos de BTT, perseguido por um cão do tamanho de um burro, apenas para logo depois perceber o erro e ter que voltar para trás, para entretenimento do dono do entusiasmado Cão dos Baskervilles.

A chuva continuava a cair, por vezes com intensidade. Eu conseguia manter o tronco mais ou menos seco, protegendo os órgãos vitais, mas o resto ia ficando ensopado e o frio instalava-se. Em circunstâncias normais não estaria muito preocupado. Mas como sempre nesta viagem, aqui estava sozinho, a quilómetros de casa e de qualquer ponto de abrigo conhecido. Ninguém sabia onde eu estava e eu dependia e podia contar apenas comigo mesmo.
   

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Aqui já estava molhado até aos ossos


Descendo perto da Barragem de Vilarinho das Furnas, por uma serpenteante estrada estreita, onde mal cabia um carro, ia levando com um Mercedes que circulava fora de mão e só me viu no último instante. O dia estava escuro e com a chuva e a estrada sinuosa, a visibilidade era ridícula. Eu tinha colocado luzes à frente e atrás, mas não parecia fazer grande diferença. Entretanto os meus calções estavam ensopados já há algum tempo e a única forma de evitar a possível hipotermia era não parar, para não arrefecer.


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Sem comentários...

Seguia o meu GPS com uma confiança religiosa, pois não queria estar sempre a parar naquelas condições, para me orientar ou por qualquer outro motivo. Mas algumas paragens eram inevitáveis. Como quando havia gado na estrada, coisa comum por estas paragens. Não tenho fotos, pois a minha atenção nessas alturas ia para os cornos dos bichos. Juro que uma das vacas estava a dizer "Estás a olhar para onde? Esta manhã já caguei coisas maiores que tu!" Dizem que as vacas matam mais pessoas por ano que tubarões, e eu acredito. Outra fauna fácil de encontrar são os famosos garranos, que andam à solta pelos montes e vales. Vi também um acidente, que paralisou totalmente a N304, à excepção este vosso escriba, que contornou o carro virado ao contrário e seguiu caminho, deixando para trás filas quilométricas de enlatados desesperados.


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Só faltava o Sol!


Depois de muita chuva e quase 2000m de acumulado, sem ter feito paragens para comer, estava a ficar claro que Chaves não era um destino realista para o dia. Estava exausto, molhado e com frio. Precisava de uma refeição quente e de uma boa noite de descanso, num sítio confortável. E acabei por ficar no excelente Hotel São Cristovão, à beira da N103, que, assim o esperava, me havia de levar a Chaves. Saindo das roupas molhadas no meu quarto com vista para a Albufeira da Venda Nova, tomei um merecido duche prolongado e em breve iria jantar luxuosamente no restaurante ali mesmo ao lado, e de manhã estaria como novo.


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Um dos sítios onde a bicicleta ficou no quarto


Dia 13.
 Entre ambos os Rios-Venda Nova. 76Km (Estrada).

 

Projecto Bacalhau: Dia 12 - Mais Chuva

@ Lisboa Bike

Publicado em 4/05/2021 às 11:35

Temas: bikepacking viagem volta a Portugal

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O mundo continuava molhado lá fora


Quem diria que meados de Junho poderiam ser dias tão chuvosos no Gerês? Muita gente, se calhar. Pois é o dia décimo segundo da expedição e o Dentuça e eu parece que estamos a reviver o dia anterior. A manhã é passada na tenda, a ver o mundo por uma nesga aberta, a esperar que a chuva pare. Mas ela não para. E o tempo vai passando e chega uma altura que já é demasiado tarde para arrancar.

Pouco mais há a fazer a não ser ir até ao café-restaurante-mini mercado do parque. Mas isso depressa se torna aborrecido. Primeiro because COVID, afinal aquilo é um espaço fechado, que nem é muito grande, e a esplanada está fora de questão devido à água que continua a cair do céu. Segundo porque o pessoal do parque alterna entre o extremamente simpático e o muito estranho. Havia mesmo um indivíduo que fazia questão de não me servir. A outras pessoas até preguntava se estava tudo bem, se precisavam de alguma coisa, mas comigo fingia que não via que eu o estava a chamar à meia hora. É verdade que o parque era um bocadinho fancy, adaptado a malta do Norte que faz desportos náuticos, e não só. Não sei se era xenofobia, afinal eu estava vestido como um típico emigrante brasileiro (amigos do Brasil, por aqui ninguém vai ao supermercado de calções e havaianas em pleno dezembro, just saying).

Fosse como fosse, a minha estadia no parque parecia cada vez mais uma contrariedade. O parque é amplo, limpo, num espaço natural, sem o cimento e a sobre-construção que arruínam outros lugares deste género. Permite ainda muito espaço entre as tendas. Tem além de tudo isso, vistas absolutamente paradisíacas. Mas mesmo no paraíso um tipo sente-se preso se tem  outros planos. Eu andava a sentir-me culpado por ter uma média fraca de quilómetros diários e agora tinham passado dois dias com zero quilómetros. Não era ideal. 

Enfim, fechado na tenda, a mordiscar os últimos mantimentos que me sobravam, tipo amendoins e bolachas, ia fazendo planos para os próximos dias. A fronteira permanecia fechada, por isso tinha eliminado a hipótese de visitar amigos que tinha na Galiza, ali ao lado. A ideia agora era fazer a Nacional 2 em toda a sua extensão. Este era o próximo objectivo que me motivava. Uma viagem bucket list que eu tencionava incluir na minha volta a Portugal! Para isso, o próximo destino seria Chaves, onde a N2 tem início. Eu estava ansioso por começar, mas primeiro a chuva tinha de acalmar.

Dia 11. Entre Ambos os Rios. 0Km.

 
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